Dolores escrita por Marília Bordonaba


Capítulo 40
Virgínia




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— Você precisa de mais alguma coisa, meu amor?

— Não, mãe. — falei um pouco impaciente.

Eu sei que é injusto dispensar a companhia da minha mãe, até porque ela foi o máximo quando foi ao hospital e não ficou me pressionando a contar as coisas que eu não queria contar, mas eu só quero ficar sozinha agora, deitar um pouco, fingir que eu não existo, porque hoje o dia conseguiu se sair pior do que qualquer outro dia. 

Na verdade, antes da minha mãe ter sido a fofa de sempre e ter me aninhado em seus braços, ela fez um escândalo no hospital, dizendo que a Dolores teria que pagar por todos os danos que já cometeu em minha vida, como que se a própria estivesse no hospital e como que se alguém estivesse ligando pra esse surto que minha mãe deu. Enquanto voltávamos pra casa, revoltadíssima com a situação, minha mãe prometeu que faria um escândalo na escola amanhã, na Festa Junina mesmo, quando se encontrasse com essa “marginalzinha” e com os pais dela, porque já passou da hora deles imporem limites a uma menina tão rebelde e violenta. 

Eu odiava quando isso acontecia, mas eu tive que esconder alguns acontecimentos da minha mãe pra que sua ira não se voltasse contra mim. Não contei as razões que levaram a Dolores a quebrar o meu nariz. Como eu disse, ela foi uma fofa e não me obrigou a falar nada. 

Analisando racionalmente, nem raiva mais eu conseguia sentir, pois entendo que se fosse eu no lugar da Dolores, se ela beijasse o Lucca enquanto ele estivesse me namorando, eu teria reagido mil vezes pior. Já num tive uma reação semelhante outra vez? Tá certo que a situação não era a mesma, mas bater também já foi minha ferramenta de defesa.

Agora é fato que um nariz quebrado dói, dói muito e olha, posso até entender o lado da Dolores por ter ficado tão nervosa, porque além de ter beijado o Lucca, eu não me ajudei falando aquelas coisas horríveis que eu sei que a machucou. O que acontece é que a dor da rejeição dói bem mais e lidar com isso já bastava como punição. Rejeição é uma coisa que eu entendo, isso ela pode apostar e não foi nada legal senti-la de novo.

Pra mim chega dessa história de Lucca. Olha só o que me rendeu: essa coisa horrorosa na minha cara. Aliás, eu devia ter sido menos invasiva. Eu poderia ter guardado pra mim os meus sentimentos, assim como venho fazendo por todo esse tempo. Mas nem é difícil de acompanhar o raciocínio, porque simplesmente não é justo que um cara legal como o Lucca namore uma menina tão superficial e bobinha quanto a Dolores. Eu realmente quis dar a chance ao Lucca de estar com alguém que pudesse gostar dele da maneira que ele merece e de proporcionar uma vida de ações que poderiam mudar o mundo, assim como viemos fazendo na escola. Sempre senti essa conexão entre nós dois, de que temos a mesma vibe revolucionária, a mesma disposição de fazermos a diferença e aparentemente isso não basta. Então foda-se.

Já decidi: não vou à festa. Não quero que ninguém me veja com esse trambolho na minha cara e nem quero ter de explicar – ou mentir – o que aconteceu. Sei que na quarta-feira, quando eu tiver de ir pra escola pra fazer a prova, vou ter de explicar o que aconteceu de toda forma, então só não quero ter de lidar com isso amanhã.

Ótimo, a bateria carregou.


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