Dolores escrita por Marília Bordonaba


Capítulo 64
Dezembro - Dolores




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Eu não queria, mas a minha mãe disse que eu me arrependeria profundamente se não fosse à cerimônia de formatura. Não sei pra que. Não havia nenhum bom motivo de ir a essa formatura, porque agora sim eu não tenho amigo algum. É, eu briguei com a Dani e rompemos.

Foi meio idiota na verdade. O que rolou é que ela veio me contar sobre o tal dia do cinema que o pessoal da turma marcou e que eu deixei claro que não iria. Assim como deixei claro que não iria, deixei claro que eu não gostava de nenhuma das pessoas que compareceram e fui dando minha opinião sobre todo mundo que ela citava. Tá certo que eu também fui chatíssima, mas eis aí um bom motivo para termos brigado tão feio?

— Dolores, qual é a tua? Será que dá pra ser menos insuportável? Porque eu não sou obrigada a ficar aguentando tuas chatices.

Arregalei os olhos e por mais que eu quisesse xingar a Dani dos pés à cabeça, como há algum tempo eu vinha guardando pra mim, eu só consegui rir de surpresa.

— Serião, o que tá pegando? Você tá assim desde que a Virgínia morreu. Já sabemos que foi infarto, a culpa não foi sua! Ninguém acha que é! Será que dá pra seguirmos em frente ou você vai continuar com essa palhaçada?

Logo o sorriso sumiu do meu rosto e eu apelei.

— Isso num tem nada a ver com a Virgínia. Não fala merda do que você não sabe.

— Ah é? Porque pra mim parece que sim.

— Pois não é! Eu só acho um absurdo você se associar com essas pessoas que nos trataram mal o tempo inteiro. Agora que é final de ano, todo mundo se gosta, né? Por que ninguém se tratava assim antes? Bando de hipócrita!

— Hipócrita… - ela repetiu, revoltada – Não é hipocrisia você querer chegar ao fim do ensino médio numa boa. Se pra você é hipocrisia se retratar e ficar em paz, ok, eu quero ser hipócrita então.

— Pois fique feliz, porque você tá se saindo muito bem nesse papel.

Essa foi a vez da Dani arregalar os olhos, mas diferente de mim, ela não riu.

— Então é isso? Eu sou hipócrita? E você é o que? O suprassumo da justiça e superioridade? – ela aumentava o volume da voz gradativamente – Ser insuportável com todo mundo e querer que os outros sejam gentis em troca não te faz melhor do que ninguém. Muito pelo contrário! Eu, pelo menos, me esforço pra descobrir o que as pessoas têm de melhor.

— Foda-se você.

— Na real? Eu não sou obrigada a aguentar isso. Mesmo. - ela se levantou e apontou o dedo na minha cara – E agora eu entendo porque ninguém gosta de você. Arrogante, ingrata e chata pra cacete. E quer saber do que mais? Se as pessoas não gostavam de mim até agora, foi por sua causa. Então foda-se você. - e me deixou sozinha.

Por algum motivo muito errado, eu não achei ruim a perda dessa amizade.

Eu não sei o que rolou direito, eu só sei que não tava mais querendo lidar com a Dani. Faz tempo que não éramos mais as mesmas uma com a outra. Sim, a Dani também parecia não querer lidar comigo. Se ela tem queixas sobre mim, que eu sou chata, ranzinza, muito mal humorada, etc, etc, etc, saiba ela que eu também tenho as minhas queixas. Como que ela é Maria-vai-com-as-outras, insensível e rasa. Sim, tudo isso. Eu estava cansada da amizade dela e eu não sentia muito por ter acabado. Se rompemos por uma parada tão idiota assim, é porque era pra acabar mesmo. Infelizmente.

Sim: infelizmente. No 6º ano, quando tínhamos 11 anos, eu me lembro que ela foi uma das poucas crianças que viu o que eu passava e veio falar comigo, por mais que isso significasse ser associada a mim e ser automaticamente excluída também. Claro que pra Dani era mais fácil, porque ela era de outra turma e não tinha de aguentar piadinhas maldosas durante a aula, embora ela tenha ouvido algumas coisas nesse ano, que ela finalmente veio parar na minha turma, tudo porque ela andava comigo.

Pensando melhor, ela foi uma amiga firmeza e segurou a barra legal por muito tempo. Eu não sei descrever o que aconteceu, eu só não faço mais questão.


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