Dolores escrita por Marília Bordonaba


Capítulo 84
Dolores




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Ao chegar à diretoria, fiquei bem contente por ver que não tinha fila alguma e que eu poderia entrar direto na sala da diretora da Luíza. Bati à porta e ao ouvir um “pode entrar”, girei a maçaneta.

— Boa tarde. - disse.

— Dolores! – ela abriu um sorriso de orelha a orelha quando me viu, levantando-se de sua mesa e vindo em minha direção, de braços abertos – Meus parabéns, querida!

Sorri de volta e me esforcei pra devolver um abraço tão forte quanto o seu.

— Embora que eu acredite que você já esperava por isso, né? Todos sabíamos que você passaria. - ela disse muito animada – Veio buscar seu diploma?

Afirmei com a cabeça.

— Tá certo. Pode sentar enquanto eu pego pra você.

Obedeci e, calada, fiquei esperando ela pegar o meu diploma, também em silêncio.

— Ansiosa pro começo das aulas? – ela disse ainda muito simpática.

— É. - falei em uma risada meio apressada, mas a verdade é que nem sei se to ansiosa mesmo.

— Você vai adorar. É tudo tão diferente da escola, sabe? Eu sempre te vi meio deslocada aqui e geralmente são pessoas como você que têm dias inesquecíveis na faculdade… Aqui está! – ela apontou um envelope que continha o meu diploma e histórico escolar.

— Tenho que assinar alguma coisa?

— Não, não.

Eu estava prestes a me levantar e sair, mas a diretora Luíza foi mais rápida:

— Só um momentinho, eu… - ela parou, pensou um pouco e prosseguiu – Eu gostaria que você visse uma coisa.

Intrigada, desisti de levantar e fiquei olhando pra ela, curiosa.

— Hã… - ela abriu uma de suas gavetas e retirou um pequeno envelope, apontando-o pra mim – Isso.

— O que é? – perguntei antes de me atrever a pegá-lo.

— A Virgínia deixou isso na minha mesa na véspera da Festa Junina.

Lentamente, estiquei meu braço e peguei o envelope, sem ter certeza se eu tinha entendido certo. Ela queria que eu lesse, é isso?

 

Por favor, abra somente depois que acabar a semana de provas

 

Olhei pra diretora Luíza e ela sorriu.

— Pode ler.

Eu não tava entendendo aonde ela queria chegar, mas obedeci.

 

Luíza,

Eu estou ciente das coisas que te propus esse ano e do trabalhão que devo dar com essas mil ideias, com a minha cabeça dura em querer realizar todas elas, mas é que eu prometi pra mim mesma que faria desse ano inesquecível e é o que eu to procurando fazer. A minha mãe acha que o que conquistei é o suficiente e que é pra eu quietar meu facho, mas eu discordo, eu acho que posso fazer muito mais. Só que fica calma, eu to tentando seguir o seu conselho de manter os pés no chão, tá? E eu também sei que tenho que fazer uma coisa de cada vez (por isso pedi que você só lesse essa carta depois que entrássemos de férias). De toda forma, eu só tenho mais UM pedido a fazer antes de terminar a escola. Só um. Unzinho.

Todo mundo sabe que temos um quadro persistente de bullying. Todo mundo, literalmente, sabe. Inclusive você, os outros funcionários, todos os meus colegas e especialmente eu. Devo admitir que parte do tratamento cruel que os estudantes dessa escola recebem, muitas vezes, são de amigos meus e por mais que sejam meus amigos, isso não pode continuar acontecendo.

Só que acho que a discussão fica muito rasa se pararmos no bullying. Chamar de bullying é só mais uma maneira de ocultar os reais problemas que enfrentamos nessa escola, que é do preconceito das mais diversas naturezas: machismo, racismo, classismo, homofobia, gordofobia…Por isso proponho uma campanha intensiva anti-bullying nessa escola, com rodas seguras de conversa obrigatórias, posso até conversar com a minha mãe ou com a Mariana pra ver se consigo trazer alguns especialistas pra cá, pra eles conversarem com todo mundo que sofre com esses problemas e, principalmente, com o pessoal que pratica bullying com os outros, que nada mais são que pessoas preconceituosas e que precisam urgente exterminar essa prática horrível de suas vidas cotidianas.

Tudo isso me veio porque eu sinceramente não posso continuar de braços cruzados frente a esse tipo de coisa. Ninguém é perdoado! O negro, o branco, o hétero, o homossexual, o rico, o pobre, o magro, o gordo… Tá todo mundo se machucando nessa escola e isso precisa parar urgentemente! Têm alguns alunos, inclusive, que são alvos constantes desse tratamento cruel e acho até que você poderia falar diretamente com eles (a Dolores deve ser o melhor exemplo disso, já que ela tem sido um dos alvos mais antigos).

Enfim, essa é a minha proposta. E se tiver mais ideias, você tem todo o meu apoio, viu?

Beijos,

Virgínia

 

— Por que você tá me mostrando isso? – perguntei um tanto rude.

Além de comprovar que a Virgínia não tinha nenhum decoro pra falar com a diretora e isso, aparentemente, ser motivo de aplauso, não sei pra que me mostrar isso.


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