Dolores escrita por Marília Bordonaba


Capítulo 28
Virgínia




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Acabei topando a sugestão da minha mãe e ontem mesmo liguei pras meninas, chamando-as pra dormirem aqui em casa. Eu disse que separei um monte de comida e filmes pra ficarmos a madrugada inteira sem dormir. Das sete meninas que convidei, cinco aceitaram o convite e só quatro apareceram – e pensar que se fosse no ano passado, todas viriam com o maior prazer. Mas tentei não ser muito pessimista, até porque, por um momento, pensei que ninguém viria. Antes do horário combinado pra elas aparecerem, arrumei nossa dormida na sala, afastando os sofás e espalhando os colchonetes em frente a TV.

Assim que elas chegaram, embora estivéssemos tentando engatar nas conversas, estávamos todas travadas, ainda abaladas com essas últimas semanas de desentendimentos. Só que eu estava verdadeiramente disposta a deixar nossos problemas pra trás e voltarmos a ser as amigas de sempre. Me esforcei no meu bom humor e comecei a puxar assuntos que eu sabia que as deixariam entusiasmadas – ou seja, nada de tocar no tema “representante de turma” – e pro meu alívio, elas deram continuidade nesse clima de “fazendo as pazes”.

Com o tempo, conseguimos descontrair de vez e depois de um papo animado na cozinha, rodeadas de refrigerante e risadas, a Karine perguntou:

— E o filme? Não vamos assistir?

— Ih, minha irmã, vocês ainda vão ter que escolher. - anunciei.

— Então bora. - as meninas rapidamente se deslocaram até a sala, deixando a minha mãe e eu sozinhas na cozinha.

— Quer que eu compre mais refri? – minha mãe perguntou.

— Não, relaxa. Ainda tem o sorvete que nem abrimos.

— Então vou ficar lá em cima e qualquer coisa que precisar, me chama lá no quarto.

— Ta bom. Brigada. - disse antes de dar um beijo na sua bochecha e ir pra sala, me juntar às meninas.

A Tati ficou como a responsável de escolher o filme que assistiríamos, enquanto a Karine, a Regina e a Jéssica cochichavam entre si. Quando cheguei na sala, temi ficar de fora da conversa, como vinha acontecendo tantas vezes na escola, mas engoli meu temor e perguntei:

— Sobre o que estamos falando?

— Ah, senta aí! – a Jéssica abriu espaço pra que eu sentasse na rodinha – A Regina tá contando aqui dos bafos dela.

— Que bafos? – fiquei bem animada por ter sido incluída, assim como acontecia antigamente.

— Não, só to comentando que o Natan, todo dia, vem falar comigo. Todo. Santo. Dia.

— Sério? – eu perguntei surpresa, porque eu nunca nem vi o Natan e a Regina conversando na escola – E desde quando isso?

— Cara, já deve fazer um mês.

Fiquei um pouco chateada por só estar sabendo disso agora, mas pelo menos dessa vez me contaram alguma coisa.

— E sobre o que vocês conversam?

— Na maior parte do tempo falamos de banalidades, só que nessas últimas vezes ele meio que demonstrou suas verdadeiras intenções… - ela disse com um sorriso malicioso.

— E você tá afim dele? – perguntei curiosa.

— Não exatamente, mas por que não tentar?

Todas nós vibramos entusiasmadas, até porque já faz quase um ano que a Regina está solteira e, por todo esse tempo, ela reclamou de quão ruim é estar sozinha depois de 2 anos em um relacionamento – com o Guilherme no caso, que, inclusive, eu fui a responsável por uni-los na época.

Contagiada pelo clima de festa, a Tati largou os DVDs e veio participar da roda.

— Adivinhem quem veio puxar assunto comigo ontem à noite.

— Quem? – perguntamos em uníssono.

— O Sérgio, do 3º D.

Perdendo a harmonia, dessa vez só a Karine e a Regina disseram:

— Ai meu Deus!

— Não pode ser!

Não em uma incredulidade positiva, mas um tanto desdenhosa demais pro meu gosto.

— Qual o problema? Ele é massa. – defendi-o.

— O problema é que eu mesma não passei o meu número pra ele. – a Tati explicou – Quero só saber quem foi, que eu juro que mato.

— Tá, não foi você quem passou o número. Mas eu realmente não sei qual é o problema com o Sérgio. – insisti.

As três riram juntas, deixando a mim e a Jéssica de fora da piada. A Jéssica dessa vez olhou pra mim e ergueu os ombros, dizendo:

— Também não entendi.

Mas eu já tava entendendo algumas coisas.

— Ah gente, qual é! É o Sérgio, por favor. – a Tati falou isso como se fosse autoexplicativo.

De repente me veio o porquê de eu ter ficado de fora das rodas de conversa por tantas vezes. Embora me venha à memória em uma maior frequência as vezes em que fui excluída pelas meninas, houve situações – muitas, na verdade – em que eu me retirava por vontade própria. Eu tava sentindo um desconforto bem familiar nesse ano, que sempre surgia quando eu percebia algo de errado no que elas tavam dizendo.

— Olha, eu já troquei ideia com o Sérgio várias vezes e ele é muito maneiro.

— Ele até pode ser maneiro, mas ele não me atrai. – a Tati, percebendo que eu não ia dar o braço a torcer, trocou o tom de deboche e testou falar mais sério.

— Ah não? E por quê? – desafiei-a a falar com todas as letras.

A Regina trocou olhares com a Karine e as duas reviraram os olhos. Isso fez o meu sangue ferver.

— Cara, esse tipo de coisa não se explica. A gente só sente atração pelas pessoas, não é bem uma escolha, ué. – a Karine tentou argumentar.

— Ah não? – cruzei os braços – Então o fato de vocês implicarem com a minha atração pelo Lucca também não se explica?

— Cara, eu odeio quando você fala assim. – a Tati disse com os olhos fechados.

— Você não é a única a odiar algumas coisas numa amiga. – eu disse enquanto me levantava.

— Aonde você vai? – a Jéssica perguntou aflita, achando que eu ia expulsá-las da minha casa.

— Vou lá no meu quarto rapidão e já volto.


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