Dolores escrita por Marília Bordonaba


Capítulo 76
Dolores




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/704941/chapter/76

Cliquei no próximo vídeo e… 18 de Maio? Caramba! Que salto!

— Querido diário, eu sei que me ausentei por tempo demais. É que as coisas estão se saindo tão bem, que mal tenho tempo de fazer qualquer coisa, quem dirá gravar vídeo.

“Pois é, me candidatei à representante de turma… E venci! Mais que isso, na verdade. Eu revolucionei a maneira de eleger os representantes, eu sugeri à Luíza que fizéssemos chapas e que mobilizássemos todas as salas pra fazermos campanhas e tudo mais. Foi sensacional ver a galera empolgada e fazendo as paradas. Sério mesmo, eu juro que fiquei impressionada em como o pessoal comprou a minha ideia. E eu não poderia estar mais feliz, porque era isso que eu queria todos os anos e nunca tive as caras de fazer.

“No começo eu tava lamentando por só ter feito isso no terceiro ano, quando já estamos tão perto do fim da escola, mas agora sei que antes eu não tinha nem 1% do conhecimento que tenho agora e nem mesmo me transformaria em representante com tanto estilo.

“Minha cabeça está à mil por hora! Eu tenho tantas ideias, tantas ambições… Eu já consegui montar grupos de estudo, que o pessoal, volta e meia, vem me dizer que realmente tem utilidade, sabe? E isso só me dá mais gás pra conseguir milhares de outras coisas. Tipo agora, que eu to bolando um plano pra conseguir juntar uma grana pra viajar no fim do ano com todas as turmas do terceirão. Claro que eu ainda tenho muito o que fazer, provavelmente a Luíza num vai aprovar de primeira, até porque agora ela tá super pegando no meu pé por conta das minhas notas que não estão lá essas coisas todas. Mas nem me preocupo muito, porque criei os grupos de estudos pra que mesmo? Exatamente: pra aumentar a nota de geral, principalmente a minha. E a Luíza… Por favor, ela adora quando nos mobilizamos, damos ideias, somos proativos, é claro que ela vai deixar a gente fazer essa festa. E meu Deus, todo mundo vai me amar tanto caso dê pra juntar dinheiro pra viajarmos!

“Mas verdade seja dita: boa parte desses meus ganhos não teriam dado certo sem a ajuda de uma pessoinha especial… E não, não to falando do inútil do meu vice, mas do Lucca, que tem sido uma grande ajuda nesse lance todo. Ele super compra as minhas ideias e me dá apoio; eu nunca tinha percebido o quanto o Lucca me admira, eu fiquei impressionada com isso. Pra você ver, ele me admira tanto e acredita tanto em mim, que foi ele que me ajudou a recolher as assinaturas pra conseguirmos montar o grupo de estudos. Então depois de tudo isso, acho que é oficial: minha raiva dele já passou. Não importa que ele esteja namorando com a Dolores. Quer saber? Foda-se. Minha relação com ele pode, perfeitamente, ser estritamente profissional. Desde quando homens e mulheres não conseguem conviver sem se relacionarem? Eu hein.”

Agora fico me perguntando se ela tivesse seguido à risca o que ela mesma disse agora, se eu teria socado seu nariz, se teria evitado o seu enfarte, se…

— Pra não dizer que tá tudo um mar de rosas, devo confessar que tive alguns problemas de relacionamento com pessoas que sempre me dei bem. Acho que ser representante tem um pouco disso, na real, de criar antipatia com gente que se dizia seu amigo, mas que simplesmente não entende quais são suas obrigações.

Impressão minha ou ela parecia querer se convencer disso? Na verdade, ela parecia bastante chateada. Eu me lembro de como ela andava pelos corredores, meio triste, um tanto irritadiça também e, na maioria das vezes, sozinha.

— Tipo, eu tenho regras a seguir, saca? E tem um povinho aí que acha que só porque é meu 'amigo', vira exceção e pode receber tratamento privilegiado. Me chamam de autoritária, acredita? Eu acho exagero, pra não dizer que é uma mentira deslavada. Eu só to fazendo o meu trabalho, sinto muito se incomoda ou se eles não cumprem com as obrigações deles, ué. O que eu posso fazer? Só que mais do que isso, eles também são meio… Estranhos, se é que você me entende. Eu nunca os vi dessa maneira, como estranhos, tanto no sentido do desconhecido quanto no sentido de serem esquisitos mesmo. Eles são meio cruéis ou…

“Meio”?! Não seja tão educada, Virgínia.

— Sei lá… Sei lá. - ela olhou para os lados, desconfortável – Bom, de toda forma, acho que no mais, é isso mesmo. A minha vida nunca esteve tão boa e chutando pra longe toda gota de modéstia desnecessária, tudo isso é, principalmente, graças a mim. Obrigada!

Ai meu Deus, mais dois vídeos. Caramba, só mais dois. Nem sei dizer se isso é bom ou ruim. 

23 de Maio. Ela tava de pijama e olhando pra porta o tempo inteiro, como que se vigiando se ninguém entraria em seu quarto.

— Querido diário… - ela disse muito mais baixo que o normal, ainda olhando pro lado – Eu vim gravar esse vídeo super rápido, porque têm algumas meninas lá embaixo e... Aff, eu já to arrependida de ter chamado elas pra virem pra minha casa. É que eu pensei que queria ficar de bem com elas, que queria, de certa maneira, fazer as pazes e deixar pra lá nossas diferenças, agora eu vejo que não dá. Nossas diferenças são importantes demais pra serem deixadas de lado. Não, nem to falando tanto da Jéssica, porque eu sei que ela é diferente do resto delas, mas eu to falando das outras meninas e de boa parte das pessoas com quem eu fazia questão de estar junto. Elas são horríveis! Acham que só porque não ligam de agregarem gays no nosso grupo de amizade ou de, por exemplo, adorarem a minha mãe que é lésbica e negra, que só por isso já são as melhores pessoas do mundo, quando na verdade são racistas, sacaneiam todo mundo por coisas nada a ver, como por elas serem feias (de acordo com o que elas acham) ou pobres. A minha mãe tem razão quando diz que as pessoas são piores do que parecem ser. - ela olhou mais uma vez pra porta – A parada é que eu não sei o que eu faço. Eles sempre foram meus amigos e tudo, mas eu não concordo com o jeito deles, que não é só um “jeito”, é escroto, é ignorante e deve ser abominado. E o pior (ou melhor, não sei ainda) é que quanto mais eu demonstro isso, menos elas gostam de mim. Não sei o que fazer. Será que eu corto os laços de uma vez ou imponho a minha presença, combatendo internamente as escrotices dessas pessoas? Porque eu também conheço lados deles que eu gosto... Ou gostava, não sei dizer agora. - ela suspirou nervosa – Não sei de mais nada. Eu realmente não sei qual é o melhor caminho, mas eu preciso mesmo descer agora.

Ela demorou todo esse tempo pra descobrir isso? Não é querendo tirar a validade das coisas que ela disse, longe disso, mas na minha opinião, seus olhos só se abriram porque agora a coisa pesava pro lado dela também. Assim é fácil ser combativa e justa, não é mesmo? De toda forma, esse vídeo é mais uma prova viva de que a relação dela com o povo da escola não era essas coisas toda que parecia e agora até faz sentido porque o luto deles duraram tão pouco.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Dolores" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.