Dolores escrita por Marília Bordonaba
— Eu sei que temos muito o que conversar.
Na verdade não. Fazia tempo que eu não queria mais conversar com o Lucca. Depois de um tempo, o nosso namoro ficou tão no passado quanto a vida da Virgínia. Eu não queria mais colocar pingos nos is.
— Nós ficamos jogando pra depois, pra depois, pra depois, que deu tempo de surgir novos assuntos pra tratar e o nosso namoro até caiu pra segundo plano.
Nisso eu concordo.
— Eu te procurei porque… Na verdade, é bem estranho dizer que de todas as pessoas dessa escola, você é a única que vai me entender.
Eu bem que queria ter ficado calada até ele se cansar e ir embora, mas fiquei curiosa e acabei por soltar a seguinte pergunta:
— Por quê?
Foi nítida a satisfação que ele sentiu por me ver dar corda pra essa conversa.
— Eu passei as férias inteiras refletindo sobre como as coisas seriam nessa escola agora que a Virgínia num tá mais aqui. Eu achei que viveríamos em um espaço repleto de tristeza e silêncio, porque ela era uma pessoa querida e que se fazia presente o tempo inteiro: tendo ideias novas, falando com todo mundo e, cara, eu achava que nunca iríamos superar a morte dela. E, bom, eu não superei. E pensei que ninguém superaria e to assustado em como estive errado.
Ele tinha razão, eu era a única a entender o seu lado, mas isso não significava que eu tava gostando de ouvir essas coisas.
— Eu tava olhando pras pessoas e reparei que não é que elas tenham esquecido a tragédia que aconteceu, elas só escolheram não falar sobre. Elas se esforçam pra não acabarem tocando no assunto.
— Eu sei.
— Mas você… Eu também reparei em você. Você tá sofrendo. De todas as pessoas nessa escola, você era a última que eu esperei que sofresse pela Virgínia.
— Eu não diria que eu to sofrendo.
— Não é o que os seus olhos dizem.
Ele pegou as minhas mãos e as colocou em seu colo.
— Você tá se sentindo culpada?
Neguei com a cabeça, soltando uma risada quase que debochada. Não sei porque eu estava sendo rude. Mais do que rude, mentirosa. Só que o Lucca me conhecia bem o bastante pra me sacar.
— Eu não acredito em você. Na boa, eu me sentiria se tivesse no seu lugar... E não pense que eu to falando isso pra me livrar da culpa, porque eu também to me sentindo culpado, porque eu tenho certeza que a morte dela tá relacionada com o jeito que eu a rejeitei e dei um fora nela. Fico pensando se foi por causa disso que ela acabou sui…
— Não, nem pensa nisso. – interrompi a sua fala soltando as minhas mãos – A morte dela não tem nada a ver com você, nem comigo, nem com ninguém. Ela teve um infarto fulminante.
Seus olhos saltaram e ele ficou boquiaberto.
— O que?!
Usei apenas a cabeça mais uma vez, dessa vez pra afirmar, aliviada por ele não ter ficado curioso em como eu sei disso.
— Mas… Ela tinha… Mas ela tinha...
— 17 anos, eu sei. – esse detalhe também me perturbava – Eu dei uma olhada na internet e vi que pode acontecer. Não é sempre que acontece, mas aconteceu com ela. Parece que pode ser um fator genético, não sei direito, só sei que é possível. Ainda mais pra ela, né? Que vamos combinar que não era a pessoa mais saudável e nem a mais tranquila.
O Lucca ficou cabisbaixo, pensativo.
— Eu não acredito. – sua voz tava embargada.
— Nem eu.
— E por que ninguém contou isso pra gente?
— Sei lá.
— Que merda. – ele encostou os cotovelos nas pernas e mergulhou o rosto nas mãos.
— É. É bem injusto. – completei – E ainda tem gente querendo usar o dinheiro da festa pra fazer a viagem. – balancei a cabeça indignada.
— Eu não vou. – afirmou categórico – Não sei como que tem gente com cabeça pra isso.
Eu segurei um “foi exatamente o que eu disse!”, porque não havia necessidade de dizer nada que confirmasse que eu o estava entendendo. Em vez disso, aproveitei pra fazer um desabafo:
— O que me deixa com raiva nisso tudo é que ficam agindo como que se eu não devesse lamentar o fato de a Virgínia ter morrido. Na cabeça desse povo, era pra eu dar pulos de alegria porque a menina morreu. Que espécie de ser humano essa gente pensa que eu sou? Tentam invalidar o meu luto só porque eu não gostava dela. É sério isso? Você acha isso certo?
— Definitivamente não. – o Lucca sorriu com a boca torta e colocou a mão em meu ombro – Só é uma pena que você não tenha se demonstrado solidária assim enquanto ainda havia tempo.
— Como assim?
— Eu sei que você e a Virgínia iriam se gostar se dessem uma chance uma pra outra. Vocês são mais parecidas do que poderiam imaginar.
— De novo isso? – falei irritada.
— Nunca se perguntou por que vocês acabaram gostando do mesmo cara? – ele disse sem graça e com a boca torta.
Eu não tinha uma resposta pra essa questão, mas não tinha como negar, era uma questão.
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