Dolores escrita por Marília Bordonaba


Capítulo 39
Dolores




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A tinta fora comprada, o mural finalizado e posto no seu devido lugar. O meu trabalho havia terminado e, aparentemente, o do Lucca também, já que depois que eu voltei do armarinho, ele não saiu mais do meu lado. Só que embora ele estive ao meu lado, fisicamente, sua mente tava em outro lugar. Ele parecia desconfortável e distraído, respondendo as minhas perguntas de modo vago e distante.

— Pois bem, pessoal – a Virgínia disse ao reunir todo mundo que estava ajudando na decoração no fim da tarde – Nós fizemos um excelente trabalho e não tenho palavras pra agradecer a concretização desse projeto.

Todo mundo começou a bater palmas. Eu não me dei ao trabalho, até porque eu não preciso bater palmas pra expressar o quanto também fiquei orgulhosa por termos conseguido chegar até o fim.

— Gostaria de agradecer a presença de cada um de vocês e, bom, como já havíamos combinado, amanhã de manhã chegaremos bem cedo e tomaremos conta do lugar. Vamos fazer dessa festa um evento inesquecível! Boa noite.

Os aplausos foram mais barulhentos dessa vez e logo assim que cessaram, as pessoas foram se dispersando pra pegarem suas mochilas e irem embora, até porque já tava ficando escuro.

Depois de pegarmos nossas mochilas e nos despedirmos de nossos colegas, quando Lucca e eu estávamos próximos de atravessar o portão de mãos dadas, a Virgínia vinha andando pouco atrás e perguntou:

— Lucca, será que podemos conversar?

Achei bem estranho o fato de o Lucca ter ignorado a Virgínia grandão, já que ele nunca ignora ninguém, ainda mais ela, mas foi exatamente isso o que ele fez. A Virgínia não falou exatamente gritando, mas o volume de sua voz foi alto o bastante pra ele ter ouvido com clareza.

— Lucca? – ela insistiu na medida em que ele continuava andando ao meu lado.

Nada. O Lucca apertou mais ainda a minha mão e seguiu andando como que se ninguém tivesse falado com ele.

— Aconteceu alguma coisa? – perguntei, já do lado de fora do colégio.

— Não, relaxa. – ele não foi convincente.

Olhei pra trás e vi a Virgínia parada, observando a gente andar em direção à parada de ônibus.

— Vocês brigaram? – perguntei esperançosa.

— Não. – ele disse seco.

— Ai Lucca, espera aí. – parei de andar antes que atravessássemos a rua e segurei a sua mão, pra que ele fizesse o mesmo – Dá pra me contar o que tá acontecendo?

Cabisbaixo, Lucca chutou uma pedrinha que tava no caminho e falou baixo.

— Não vale a pena.

— Claro que vale. Se você tá bolado com isso, deve valer muito a pena. Vai, fala.

Ele permaneceu calado, resistindo.

— Só pra você saber: eu não vou sair daqui se você não disser o que é que tá pegando. – cruzei os braços.

Sabendo da minha tendência a ser cabeça dura, Lucca respirou fundo e colocou uma condição:

— Eu falo se você me prometer não fazer nada.

— Foi grave assim? – falei em tom de brincadeira – O que foi? A Virgínia se declarou e te deu um beijo? – continuei no mesmo tom de zombaria, mas a postura séria do Lucca foi mais eficaz pra eu entender o que aconteceu do que se ele tivesse dito com todas as palavras – Ela não fez isso! – exclamei entredentes, tentando me convencer de que a Virgínia não aprontara de novo.

Preocupado com o que eu tava planejando fazer, o Lucca já tratou logo de demonstrar que não havia sido nada de demais:

— Lola, mas eu dei um chega pra lá nela, não dei espaço pra…

Mas eu não tava nem aí pro que ele tinha pra dizer. Meu problema não era com o Lucca, porque eu sabia que ele teria uma postura correta frente a essa situação. O meu problema é com essa Virgínia, que desde sempre fez o que foi preciso pra tornar a minha vida um inferno.

Eu tava olhando pros lados, procurando essa piranha, mas ela já não tava mais parada em frente ao colégio, agora caminhava acompanhada de Jéssica pro lado oposto ao nosso. Nem dei nenhuma satisfação e nem pensei duas vezes antes de sair correndo em sua direção.

— Lola! – o Lucca veio correndo atrás de mim e até segurou meu braço algumas vezes, mas eu consegui me soltar e continuar correndo.

Quando eu consegui me aproximar da Virgínia, não medi forças pra te dar um empurrão e fiz com que tanto ela quanto a Jéssica se voltassem pra mim, com os olhos irados e tentando me ameaçar.

— Qual é o teu problema, garota? – a Jéssica disse agressiva, em tom defensor.

— Isso é o que eu pergunto pra essazinha. – e dei outro empurrão em Virgínia, fazendo com que ela cambaleasse pra trás – Quando que você vai me deixar em paz, hein?!

— Lola, para com isso. – Lucca tentava intervir de um jeito pacífico, mas nada disso daria conta de segurar a raiva que eu tava sentindo naquele momento.

A Virgínia nunca conseguiu me ver ganhar. Todas as vezes que isso aconteceu, ela me desmereceu ou tentou tirar o ganho de mim. Não dessa vez. Essa vaca ia ter o que merecia.

— Quem disse que isso tem a ver com você, ô pirada? – ela me respondeu desaforada e foi avançando sobre mim – E falando nisso, o Lucca nunca teve e nem nunca vai ter nada a ver com você. É uma pena que ele não saiba disso ainda.

— Cala sua boca!

— O que foi? A verdade é dolorida demais? – ela riu debochada – Você é uma tosca,  Dolores. Uma ridícula e nunca vai ser párea ao Lucca. Ou a mim. 

— EU FALEI PRA VOCÊ CALAR A BOCA! 

Com a minha mão aberta, apliquei uma força que fez com que eu sentisse o nariz da Virgínia saindo do lugar. Gritando em agonia, ela ajoelhou no chão e começou a chorar convulsivamente, alegando que eu havia quebrado o seu nariz. Não sei dizer se tava doendo tanto assim, mas o sangue que escorria pelas mãos que tampavam seu nariz me assustou bastante e eu estava bem convencida de que exagerei na mão, literalmente.

— Virgínia, me desc... – tentei me ajoelhar e ver se tinha feito um estrago muito grande. 

— VAZA DAQUI! – a Virgínia gritou com o rosto vermelho.

Fiquei paralisada por um instante, sem saber o que eu poderia fazer pra reparar esse grande erro, mas a Jéssica tinha o plano perfeito pra me tirar do estado de choque e ajoelhada ao lado da amiga, com um celular em mãos, gritou

— Vai embora ou eu chamo a polícia! Os dois! Vão embora os dois!

Claro que ela não chamaria a polícia, mas na hora essa frase fez o meu coração, que já tava acelerado, bater ainda mais rápido e então dei às costas praquele cenário dramático, fazendo o caminho inverso e indo pra parada de ônibus, pra onde eu deveria ter ido há muito tempo, sendo acompanhada pelo Lucca, que também estava calado e imagino que espantado com a minha violência.

— Eu nem sei o que dizer. – fui a primeira a quebrar o silêncio quando chegamos à parada, aproveitando que estávamos sozinhos.

— Nem diga nada. – ele demonstrou estar com raiva de mim – Não tem nada que você possa dizer que vá te defender.

Franzi o cenho e abri a boca, confusa.

— Como assim? Vai me dizer agora que tudo bem ela chegar em você e querer te tirar de mim?

— Tirar o que de quem, Dolores? – ele nunca me chamava de Dolores – Desde quando isso era decisão dela? Nada disso justifica você ter agido que nem uma louca. Quebrar o nariz dela? Sério, Dolores? É assim que você resolve as coisas?

— Você tá se esquecendo que ela já fez o mesmo? Não foi o meu nariz que ela quebrou, mas o meu joelho foi deslocado, você se lembra disso? Não fique me tratando como que se eu fosse um bicho selvagem. 

— Você quer comparar mesmo? Virou competição agora? – ele balançou a cabeça, decepcionado – Eu nem quero mais falar sobre isso. Eu simplesmente não quero olhar pra você agora. 

Ele não tinha ideia de como estava conseguindo fazer com que eu me sentisse pior do que o que eu já tava. 

— Meu ônibus chegou. – ele avisou olhando para o horizonte e vendo a sua linha se aproximar.

Senti uma pontada na barriga. Tudo o que eu não precisava era dele sair assim, sem antes conversarmos direito sobre o que rolou. 

— Depois a gente conversa? – perguntei acanhada.

— Tchau. – ele respondeu antes de subir ao ônibus.

Não, eu não aguentaria ir pra casa assim. Eu precisava de uma resposta. Repeti a minha pergunta por mensagem de texto e enviei ao Lucca imediatamente. Com o celular em mãos, ansiosa, poucos minutos depois, a resposta dele chegou: “Talvez a Virgínia não estivesse tão errada assim quando disse que não temos nada a ver”.


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