Dolores escrita por Marília Bordonaba


Capítulo 83
Dolores




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 Aparentemente eu o assombrei com essa pergunta, mas eu precisava de uma resposta saída de sua boca. Eu precisava saber, de uma vez por todas, se a Virgínia tava certa no que disse no seu último vídeo.

— Que pergunta é essa, Lola?

Fiquei decepcionada. Eu soube naquele instante que eu não receberia uma resposta satisfatória. Mas o Lucca estava empenhado em conversar comigo, então pegou na minha mão e nos guiou pra um lugar mais aconchegante pra conversarmos.

— De onde você tirou isso, Lola? Desde quando eu tinha você e a Virgínia como opções, como num cardápio, e eu escolhi uma de vocês? Eu não to entendendo.

Ele tava mentindo. O Lucca não mente e agora vejo o porquê: ele é um péssimo mentiroso. Ele entendia muito bem essa pergunta.

— Lucca, a Virgínia era tudo o que você queria que eu fosse: empolgada, politizada, interessada… Então por que você não ficou com ela?

Sua garganta parecia seca, mas, ainda assim, ele me respondeu esganiçado:

— Porque eu gostava de você.

Ignorei o verbo no passado e insisti:

— Por quê? Eu quero saber o porquê. Eu não me escolheria e acho que ninguém faria isso! Mas você me escolheu e não faz o menor sentido, porque temos pouquíssimas coisas em comum. Por muito tempo fiquei me enganando de que éramos almas gêmeas, tudo baseado nos mesmos animes que assistíamos e… O que mais? Não consigo pensar em mais nada que explique nós dois juntos. Por outro lado, a Virgínia e você tinham tudo a ver!

Tava na cara que ele não esperava por esse bombardeio de perguntas e afirmações, mas por mais desprevenido que o Lucca estivesse pra ouvir tudo isso de mim, não era como que se ele estivesse pensando em tudo aquilo pela primeira vez. Ele tava desconfortável e agora estou certa de que essas questões já rondaram a sua cabeça antes.

— Química não se explica. - ele tentou.

— Não finja que não existia química entre a Virgínia e você. Todo mundo via isso. Via e comentava. Não era à toa que eu sentia tanto ciúme. 

— Acho que você não se lembra, mas eu já disse que vocês duas eram mais parecidas do que você pode imaginar.

— Isso não é verdade. - afirmei categórica – E não vem mesmo ao caso te explicar ou provar isso. Mas supondo que sim, somos parecidas: por que eu então? Por que não ela?

De repente, muitas das hipóteses formuladas pela própria Virgínia me brotaram na memória. Será que ela tava certa?

— É porque ela era… - engoli seco antes de terminar a sentença – Gorda?

— Meu Deus! Não!

Seria horrível se essa fosse a resposta, mas ele pareceu indignado o suficiente ao me ouvir sugerir isso, que eu acredito na sua sinceridade ao negar essa hipótese, mas não é como que se as outras opções fossem muito melhores.

— Então é porque ela que tomou a atitude na hora de te beijar e te deixou, sei lá, intimidado?

— Como que você sabe disso?!

— Não importa.

O Lucca ficou transtornado por eu saber dessa informação, olhando pro chão, perdido. 

— Eu não sabia... Eu não imaginava que isso...

— De verdade, não se preocupe. Eu só quero saber se foi isso que te fez não querer ficar com a Virgínia. 

— Lola, olha, eu… Não sei, tá? Não sei porque eu te “escolhi” em vez dela. Eu já me perguntei isso muitas vezes desde que a Virgínia se foi. Eu não sei explicar o porquê de eu não ter dado uma chance pra ela, a considerar que ela sempre me deu muita moral. Como você disse, ela tinha muitas das qualidades que eu aprecio numa garota e, não sei... Eu cobrava isso de você?

— Cobrava. - falei sem nenhum constrangimento. 

— Eu nem mesmo me dei conta disso. - ele falou olhando pro céu, como que se estivesse irritado consigo mesmo – Eu cobrava tipo o que?

— Não sei se era bem uma cobrança, mas você queria conversar de uns assuntos que eu não tava nem aí e que você só conversava com ela; queria que eu fosse mais pró-ativa e coisas do tipo. Tudo o que a Virgínia era.

— Cara, eu nunca vi as coisas desse jeito. - ele parecia verdadeiramente mal – Eu não percebia que eu cobrava essas coisas de você.

— Pra você ver…

— E, sinceramente, não sei mesmo porque eu nunca senti atração pela Virgínia. Quer dizer, eu já tive sim algum interesse, eu acho até que já tentei gostar dela, porque ela claramente sempre gostou de mim. Mas você também tava ali e sempre foi mais fácil ser cativado por você do que por ela.

— Acha que isso tem ligação com… - não, eu não podia falar isso pra ele, não era justo… Ou era?

— Você ser loura do olho claro? Se era isso que você ia dizer, nem precisa terminar. - ele demonstrou sinais de que ficaria irritado, dessa vez comigo.

— Tudo bem, me desculpe. - abaixei o meu rosto. Infelizmente, as alternativas estavam acabando – E o fato de ela ter mais grana do que você?

Ele arregalou os olhos e eu já tentei me explicar:

— Porque se for, olha, talvez nem seja um problema tão grande assim. Muitas vezes eu a odiei só por causa disso, inclusive.

— Dolores, eu não sou assim. - ele falou ofendido.

Eu queria acreditar nele, eu queria muito. E o Lucca também queria que eu acreditasse nele.

— Tudo isso martelou por muito tempo na minha cabeça. Principalmente pensar que a Virgínia morreu apaixonada por mim e que eu nunca dei bola. Cara, eu não queria que fosse assim, porque eu gostava tanto dela!

— Pelo visto não o suficiente.

— Não diria que não era o suficiente, só não era do jeito que ela queria.

— Você tem certeza? Porque muitas vezes eu acreditei que você gostasse dela dessa maneira. E pra ela ter tido coragem de te beijar, mais de uma vez, é porque ela também acreditava nisso.

— Cara, mas eu nunca fui apaixonado por ela. Eu gostei dela, muito, muito mesmo, mas não assim.

— Será?

— O que você sugere então? – perguntou, começando a ficar impaciente.

Tava me doendo muito, mas eu tava começando a ser convencida. Acho que, no fim das contas, a Virgínia poderia estar mesmo certa.

— Que dentre todas as coisas que a Virgínia tinha, existia uma coisa que ela não era e que eu fui. E aparentemente isso foi decisivo pra você me querer como sua namorada no lugar dela.

— O que?

— Ser dependente de você e das suas iniciativas.

— Que?

Ele negaria isso, eu sei bem. Não adiantaria me gastar tentando argumentar sobre o quanto ele gostava da ideia de me tutelar, de ser a pessoa que me ensinava as coisas, de ser a pessoa que “tomava conta de mim”, quem tomava a frente das decisões e atitudes. Nada disso seria possível se ele estivesse com a Virgínia e por isso que ele não se sentia atraído por ela desse jeito. O Lucca é um cara legal, mas esse é um de seus defeitos, o de não querer uma parceira párea a ele. E ele nem mesmo manja disso. É bem como se diz mesmo, homens são homens, mesmo os melhores dentre eles. 

— Eu… - balancei a cabeça, levantando-me – Vou buscar meu diploma.

— Você não quer terminar essa conversa?

— Quem sabe outro dia? – foi tudo o que disse antes de deixá-lo sozinho, pensando em seja lá o que for.

 


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