Dolores escrita por Marília Bordonaba


Capítulo 78
Janeiro - Dolores




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Eu sei que o prazo que a Leda estabeleceu era até o Natal, mas eu não tive vontade e nem coragem de ir até a casa dela devolver esse pen-drive com os vídeos. Eu não queria ficar sem eles… E eu sei que poderia mantê-los salvos no meu computador sem ninguém saber, mas eu não ia fazer isso, a Leda foi clara no que ela queria que eu fizesse: que eu os excluísse e devolvesse, e vai ser isso o que eu vou fazer. Eu só não pude fazer antes porque eu não consegui.

Por incrível que pareça, eu nem mesmo tive coragem de olhar uma segunda vez aqueles vídeos. Eu não tava nem com coragem de pensar neles direito. Toda vez que me vinha um flash de lembrança das coisas que a Virgínia dizia olhando pra câmera, eu bloqueava na minha cabeça. Eu não queria afirmar isso, mas eu tava arrependida por ter roubado esses vídeos. Sem sombra de dúvida, assisti-los não me fez bem, não me deu paz de espírito algum. Muito pelo contrário.

— Você demorou.

Foi o que a Leda disse assim que abriu a porta depois que toquei a campainha. Eu torci pra que ela não estivesse em casa, talvez assim eu só deixasse o pen-drive debaixo do tapete e nunca mais precisasse lidar com isso, mas ela tava em casa e parecia rancorosa.

E eu poderia dizer a verdade, que tava tentando absorver tudo o que vi, que eu tava me acostumando ao vazio de agora não ter nada a que me apegar e que sustentasse uma hipótese de que, talvez, a Virgínia soubesse que tudo o que fiz enquanto ela estava viva era cumprir com o meu papel de antagonista dela, assim como ela sempre cumpriu com o papel de minha antagonista. Queria me convencer de que as vezes em que mentalizei um “ela bem que podia morrer” não era algo literal, queria ver ela praguejando as mesmas coisas, só que agora eu sei que ela morreu sentindo não só raiva, mas pena de mim. Isso não tava sendo fácil de lidar, eu não tinha nem mesmo a chance de tentar me justificar pra ela, provar o contrário… E mesmo que eu tivesse essa chance, talvez eu não pudesse me justificar, porque eu não sei nem como justificar pra mim mesma, tentar provar pra mim que eu não sou uma coitada. Mas tudo o que eu disse foi:

— Eu tava viajando.

— Foi o que eu imaginei. Entra.

Fiquei surpresa. Pensei que eu só entregaria os vídeos e iria embora, e nunca mais falaria no que fiz, quem sabe até esquecer. Só que pelo visto a Leda tava disposta a conversa. E não só ela. 

— Você deve ser a Dolores. Eu sou a Mariana.

— A minha namorada, como eu imagino que você deva saber. - a Leda disse de um jeito bruto, sentando-se ao lado da Mariana e entrelaçando seu braço no dela.

Engoli em seco, embora tenha sentido um pouco de satisfação ver a Mariana ao vivo. Eu a tinha imaginado diferente, não sei, um pouco mais parecida com a Leda, séria e elegante, mas ela tinha os cabelos pintados de vermelho e vestia umas roupas alternativas. Parecia um contraponto bem legal. Só que antes que eu tivesse a chance de simpatizar com elas enquanto casal, a Mariana perguntou, tornando a me deixar nervosa:

— Você roubou o diário da Virgínia, hein?

Antes que eu pudesse me assegurar de que ela não tava me julgando, mas só constatando o que fiz, eu tirei o pen-drive do meu bolso e o apontei pras duas. A Leda tirou da minha mão bruscamente e perguntou seca:

— Você não deixou nada no seu computador não, né?

Neguei com a cabeça. Ela soltou um som com a garganta, de como quem diz “bom mesmo”. A Mariana acariciou o braço da Leda, tentando acalmá-la. E eu só queria sair daquela casa, não ter aquela conversa, que mal começou, mas que já tava me deixando muito desconfortável.

— Pode sentar.

A Mariana apontou o sofá em frente ao que elas estavam sentadas e eu a obedeci, toda dura e travada. Mais uma vez, ela tomou as rédeas da conversa e fazendo questão de olhar nos meus olhos, como que se estivesse me analisando, ela perguntou:

— Por que você fez isso?


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