Dolores escrita por Marília Bordonaba


Capítulo 22
Virgínia




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Quando as pessoas me dizem que eu tenho que deixar que as coisas aconteçam ao seu tempo, eu devia dar ouvido a elas. Essa ideia de crescer três anos em três meses foi uma furada, porque agora eu não to conseguindo dar conta. E eu odeio demonstrar fraqueza. Odeio!

E eu não entendo. Eu tinha tudo em mãos pra conseguir alcançar as minhas metas desse ano e, do nada, duas notas vermelhas? Eu não entendo, não entendo mesmo. Eu achei que tava super tranquila em Química e Geografia. Geografia, cara! Como assim? Eu não sei o que aconteceu. Não sei mesmo.

E tem os meus amigos também… Cara, tá todo mundo estranho comigo. Será que ninguém entende o que eu to passando? É muita pressão nas minhas costas. Uma pessoa só não dá conta de tudo isso. Tudo bem, eu admito que eu também não tenho sido das mais fáceis ultimamente. Ou não... Sei lá, esse pessoal anda meio esquisito também e tá difícil ficar de boa com eles. Por exemplo, teve um dia em que estávamos sentados no corredor do lado de fora da sala, conversando sobre o aniversário da Regina que tava se aproximando, até que eu perguntei:

— Mas já decidiram o que vamos fazer pro seu aniversário? – e fui ignorada pela aniversariante; eu sei que não era mania de perseguição, pois cada vez mais eu estava sendo ignorada quando falava nas rodas de conversa.

Em vez de receber atenção, a Karine comentou enquanto apontava a Dolores com o queixo:

— Olha aquilo, olha aquilo… 

Revirei os olhos e cruzei os braços, não me importando de deixar clara a minha desaprovação. Sério, por que eles não superavam a Dolores como eu superei? Eu sei que é difícil, que ela faz papel de ridícula o tempo inteiro e tal, mas não é como que se fosse impossível.

— Como que ela tem coragem de usar legging? Na boa, eu, com essas perninhas de sariema, usaria uma calça de tactel pra sempre.

As risadas das meninas me incomodaram um pouco. Não é de hoje que eu venho notando como que elas não perdoam ninguém, absolutamente ninguém! E isso já tem ficado bem chato, então resolvi retrucar.

— Antes magra do que gorda. - e olhei pra baixo, deixando claro que eu me referia a mim, que tenho me queixado dos quilinhos que eu vinha ganhando ultimamente.

— Ai amiga, para! Você não é gorda. - a Jéssica falou sorrindo – Você é gordinha.

— Gordelícia. - a Karine piscou pra mim.

— É Virgínia, relaxa. Gorda mesmo é a Bruna.

A Regina tentou me consolar agora comentando sobre uma menina da 1ª série, que nem mesmo tinha nada a ver com a nossa conversa e estava sendo alvo de deboche.

— Fico imaginando como que as coxas dessa menina sobrevive, porque devem ficar assadas o tempo inteiro.

As meninas riram, como que se fosse consenso que todo mundo naquela roda achasse graça em rir de gente gorda. Mas a verdade é que não havia tanta diferença assim entre a Bruna e eu, portanto se elas achavam graça nela, elas achavam graça em mim também. Se há alguma diferença entre nós duas, é essa: eu faço parte do grupo dos populares e a Bruna não, por isso que só uma de nós duas está imune a esses comentários idiotas. A questão é até quando eu estaria protegida? Pelo jeito que as coisas andavam, não por muito tempo.

Por isso que às vezes eu opto por ficar sozinha, tipo agora.

— Virgínia?

Ai meu Deus, é ele! Enxuga essa cara, limpa esse catarro… Ele não pode te ver assim!

— Você tá bem?

Claro que ficar sentada no meio do nada, de cabeça baixa e soltando uns barulhos esquisitos chamariam atenção. Como eu posso ser tão burra de chorar na escola? É óbvio que alguém me veria!

— To. - respondi passando a manga do meu casaco no nariz.

— Por que você tá chorando?

Eu sei que o Lucca disse isso porque se preocupa e porque é um fofo, mas isso é coisa que se pergunte?

— Num é nada.

— É claro que é.

O Lucca, sem cerimônia alguma, se sentou ao meu lado.

Não pude deixar de sentir um frio na barriga, afinal, se ele tava passando por aqui, é porque ele tava indo ao banheiro e, nossa, ele interrompeu o percurso só por mim! Será que…?… Ei, ei, ei! Para com isso! Nada de criar esperança, você não precisa voltar pra isso!

— Eu to mais ou menos por dentro do que tá rolando. – o Lucca disse com sua voz de lamento – Eu sei que eu ando meio sumido desde que… Bem, desde que eu…

— Começou a namorar a Dolores. 

— É. – respondeu sem graça. 

Como o Lucca sempre soube dos meus problemas com a Dolores, imagino que ele deva estar ciente de que o relacionamento deles me afeta de alguma forma. Já me afetou mais, isso é verdade, hoje nem tanto. 

— Mas eu to aqui. Eu sou o seu amigo, num sou? Você sempre pôde contar comigo, num foi?

Na verdade sim. Se não fosse o Lucca me pilhando, eu não teria levado adiante o projeto dos grupos de estudo e ele também passou nas salas de aula comigo, pra conseguir assinaturas pra conseguirmos a aprovação do projeto. Então afirmei com a cabeça.

— Olha aí! Conta pra mim então o que tá pegando, que talvez eu até possa te ajudar.

O Lucca tinha uma habilidade incrível de entender as minhas questões e de me acalmar, então é óbvio que vi grande jogo nessa sua proposta. 

— Acho que, pra começar, eu preciso muito recuperar a minha nota em química e geografia.

— Relaxa, estuda mais dessa vez, que às vezes você recupera nesse bimestre e nem precise fazer a recuperação em Julho. E olha, se você precisar de alguma ajuda, eu não me importo mesmo de ajudar.

Para tudo: isso foi um convite? Sendo ou não, tentei não ficar muito empolgada com a ideia de estudarmos juntos e só continuei falando normal:

— Aí é que tá: eu tinha estudado pra caramba! Não entendi mesmo o que rolou. Juro. Eu nem tava achando tão difícil e do nada me veio essa bomba.

— Cara, é assim mesmo. - ele disse todo compreensivo e bonzinho, amolecendo meu coração, como sempre fazia – Eu quase rodei em Gramática, acredita? Foi por bem pouco que eu passei. Então relaxa, acontece o tempo inteiro.

— Mas não pode acontecer comigo. Eu sou representante!

— Já passou, Virgínia. – ele pousou a mão no meu ombro – Agora foca nesse bimestre e recupera, só tem esse jeito. – e ergueu os próprios ombros, conformado – Que mais que tá acontecendo?

Respirei fundo e toquei na parte mais sensível da minha tensão. 

— Tem o pessoal que parece que me odeia agora.

— Isso não é verdade. – ele riu como que se eu tivesse dito uma bobagem. 

— Ah não? Então me explica porque todo dia vem alguém brigar comigo. – falei mais alterada do que eu queria, com os olhos arregalados.

— Talvez porque você anda meio estressada… – senti um leve tom de acusação, mas ele logo completou a fala, se redimindo – E eles também andam estressados. Esse ano num tá fácil pra ninguém, viu? Vou te contar.

Por que ele tem que ser tão bonzinho? E tão bonitinho? E tão… Hein? Por quê?

— Tá, ok, vamos fingir que essa é a explicação. Agora pra finalizar, tem a Luíza que não quer nem me ver pintada de ouro.

— Ah, Virgínia! Duvido! – agora sim ele soltou uma bela duma risada – A diretora Luíza te adora, velho! E nem faz esforço pra disfarçar.

— Ah, adora mesmo, uhum, ferrando todos os esquemas pra Festa Junina, o que significa que ferra também todos os esquemas pra nossa viagem de formatura.

— Calma, que acho que eu posso te ajudar nisso. - com esses olhinhos brilhando? É claro que ele tá pensando em alguma coisa – Você tem todo o plano da festa? Tipo, sabe como que vai fazer?

— Sim, eu perguntei pra quem entende de eventos e acho que tenho contatos suficientes pra ajudar a gente.

— Tá… - ele disse pensativo – E a diretora só não quer te ouvir ou ela mencionou alguma oposição a essa festa?

— Ela nem ouviu a minha ideia! – esse era um dos principais motivos pra eu estar revoltada.

— Quer saber? Deixa isso comigo, que eu vou fazer essa festa rolar, você vai ver. 


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