Dolores escrita por Marília Bordonaba


Capítulo 65
Dolores




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— Você tá linda. - minha mãe disse com os olhos cheios de lágrimas.

Não, eu não estava. Eu estava de boa. Mais arrumada que nos dias normais, mas se eu não sorrisse por educação, ela viria querer saber o que tava acontecendo e eu não queria conversar.

— Vamos? – perguntei apressando-a.

— Vamos. Só vou chamar o seu pai.

Se eu estava indo a essa formatura, é porque os meus pais queriam muito me ver formando. Se fosse por mim, eu ficaria em casa, fazendo nada, mas agora que já to aqui, vou tentar me concentrar no fato de que formaturas não são tão longas assim e que, logo, logo, essa daqui vai acabar.

Nos encontrávamos na parte anterior ao palco, onde tava uma barulheira inacreditável. O pessoal tava bem agitado, tirando mil fotos e fingindo que sempre foram amigos. Eu não queria fazer parte disso, até porque eu nunca fiz. Por que agora seria diferente? Eu tava de boa desse rolê "vamos fazer as pazes".

— Oi. - o Lucca parou ao meu lado.

Eu sabia da possibilidade de nos falarmos novamente, ainda mais hoje... Na verdade, tava bem na cara que íamos trocar algumas palavras na formatura. Mas mesmo consciente disso, ainda assim senti um frio na barriga, só que essa emoção não foi transmitida quando eu respondi um seco:

— Oi. 

— Você tá tão bonita.

Achei melhor não dizer nada sobre esse elogio vazio.

— Você tá bem?

— To.

— Lola… - ele disse meu nome em uma entonação total de descrença – Você tá realmente bem?

Dessa vez não o respondi.

— Você não tá. Isso é tão óbvio, que a pergunta fica até ridícula.

Olhei para o lado contrário ao seu, fingindo que procurava alguma coisa, mas eu só queria que ele entendesse que eu não queria conversar.

— Eu também não to bem. Eu… Eu sinto que algumas coisas acontecem só pra derrubar a gente. Não tem propósito algum, só te fazer mal. É assim que eu me sinto com relação à morte da Virgínia.

O nome da Virgínia puxou a minha atenção e o encarei imediatamente.

— Parece meio absurda a quantidade de vezes que eu toco nesse assunto, mas só faço isso porque parece que mais ninguém tem coragem de mencionar que ela morreu. Eu até entendo, porque a Virgínia ter morrido não me ensinou lição alguma. A menos que chegar a conclusão de que a vida é uma merda seja uma lição. - ele ergueu os ombros, melancólico – Eu só sinto mal estar. Todos os dias. Todo santo dia eu me lembro do quanto foi injusto ela ter morrido quando tinha todo um futuro pela frente.

Não me manifestei. De fato era uma lástima pensando por esse lado; eu não tinha nada a acrescentar.

— Infarto? Caralho! Poderia ser qualquer um de nós. Poderia ser qualquer um que não fazia tanta diferença. Por que ela?

Dessa vez me veio uma ânsia horrorosa de choro, mas eu segurei. Por que ele estava falando tão bem da Virgínia pra mim? Logo pra mim? Como podia ser tão babaca?

— E não sei explicar o porquê, mas eu tenho certeza que você é a única dessa escola que se sente de um jeito parecido com o meu.

— Você tá errado.

— Eu sei que não.

— Você tá. Eu posso até ter ficado meio pra baixo no começo, mas eu me dei conta que eu caguei pra morte da Virgínia. Ela era uma idiota e que gostava de me humilhar. Por que eu ficaria triste?

— Eu sei que você tá mentindo. Ou se enganando.

— E como sabe?

— Porque você se isolou, assim como eu.

— Isso não quer dizer nada.

Ele havia puxado o ar pra me dar mais uma resposta, só que ele desistiu. Olhou para o chão e depois voltou a me encarar.

— Você não tá bem, Lola. E enquanto não assumir isso, você nunca ficará bem. Eu sei que agora você anda meio sozinha, eu soube que a Dani e você brigaram…

— Foda-se.

Ele fechou os olhos como se tivesse levado um tapa, mas prosseguiu.

— Eu também to sozinho. Ninguém entende nada. Ninguém procurou saber por que a morte da Virgínia me afetou tanto. E eu queria tanto ter alguém pra conversar sobre essas coisas. Por algum momento eu achei que você fosse a pessoa certa pra isso.

— O que te faz acreditar que eu to interessada em saber no quanto você acha a Virgínia fantástica? Já não me bastava isso quando ela tava viva, ainda tenho que aguentar depois que ela morreu?

— É, eu não posso te obrigar. Mas eu pensei que talvez você tivesse a mesma necessidade.

— Não, não tenho.

— Tudo bem. - ele deu um passo pra trás – Mas se um dia mudar de ideia, você pode me procurar. Eu não vou te virar as costas.

Ironicamente, o Lucca teve que virar as costas para se retirar. Nem reclamo, porque essa conversa tava me deixando desconfortável. O bom é que a cerimônia deu início e não tive tempo de prolongar esse desconforto, porque a coordenadora do Ensino Médio estava nos organizando em fila indiana, por ordem alfabética, exatamente na ordem em que entraríamos assim que finalizasse a abertura e toda a formalidade de formaturas. A Dani tava na minha frente e não trocamos uma palavra.


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