Dolores escrita por Marília Bordonaba


Capítulo 7
Dolores




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— Você não tá apavorada? Porque eu to!

Eu temi a volta as aulas, em parte, pelo medo de que o tempo das férias fossem suficientes pra mudar a ordem das coisas. Que o Lucca, de repente, já não fizesse mais questão de falar comigo. Seria bem esquisito se isso acontecesse, até porque ele disse nessas exatas palavras: “Como hoje é o último dia de aula, eu pensei em te dar algo que fizesse você pensar em mim durante as férias”.

Ia ser uma verdadeira droga se ele mudasse de ideia, até porque essa foi a única motivação que tive pra acordar hoje cedo e caprichar na minha aparência – eu nem mesmo to usando uniforme, aproveitando que ainda não estão exigindo isso da gente. Imagina fazer todo esse esforço e ser horrivelmente ignorada pelo Lucca? Só que não, a primeira coisa que ele fez quando tocou o sinal para o intervalo foi vir até mim e perguntar se eu gostaria da sua companhia, já que a Dani havia faltado. É óbvio que eu respondi que sim.

Ele começou a falar de como a sua mente tava uma completa loucura com essa coisa de a escola acabar e termos de pensar na faculdade. “Isso você tem que pensar desde o começo do Ensino Médio”, é o que o meu pai diz. Não é o que o Lucca fez. E nem eu. Mas ele começou a rir quando eu respondi que tava super de boa com a ideia de fazer faculdade. Fiquei satisfeita com a forma bem-humorada que ele recebeu isso, porque não é sempre que me arrisco com uma mentira pra causar boa impressão.

— Não tenho a menor ideia de qual curso eu vou escolher. - ele completou.

— Ah, mas uma hora você se decide.

— Você já decidiu?

— Já. - o único problema da mentira é que ela vicia – Administração. - será que eu poderia ter sido menos clichê? Por que eu não respondi com a verdade logo? “Design Gráfico”, era simples.

— Legal.

Mesmo com a minha resposta previsível, ele ainda disse “legal” de um jeito sincero e simpático. Eu não mereço isso. Mereço?… Booooom, modéstia à parte, julgando pelo meu histórico, acho que mereço sim. Eu o conquistei, sabe? De forma justa ainda por cima!

O Lucca entrou no 8º ano e era o garoto perfeito pra mim. Sua beleza pouco convencional caiu como uma luva pra que as populares bonitas não dessem a mínima pra ele, o que é um alívio quando se pensa que você não tem esse tipo de concorrência. E não vou negar, viu? Eu sei escolher muito bem os caras que me interessam e ele é o máximo, porque já demonstrou que não liga pra esse tipo de status. Desde o começo ele provou isso da maneira mais cativante possível: a Dani havia faltado nesse dia – pra variar, porque não conheço ninguém que falte mais que a dona Daniela –, então eu passaria o intervalo sozinha e como de hábito, peguei meu caderno e meu estojo. Saindo da sala, um dos meninos que andava com o Lucca esbarrou em mim de propósito e fez com que as minhas coisas se esparramassem no chão.

— Desculpa Conceición, foi sem querer.

Óbvio que não foi sem querer, mas eu não falei nada, só catei as minhas coisas e fui pra um corredor vazio, rabiscar qualquer coisa.

Elfen Lied? – o Lucca brotou do meu lado, me fazendo dar um salto de susto.

— Você conhece? – perguntei admirada.

— Claro! – ele afirmou com naturalidade e aproveitou que eu havia parado de desenhar, tomando o caderno do meu colo e disse com os olhos arregalados – Cara, você é muito boa!

Meu coração bateu acelerado. “Será que ele tá armando alguma coisa?” foi a primeira coisa que pensei, mas só por precaução, porque na verdade eu tava bem contente com a sua gentileza. E pra quebrar a minha cara de vez, ele disse enquanto devolvia meu caderno.

— Desculpa pelos meninos, tá? Eles sabem ser bem idiotas às vezes.

— Às vezes?

— Quando você os conhece, percebe que eles são diferentes do que tentam fazer parecer.

— Diferentes como?

— Menos fodões. - ele riu olhando pros meus olhos, o que me constrangeu e me fez abaixar o rosto, embora eu ainda estivesse sorrindo timidamente.

Esse dia bastou pra que eu cismasse com ele… E poderia ser diferente? Ele foi um tremendo fofo.

Mas apesar de ele não ligar pra status, tal como beleza física, eu, por outro lado, ainda não consegui me livrar de alguns e claro que já me deparei pensando que o Lucca não é páreo a mim no quesito notas. E tudo bem, ele não é o melhor aluno da turma, mas tem lá os seus méritos: é muito esforçado, o que só o faz ser visto com bons olhos pelos professores, anda com pessoas minimamente tragáveis (apesar de ser amigo de algumas peças raras, mas que por ele eu sou capaz de relevar), compartilhamos o gosto musical e gostamos dos mesmos mangás. Preciso exigir mais?

O grande problema dessa situação é que na mesma época em que me deparei encantada pelo Lucca, notei a Virgínia toda se engraçando pros lados dele. Claro que a Virgínia se engraçaria, ela adora me irritar. Cara, a minha vontade foi a de estrangular essa guria! Mas eu fui mais esperta e agi pelas beiradas.

Enquanto a Virgínia usava da sua popularidade pra manter o contato com o Lucca, sempre arrumando desculpas esfarrapadas pra ficar forçando a barra com ele, eu usei a estratégia contrária, que é o de ter poucos amigos e recorrer a ele quando a Dani não podia me ajudar. Como minha relação com o resto da turma nunca foi muito amigável e ele, desde o início, foi muito agradável comigo – embora ele seja agradável com todo mundo –, tudo fez sentido uma hora e eu concluí que o Lucca e eu somos perfeitos um pro outro.

A Virgínia sempre deixou claro que me odeia ainda mais quando eu chego perto do Lucca. Agora me pergunta se eu ligo? Na verdade eu já liguei um dia, quando parecia que o Lucca a correspondia, mas hoje eu percebo que era tudo coisa da minha cabeça e agora acho ótimo que ela se morda de raiva quando estamos conversando, pra ela aprender que nem sempre a gente ganha na vida. Por que ela tem que ter tudo? Ela já não é rodeada de amigos? Vá caçar sua turma e deixa o Lucca pra mim, oras. Até porque nós dois já demos início ao nosso lance e o último dia de aula do ano passado foi mágico.


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