Dolores escrita por Marília Bordonaba


Capítulo 52
Setembro - Dolores




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Não sei o que falar e nem o que sentir direito. O pessoal realmente vai fazer a viagem de final de ano usando a grana da Festa Junina. Olha, nem to julgando o fato em si, mas a falta de consideração pela idealizadora do projeto.

Eu sei o quanto a turma sempre abraçou a ideia da viagem de fim de ano. Poxa, é o nosso último ano! Até eu, que não curto essa galera, vi com bons olhos a ideia. Só que a partir do momento que me lembrei que existia esse projeto, achei que ele tinha morrido junto com a Virgínia, só que aparentemente o pessoal não pensou isso nem como alternativa. Nem mesmo chegaram a conversar sobre isso. Nem mesmo fingiram ter honra e consideração. Parece que só eu to perguntando: é correto fazer essa viagem sem a presença da Virgínia? E isso é sem noção em tantos níveis, que no final eu só consigo sentir raiva.

Sei que vão usar argumentos como “se ela estivesse aqui, ia querer que fizéssemos a viagem”, mas acho furada, porque ela não está e não sabemos o que ela acharia disso, mas conhecendo a Virgínia como acho que conheço, ela ficaria puta em não estarmos em completo luto e estarmos planejando viagens com o dinheiro que ela arrecadou.

— Eu, sinceramente, não to conseguindo te entender. – a Dani falava como se estivesse pessoalmente ofendida – O que é que tá pegando, Lola? Por que, de repente, você tá tão defensora da Virgínia? Eu me lembro de você mesma falar que seria um absurdo a Virgínia se achar a dona do dinheiro arrecadado, caso isso rolasse, e agora você mesma tá colocando nesses termos. E aí? Onde você tá querendo chegar?

— Eu não to sendo “defensora da Virgínia”, não seja ridícula.

— Ah não. – falou com sarcasmo – É só o que você tem feito desde que voltamos das férias. Fica irritada quando não falamos da Virgínia, fica irritada quando falamos…

Quem vê assim, até pensa que eles falam muito nela.

— Fico irritada porque vocês fingem que ela não existiu e quando resolvem falar dela, só falam como que se ela tivesse ido embora ou como se tivesse viajado ou mudado de cidade. Vocês deixam escapar o nome da Virgínia sem querer e depois se arrependem, aí vão lá e trocam de assunto. Aposto que vocês fazem isso só pra não ficarem com a consciência pesada na hora de gastarem o dinheiro que ela juntou pra se divertirem. Mas olha, Dani, eu vou te falar uma coisa: ela morreu! Sim, ela morreu e isso o que vocês querem fazer não é certo!

Em que mundo eu falaria assim com a Dani? Só que eu sei bem o porquê de estar conseguindo falar assim com ela: eu ainda não consegui relevar quando ela jogou na minha cara que eu sinto culpa pela morte da Virgínia. Isso não se faz, mano. Não mesmo.

— Cara, eu nunca pensei que você fosse dessas. – e, aparentemente, a Dani também tava com algum problema oculto comigo, porque ela não costumava falar assim comigo.

— “Dessas” o que?

— Precisa gritar? – a Dani ergueu as mãos, como que se tivesse prestes a me controlar.

Me esforcei pra falar mais baixo dessa vez.

— Vai, diz: “dessas” o que?

Ela respirou fundo, quase arrependida por ter começado esse assunto, mas finalizou o que pretendia dizer:

— Dessas que esquece as tretas que tinha com uma pessoa só porque ela morreu.

— Eu não esqueci as tretas.

Ela tornou a erguer as mãos e só pra não dar espaço, me controlei sozinha, continuando:

— E nem gosto da Virgínia agora. Mas sério que você não vê problema nisso? Você acha “ok” ficar no oba-oba mesmo com a mina morta?

— Cara… Acho. – ela disse com naturalidade – Você acha que ela ralou o que ralou pra não fazermos a viagem? Não foi pra isso que fizemos a festa?

— Foi pra isso que a Virgínia, que não tá mais aqui, teve a ideia da festa.

— Então? Pra que essa frescura agora?

— Você acha frescura? – fiquei indignada – De verdade, eu to chocada em ver que vocês ainda têm cabeça pra fazer essa viagem. E to chocada, principalmente, com você. Eu sempre pensei que você fosse sensível, mas eu to vendo que eu tava bem enganada.

— Ninguém vai parar a vida porque a Virgínia morreu não, Lola.

A Daniela não estava me entendendo. Acho que ninguém entendia. E compreendo que é muito difícil entenderem o que eu quero transmitir com essa minha resistência a usar a grana da Festa Junina, porque aposto que todo mundo esperava que eu fosse a primeira a querer usufruir desse dinheiro, porque a Virgínia não estava mais ali pra estragar a viagem pra mim. O que ninguém sabe é que, muito pelo contrário, acho que não faz sentido algum fazermos essa viagem sem ela. E to assustada por ver que a Dani não pensa como eu. Não sei o que tá acontecendo.


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