Dolores escrita por Marília Bordonaba


Capítulo 77
Dolores




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26 de Junho. O dia em que estávamos decorando a escola pra Festa Junina, o dia em que a Virgínia beijou o Lucca e o dia em que eu quebrei o seu nariz.

O vídeo começou com ela com os olhos brilhando pelas lágrimas que estavam nos seus olhos, sem nenhuma ameaça de que iriam cair. Acho que ela já tinha chorado o suficiente, tanto, que nem mesmo se atentou em começar o vídeo com “Querido diário”.

— Olha só o que me aconteceu. - ela soltou uma risada debochada e abaixou o olhar, aparentemente envergonhada – Um nariz quebrado. Eu devo confessar que não tava esperando mesmo por essa. Eu achei que as coisas ruins estavam sob controle, sob o meu controle, só que eu tava errada. Ridiculamente errada.

Ela respirou fundo, tentando controlar qualquer vontade de tornar a chorar.

— E eu poderia colocar a culpa na Dolores, dizer que ela é a grande causa de todos meus problemas, mas isso não é verdade. Eu posso listar aqui todas as boas razões pra odiar a Dolores com todas as minhas forças… E o pior é que eu odeio mesmo, mas eu sinceramente não to interessada em ficar meditando sobre todos os motivos que me levam a querer… Querer que ela… Argh! – ela apertou os olhos com força – A minha mãe tem razão quando diz que eu fico me esforçando tanto pra coisas nada a ver, fico me cobrando feito uma condenada com umas coisas que ninguém nem liga tanto assim, mas nas coisas que têm necessidade, eu perco o foco. Esse ano eu descobri que meus amigos nem são tudo isso que eu pensava… Que eu, por muito tempo, fui que nem eles, e que isso é horrível, mas, ainda assim, gastei minha energia em ter raiva o tempo inteiro da Dolores, uma… Coitada.

Minha espinha queimou.

— Onde que eu tava com a cabeça em querer tirar a única coisa que ela tinha? Em tirar dela quem nem me quer… Caramba! Eu fiquei cega com essa coisa de autossuficiência e de ser forte, segura, mas pra que? Pra no final ficar me humilhando pra conseguir o que eu já sabia que nunca seria meu. É que… - ela encarou a câmera e desviou o olhar pro lado logo em seguida – É tão difícil aceitar que quem tem tudo pra ser a sua alma gêmea e que dava todos os sinais de você ser a alma gêmea dele também, no fim das contas, simplesmente caga pra você. - ela negou com a cabeça, indignada – E antes cagasse de verdade, mas não, o Lucca sempre reforçou essa ideia de que ele e eu éramos ideais um pro outro. Quantas vezes ele não disse “você é a minha versão feminina”? Ele disse! Isso não foi imaginação minha! Imaginação foi quando eu pensei que isso era motivo suficiente pra acreditar que devíamos ficar juntos, só que não era isso que ele procurava, não era alguém parecido ou com as mesmas ambições como namorada. Ele queria alguém menor e é por isso que ele escolheu a Dolores. Pois bem, ela pode ter o Lucca inteirinho pra ela. Eu não me meto mais!

“Eu só quero terminar a droga desse ensino médio e esquecer que isso me aconteceu. É tudo o que eu quero.”

E o vídeo terminou mais rápido do que eu esperava. A sensação de angústia e vazio rapidamente se espalhou pelo meu peito. Eu poderia jurar que pairou uma névoa escura sobre a minha cabeça.

Então era isso? Essa seria a última imagem que eu teria da Virgínia na minha cabeça? Dela me chamando de coitada e de menor? Não existe outra palavra que expresse melhor o que eu to sentindo se não decepção.

Eu nem sei bem o que dizer ou pensar… O que eu tava esperando, afinal? Que ela me perdoasse no último vídeo? Que ela dissesse que não tem tanta raiva de mim, que me entendia e que ela que tava errada? É mais do que lógico que ela não diria isso! A última vez que nos encostamos foi quando meu punho quebrou o nariz dela; a última vez que olhamos uma nos olhos da outra, ela tampava o nariz com a mão cheia de sangue, sentindo dor e assustada. É claro que ela não me perdoaria. Ela não morreria considerando que não, eu não sou uma coitada que agride uma menina só porque ela beijou o meu namorado, um namorado que deu um fora nela ainda por cima. Ela não ia me chamar de alma nobre, é óbvio que a Virgínia concluiria que eu sou uma pessoa menor do que ela. Aliás, por que ela trocaria de ideia? Nem eu troquei ainda. Eu sou tudo isso mesmo. E odeio a Virgínia por, não somente saber disso, mas por ter certeza.


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