Dolores escrita por Marília Bordonaba


Capítulo 41
Julho - Dolores




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As pessoas não gostam de você. E isso não significa que você tem que se isolar, apenas aceite que vai doer menos. É pesado, eu sei. Eu também achei quando cheguei a esse veredicto, mas o que posso fazer? As pessoas só gostam da ideia que você representa (isso quando elas gostam). A nossa essência, os nossos verdadeiros pensamentos e atitudes, ninguém quer ver, ninguém gosta. Nem você mesmo. É por isso que temos que passar 90% do tempo fingindo ser o que não somos, censurando nossos pensamentos e omitindo nossas vontades.

“Temos que passar 90% do tempo fingindo”. Sim, é o ideal. Olha o meu caso: normalmente a minha porcentagem cai pra 50%. Não sou muito do tipo que finge ser outra coisa e é por isso que me ferro. Talvez se eu fingisse mais, eu seria mais querida, teria mais amigos. Acho que é assim que se joga do jeito certo. Olha o que eu conquistei com o Lucca: nós chegamos a namorar! Claro, não poderia ser diferente, porque ele era a pessoa com quem eu mais fingia. Eu fingia ser uma pessoa melhor, mais calma, mais agradável, porque, sendo bem sincera agora, não, eu não sou assim por dentro. E bastou que eu mostrasse isso por um dia, que o nosso relacionamento desmoronou. As pessoas não gostam do que você realmente é. Então esconda, minta, disfarce… Isto é, se você faz tanta questão de fazer parte de tudo isso. Mas melhor que esconder, mentir e disfarçar, é não se sentir culpado depois.

Mostrar o seu "eu" de verdade é um fardo. Se você não for uma pessoa que tenha facilidade de se impor e de mostrar a que veio, ser você mesmo vai ser tão trabalhoso quanto fingir ser outra pessoa ou alguém melhor.

Lembro de uma vez, na 1ª série do Ensino Médio, durante uma aula em que eu fingia que estava concentrada, só que na verdade eu rascunhava um desenho na última folha em branco do meu caderno, em um dado momento, a menina que tava sentada atrás de mim cutucou o meu ombro e me passou uma folha A4.

Era um desenho de uma moça só de calcinha, magérrima, com as costelas protuberantes, praticamente sem seios, com as pernas e os braços excessivamente finos, com um rosto cadavérico, bastante estrábica e com os cabelos cacheados e cheios. É claro que não era uma moça qualquer, era eu. E a certeza de que eu não iria me impor era tanta, que o desenho estava até mesmo assinado: Tiago. Ele não tá mais na escola, mas éramos os “desenhistas” da turma e havia um quê de rivalidade entre nós. Eu tinha traços mais firmes que o dele, enquanto ele fazia desenhos cômicos e acabou se popularizando por fazer caricaturas dos professores. Eu fui a primeira da turma a ser caricaturizada e claro que aquilo me afetou. “É assim que sou vista?”, eu ficava preocupada. Só que eu não tinha muito pra onde ir, eu não me esforçava em ser outras coisas praquelas pessoas. Eu era aquilo e fim. Rasguei a folha e aguentei as risadas vindas do fundo.


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