Dolores escrita por Marília Bordonaba


Capítulo 32
Virgínia




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— Você que me perdoe, Lucca, mas ainda bem que a Dolores foi embora mais cedo. - só sobrava a Jéssica, o Lucca e eu do pessoal que veio pra reunião – Ô menina que nasceu pra ser insuportável!

O Lucca riu por educação e enquanto me ajudava a colocar as cadeiras de volta à mesa de jantar, ele defendeu a namoradinha:

— Eu sei que a Lola parece difícil de lidar, mas eu não to mentindo quando digo que isso é só uma máscara. Ela é bem diferente do que demonstra.

— Imagino. - eu não queria, mas o sarcasmo me escapou – Por que ela insiste nesse apelido idiota, afinal de contas? Não tem nada a ver com ela.

— Lola-Chan. Lembra? – a Jéssica comentou enquanto cruzou com a gente, rindo de como a Dolores pedia que a chamasse no 6º e 7º ano.

Notei que dessa vez o Lucca não gostou do nosso tom, mas ainda assim manteve-se educado e me respondeu com naturalidade.

— É que ela não gosta do nome dela.

Sei que ele esperou que eu fizesse algum comentário maldoso sobre isso, mas troquei de assunto.

— Cara, apesar dos pesares, acho que os preparativos da festa estão sendo um sucesso. Se num fosse as chatices da Luíza, acho que se falassem “bora fazer a festa semana que vem”, super daria.

— Não amiga, espera aí. - a Jéssica saiu correndo da cozinha e disse aflita – Ainda falta muita coisa pra resolver. Equipe de som, por exemplo.

— Ah, eu já falei que eu tenho um tio que pode quebrar esse galho pra gente. E ele vai cobrar uma mixaria!

— Eu sei, mas tem outras coisas que… - uma buzina interrompeu a sua fala por um instante – Precisam ser feitas e... - ela disse apressada – A minha mãe chegou, gente. Tenho que ir.

Ela se despediu do Lucca com pressa e eu a acompanhei até o portão, pra dar um rápido cumprimento a sua mãe e quando estava voltando pra casa, em questão de um segundo, quando caí em mim, bateu um nervosismo enorme quando me dei conta que só estávamos o Lucca e eu em casa. Ficar sozinha com ele sempre me deixou abalada.

— Então… – eu disse tentando segurar as rédeas do momento pra parar o tremor que se espalhava por todo o meu peito – O que você quer fazer?

— Acho que já vou. – com as mãos nos quadris e olhando pros lados, como que conferindo se estava tudo em ordem, ele disse em tom de despedida e uma certa pressa. Talvez fosse só uma impressão minha, mas ele me parecia nervoso.

— Não, que isso. Você não quer comer alguma coisa? Eu nem ofereci nada pra galera por vacilo meu, mas já que você tá aqui, não vou fazer o mesmo… – disse dando alguns passos em direção à cozinha.

— Não, não. Não precisa mesmo. – ele esticou a mão, me parando – Já tá ficando tarde e eu não moro assim tão perto.

Não vai, não vai, não vai! Por favor, não vai não!

— Não quer esperar a minha mãe chegar, que daí eu peço pra ela te levar em casa?

— A sua mãe não se importaria? – ele disse tímido.

— Não, claro que não!

Ele ficou me olhando pensativo, considerando se essa era a melhor alternativa. Ora, é claro que era e ele logo se convenceu disso.

— Bom, se é assim, eu só tenho que avisar o meu pai então.

— Beleza. – respondi com um sorriso enorme.

Enquanto ele ligava para o pai, fui à cozinha e procurei qualquer guloseima no armário, aguardando-o ansiosa com um pacote de palitinhos de chocolate aberto sobre o balcão.

— Pronto. – ele disse ao se juntar a mim.

Apontando para o pacote dos palitinhos, comecei um assunto qualquer.

— E pensar que estamos quase na metade do ano e eu nem mesmo consegui metade das coisas que eu pretendia.

— Nossa, que coisa horrível! – ele disse com um sorriso torto e balançou a cabeça em negação.

Senti uma pontada na barriga. Era impressão minha ou o Lucca estava me criticando? Preferi não fazer um pré-julgamento e busquei esclarecer as coisas.

— O que você quer dizer com isso?

— Ué, você só tem 17 anos…

— Quase 18. – alertei-o.

— “Quase” mais ou menos, né? Ainda falta um bocado de tempo até que você complete 18. E mesmo assim, acho que você se cobra como se tivesse 40. E isso não é de hoje.

Fiquei aliviada. Pensei que ele ia dizer que eu era uma incompetente e isso me deixaria bem chateada. Agora dizer que eu me cobro muito nem é uma crítica, é apenas uma constatação.

— Desculpa perguntar, mas a sua mãe é muito rígida com você? – ele disse com muita cautela, como que se eu fosse explodir com ele caso dissesse algo de errado. Em que mundo eu explodiria com o Lucca, pelo amor de Deus?

— Nossa, não, nunca! Muito pelo contrário, na verdade ela vive pedindo pra eu pegar mais leve.

Ele se demonstrou surpreso. Imagino que ele esperava que a minha mãe fosse uma espécie de pai do Michael Jackson ou algo do tipo. Mas logo ele aliviou sua expressão e olhou pra cima, pensativo, e soltou essa pergunta assim, do nada.

— O que você mudaria no mundo?

— O que eu mudaria no mundo? – foi impossível segurar o sorriso, porque essa sempre foi uma pergunta que eu gostaria que fosse dirigida a mim, sobretudo vinda do Lucca. Só que fui pega desprevenida e tudo o que consegui responder foi: – Nossa, tanta coisa!

— Isso é meio evidente, até porque você tá sempre cheia de nóia.

Seu tom de brincadeira foi essencial pra que eu levasse esse seu comentário na boa, só que eu não parei de tentar encontrar uma resposta que fosse satisfatória, que o surpreendesse.

— Mas sobre a sua pergunta… Cara! Acho que, antes de tudo, se eu pudesse mudar uma coisa imediatamente, eu acabaria com a… - vamos lá, Virgínia, lembre-se da palavra! – A… A apatia das pessoas.

— Como assim? – ele encostou o queixo na palma da mão e me observava atentamente.

Ajeitei minha postura e comecei a falar, gesticulando mais do que eu gostaria.

— Já parou pra notar em como que as pessoas vêm as coisas acontecerem, coisas que muitas vezes elas discordam e acham absurdas, mas simplesmente fingem que não viram e não fazem nada? É merda atrás de merda acontecendo. Merda, que muitas vezes respinga na nossa cara, mas as pessoas conseguem bloquear tudo isso e continuam vivendo suas vidas como que se não fosse com elas. Eu acho que eu mudaria isso pra ver se…

— As coisas mudariam um pouco. - ele completou, raciocinando comigo.

— Exato. - disse orgulhosa.

— É muito ambicioso da sua parte.

— E isso é ruim? - fiquei preocupada.

— Não. Mas diz muito de como você lida com o mundo.

— E como eu lido com o mundo? – adoro quando o Lucca me analisa.

— Você faz questão de não fazer parte dessa massa apática.

Apesar de ter sorrido envaidecida, eu sabia que não era bem uma verdade – sabia muito bem -, só que ainda assim fiquei contente por ver que era assim que o Lucca me via.

— Só toma cuidado, porque como eu disse, querer acabar com a apatia dos outros é ambicioso demais e pode acabar se transformando em algo frustrante.

— E por quê?

— Porque tem gente que simplesmente não liga.

— Não acha que tá sendo pessimista demais?

Ele ergueu os ombros, um tanto cabisbaixo. Apesar da temática ser interessante pra mim, senti que tava na hora de trocar de assunto, porque o clima tava pesando.

— Que tal falarmos de assuntos mais leves? A sua namorada, por exemplo, que com um vento voaria longe. – dessa vez a minha risada foi maldosa.

O Lucca entortou a boca, desgostoso. Nessa hora eu tive a sensação de que quando ele se referiu às pessoas que “simplesmente não ligam”, ele tinha a Dolores em mente, já que ela sempre foi uma pessoa que, pelo menos em sala de aula, sempre se absteve de discussões acaloradas sobre política ou temas polêmicos. Só que por mais que essa minha sensação tenha sido forte, ele me desiludiu com essa pontinha de esperança de ele pensar mal da namoradinha e já veio defendê-la.

— Virgínia, eu gostaria de pedir que você parasse de falar da Lola assim. Nem que seja na minha frente.

— Ai Lucca, eu to brincando, você sabe.

— É, mas ela é a minha namorada e eu fico realmente incomodado quando você fala dela nesses termos, assim como também não aprovo quando ela fala mal de você.

— Hum… Então ela fala mal de mim?

Ele cruzou os braços e falou com a sobrancelha direita arqueada:

— Isso não é novidade pra você.

— Você tem razão. - cruzei as pernas e perguntei tentando mudar o tom da conversa – O que só não me faz entender o que você faz com ela.

Nunca entendi mesmo. A Dolores, embora tenha muitos dos pré-requisitos para ser considerada bonita pelos padrões da mídia (é loira, tem os olhos claros, traços afinados e boca nem carnuda e nem muito fina), não é uma menina bonita. E pode parecer suspeito que eu diga isso, porque eu detesto essa garota, mas há um consenso na nossa turma quanto a isso. Em um passado nem tão distante, já rolou uma “Lista das mais gatas” na nossa turma e a Dolores apareceu na última colocação. Achei um exagero, isso é certo. A Dolores definitivamente não é a mais “feia”, só que sei que parte do motivo de ela ter sido tão desmerecida é porque ela é a mais antipática. Esse também foi o motivo de eu ter aparecido entre uma das primeiras das últimas colocadas; não é porque eu esteja muito melhor que a Dolores nesse aspecto, é porque simplesmente eu ganho as pessoas pelo carisma. Mas eu trocaria todas as pessoas que conquistei pela única que não liga muito pra mim: o Lucca.

— Você não a conhece. - ele me respondeu sem me encarar.

Justo. Por um instante eu tentei pautar as razões de o Lucca estar com a Dolores por motivações fúteis, mas é claro que ele não pensa assim. Se pensasse, eu não seria louca por ele. Só que eu não poderia perder numa conversa assim e disse:

— Não sei. Acho que a conheço o suficiente.

— Quem disse?

— Eu. Não é querendo desmerecer a sua opinião sobre ela, mas nós duas estamos nessa há mais de 10 anos.

— E quando vão parar?

— Que?! - achei abusado da parte dele fazer essa pergunta.

— Não acha infantilidade demais continuarem nessa picuinha depois de tanto tempo? - ele disse sem a menor preocupação de estar soando duro demais.

— Saiba que eu não to sozinha nessa.

— Não falo só de você. Falo da Lola também… E quando tenho oportunidade, falo isso na cara dela. Por que todo esse ódio?

Essa era uma boa pergunta. Excelente, na verdade. Que eu tenho que repetir o tempo inteiro, porque se não até eu me esqueço do motivo.

— A Lola já me contou do problema da brincadeira das Meninas Super Poderosas. Sério que vocês se odeiam até hoje por causa de uma briga do Ensino Fundamental?

— Foi isso que ela te contou?

— Foi.

— Inacreditável!

Essa Dolores não vale uma calcinha rasgada.

— Então quer dizer que ela escondeu a história da Viviane?


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