Dolores escrita por Marília Bordonaba


Capítulo 21
Abril - Dolores




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Abril

 

 

— Vamo embora, Conceição!

Céus, será que o meu pai não pode esperar UM minuto? Um! É só isso que eu to pedindo.

— Tá bom, já to indo! – odeio quando ele me obriga a falar com a voz estridente.

Corri pro meu quarto, peguei minha mochila e saí correndo.

Mal eu entrei no carro e o meu pai começou com a frescura:

— Todo dia é a mesma coisa.

Em vez de ficar perdendo tempo falando, ele já devia ter ligado o motor.

— Você não pode acordar mais cedo, já que não faz o menor esforço pra se arrumar mais rápido?

— Tá! – revirei os olhos.

— “Tá”. - caçoou da minha resposta e, por fim, ligou o carro – Você já num tá grandinha pra esse comportamento não, Ceição?

— Não me chama assim!

— Qual é o problema com “Ceição”? Era o nome da minha avó favorita, você sabe disso e mesmo assim fica desrespeitando minhas memórias...

Eu me recuso a ter essa conversa de novo.

— Saudade de quando você era uma menininha capaz de dar carinho pro pai.

— Ai pai, tá bom. Chega né?

Mas ele me ignorou.

— Porque agora você só quer saber de Lucca, Lucca, Lucca…

Coloquei meus fones de ouvido em forma de protesto. E pra ilustrar o quanto estou arrependida por ter contado do meu namoro com o Lucca aos meus pais.

Ah, não contei? Pois é, aconteceu. E os meus pais têm tido a mania horrorosa de inseri-lo em todo e qualquer assunto que me envolva, como que se ele fosse o argumento mais foda do mundo e me convencesse de qualquer coisa.

— Vai lavar esse tênis, garota! O que você acha que o Lucca acha disso?

— Já perguntou o que o Lucca acha desses olhos pretos de maquiagem? Aposto que ele vai te achar muito mais bonita sem nada na cara.

— Só queria ver você falando desse jeito na frente do Lucca. Ele ia terminar com você rapidinho.

Sabe? Foda-se! Eu não me preocupo com nada disso. Foi com a boca suja, tênis sujo e maquiagem pesada que o Lucca me conheceu, e ainda assim quis namorar comigo, então nada mais me importa.

Pois é, finalmente tornamos oficial o nosso rolo. Depois de tanto lenga-lenga, horas de mensagens de texto e noites viradas, até que ele me convidou para que saíssemos juntos em um sábado à tarde, há duas semanas.

Fomos ao cinema e foi tudo perfeito! O Lucca foi extremamente cavalheiro e pagou tudo pra nós dois – embora eu não sei quão de boa tenha sido isso, pois sei que ele é tão quebrado quanto eu.

— Vai querer mais alguma coisa? – ele perguntou assim que terminamos nossos sanduíches.

— Não, não. Obrigada. - eu poderia ter negado o primeiro sanduíche, porque eu simplesmente fico sem apetite perto do Lucca, mas eu não quis parecer rude.

— Então acho que dá pra gente ir andando. O que você acha?

Gritei um “não” mental, porque isso era sinal de que o nosso encontro estava acabando, mas topei mesmo assim, sempre sorridente.

— Cara, eu me divirto tanto com você! - ele soltou o elogio enquanto caminhávamos.

— Eu também. - respondi cabisbaixa, com cada vez mais dificuldade de ocultar o meu sorriso.

A minha resposta positiva deve ter sido uma deixa pro Lucca, porque nessa hora ele se aproximou e tomou a minha mão. O meu coração começou a disparar imediatamente e eu senti a minha boca tremer. Seguíamos caminhando no shopping, um tanto tensos com as nossas mãos dadas – imagino que ele tenha sentido o suor da minha mão, assim como eu senti o suor da dele – e foi quando atravessamos a porta de saída. Depois de darmos alguns passos para não interrompermos a passagem das pessoas, o Lucca me guiou até uma parede e me beijou.

E foi assim: gastamos o resto dessa tarde deixando nossas bocas inchadas e extremamente vermelhas, beijando tudo o que recalcamos nesses meses desde o nosso primeiro beijo. E foi só ao irmos pra parada, quando o ônibus do Lucca apareceu no horizonte, que ele virou pra mim, segurou o meu rosto e disse:

— Antes de ir embora, eu preciso te perguntar uma coisa.

— O que?

Eu tinha as minhas suspeitas do que seria dito naquele momento, mas ainda assim não deixei de me surpreender quando eu ouvi o seu:

— Quer namorar comigo?

Sem dúvida alguma o momento do meu “sim” foi uma das coisas mais felizes que já me ocorreu até hoje.

***

O Lucca tem sido a melhor coisa na minha vida e representado um quadro de grande mudança de comportamento da minha parte, porque somente uma pessoa tão especial faz a sua perspectiva de vida mudar. O que te irritava antes, já não irrita tanto assim.

— Desculpa. - disse por reflexo assim que nossos ombros se esbarraram.

— Olha por onde anda, ô!

Sabe que nem a Virgínia, grosseira como anda ultimamente, conseguiu me tirar do sério?

— Já pedi desculpa. Eu hein, bicha mal educada!

— Foda-se. - e ela continuou andando.

Desde que comecei a namorar, tenho tentado gastar menos tempo pensando nas coisas que não gosto e focado mais naquilo que me faz feliz. Pensar no Lucca, por exemplo, me faz muito bem e faço isso o máximo que posso. Só que mesmo que essa tenha sido minha lei, tem sido difícil deixar de notar que a Virgínia não está nos seus melhores dias. Ela, que sempre faz o que pode pra manter o seu império intacto, sendo comunicativa e simpática com quem eu costumava chamar de seus “súditos”, tem sido irritadiça e perdido o controle da situação; sua popularidade já esteve mais em alta.

— Ouvi dizer que ela tá assim porque a diretora Luíza chamou a sua atenção por ter ficado abaixo da média em algumas matérias e por ter tido problemas com alguns alunos de outras turmas. – a Dani comentou no intervalo, depois de termos visto uma cena de tensão entre a Virgínia e uma de suas amigas da 2ª série.

— Que tipo de problema? – perguntei interessada, abraçada ao Lucca.

— O de sempre: ela sendo autoritária sem necessidade.

— Essa Virgínia é fogo. - comentei – Sempre soube que ela é assim. E o que diziam pra mim? “Para de ser invejosa”, “isso aí é recalque, porque ela tá cheia de amigos e você aí, sem ninguém”. Não babaram ovo dessa aí até não aguentarem mais? Bem feito! Agora ela tá assim: acha que tem moral pra ficar mandando na gente.

— Ah, não acho que seja assim.

Eu não tenho muito do que reclamar, o Lucca faz bem a linha do namorado ideal: é carinhoso, tem pegada, sabe respeitar os meus limites, se relaciona bem com a minha melhor amiga, faz com que o tempo passe voando quando estamos juntos. Mas se ele tem um defeito, esse é o de defender a Virgínia.

— Eu tava conversando com a Jéssica ontem…

E vive conversando com essa gentinha. Sim, outro defeito.

— E a questão é que a diretora Luíza fica totalmente fechada às ideias da Virgínia quando ela desliza nas matérias. E eu entendo porque ela fica estressada assim, porque, mano, ela é a única representante de turma que faz alguma coisa nessa escola. No fim das contas, todo mundo que foi eleito só serve pra ficar sendo escravo dos professores e da direção, enquanto ela é a única que coloca a cara a tapa e tenta fazer alguma coisa pelos alunos. Eu boto muita fé na Virgínia, cara. A bicha tem muita coragem de peitar a direção como ela faz e tudo pra que? Pra galera ficar enchendo o saco dela quando ela não consegue as paradas? Acho muito vacilo isso.

— Que parada o que, Lucca? Fala sério. A Virgínia fala demais e num vejo acontecendo nada.

— Caraca, Lola! – ele ficou horrorizado – Vai dizer que a Virgínia num fez nada? Sério mesmo? Vai me dizer agora que os grupos de estudo não serviram de nada? Não sei se você sabe, mas o intervalo cultural que rolou no final do mês passado, que todo mundo se divertiu à beça, foi ideia dela, tá? E o que ela queria agora, é fazer uma puta festa junina, encabeçada pelos alunos de todas as turmas de 3ª série, pra que a gente juntasse grana pra uma viagem de formatura, só que a diretora já disse com todas as letras que não tem conversa agora. E você me diz que ela num faz nada? Muita injustiça da sua parte isso.

Eu estava olhando pra cima, não vendo a hora de ele terminar a fala e quando terminou, dei um beijo em sua bochecha e troquei de assunto:

— Vocês viram o filme que passou ontem à noite? – porque perder tempo falando da Virgínia é algo que eu realmente não mereço.


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