Dolores escrita por Marília Bordonaba


Capítulo 15
Dolores




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Essa escola tá conseguindo me sair mais insuportável do que eu pensei que poderia ser.

Pra começar, que merda é essa de correntes elétricas? Pela primeira vez na minha vida minha média em Física vai ser menor que 8! Eu estou à beira de um colapso! O meu pai deixou cortarem a internet lá em casa e algo me diz que isso tem a ver com a queda da minha nota. Como que se estuda sem internet hoje em dia, pelo amor de Deus?

— É só por um mês, Ceição. Eu hein!

Meu sangue ferveu até o talo quando ele disse isso. PARA DE ME CHAMAR DE CEIÇÃO!

Pra piorar, a Dani arrumou um namorado e só sabe falar nele. É Murilo pra lá, Murilo pra cá. Ok, Dani, eu já entendi que ele é universitário e que ele é super maduro e blá-blá-blá. Ela veio com um papo de que ele fazia Design Gráfico e que era uma super coincidência ele fazer o mesmo curso que eu quero, como que tentando me obrigar a simpatizar com ele. Não, tudo bem, o Murilo é legal mesmo, mas chega né? Saudades conversar sobre outras coisas com a minha amiga; saudades quando ela se interessava pela minha trama com o Lucca… Que está caminhando a passos de tartaruga? Sim, eu sei, mas está indo pra algum lugar, não é mesmo? E a dona Daniela sabe disso? Exatamente! Não sabe! Como eu odeio pessoas que namoram.

Só não formalizei minhas queixas à Dani, porque ela foi sensacional comigo há umas duas semanas e seria muita ingratidão ser uma vaca com ela agora.

Teve esse trabalho de Literatura que eu penei muito pra fazer, como de costume, porque assim como eu sou muito boa com as disciplinas que envolvem números, eu tenho muita dificuldade com as matérias que exigem habilidade com a escrita e se me saio bem no boletim com elas, é porque eu me esforço muito, então fazer esse trabalho de Literatura não foi fácil. Fiquei bem feliz quando cheguei ao fim, por mais que a minha nota não viesse a ultrapassar um 8 e eu estivesse ciente disso. Como estou sem internet e sem impressora, pedi que a minha mãe imprimisse no serviço dela e quando eu vi esse trabalho impresso, quase não consegui conter o meu orgulho.

No dia da entrega desse trabalho, cheguei à sala já perto de bater o sinal e deixei a minha pasta transparente em cima da carteira. A capa, cujo título trazia “Trabalho de Literatura”, estava visível pra quem quisesse ver, mas não cheguei a pensar que isso poderia ser um problema e fui ao banheiro. Ao voltar, já no meio da aula, no modo automático, coloquei a pasta na mochila e peguei o meu caderno, até aí, super normal.

Embora a aula de Literatura e a entrega desse trabalho fosse no último horário, eu tava tão orgulhosa do resultado, que ia pegá-lo pra reler durante o intervalo, já que a Dani não estava indo pra escola naquela semana e o Lucca tinha faltado naquele dia, então eu realmente não tinha companhia. O susto foi quando eu vi que meu trabalho não tava na minha pasta. Revirei todos os papéis, revirei minha mochila e nada. Eu já estava imaginando o que tinha acontecido, porque notei um grupinho do lado de fora sondando o que eu ainda fazia na sala e não era apenas impressão que eles estavam rindo. Olhei na lixeira, esperando que meu trabalho estivesse intacto dentro da lata e tudo que vi eram embalagens de doces, folhas de caderno amassadas e uns papéis rasgados lá dentro. “Eles rasgaram meu trabalho, não acredito!”, foi a primeira coisa que pensei, com o meu tórax tremendo de raiva. Saí da sala furiosa.

Hola, ¿qué tal? — um deles falou pra mim enquanto eu passei por aquela rodinha.

Na quadra do colégio, chorando de raiva, liguei pra Dani pra contar o que tinha acontecido.

— E agora?! - perguntei assim que terminei de narrar o meu desespero.

— Você não tem esse trabalho num pen drive?

— Meu pen drive tá com a minha mãe, porque foi ela que imprimiu pra mim no escritório.

— Putz! - ela disse tão aflita quanto eu – Mas pera, você ainda tem esse trabalho salvo no seu computador?

— Tenho! - disse com a voz chorosa.

— Não tem como você pedir pra alguém te enviar por e-mail e abrir no pc da copiadora daí?

— Quem? Num tem ninguém lá em casa.

— Caraca, Lola… - ela continuou pensando e perguntou novamente – Mas você tem mesmo esse trabalho salvo, né?

— Tenho, Dani. - choraminguei mais uma vez, começando a perder a paciência injustamente.

— Então faz assim: você vai no computador da copiadora, abre seu e-mail, que eu vou te mandar o meu trabalho, daí você entrega esse pra professora. Quando chegar em casa, você vai mandar o que tem salvo e eu vou entregar o trabalho que você fez como se fosse meu.

A sensação de esperança dentro de mim não me impediu de dizer:

— Mas você vai poder entregar outro dia?

— Vou, porque eu tenho atestado, lembra?

— Caramba, Dani. Tem certeza? - perguntei, porque ela era ótima em literatura e estava abrindo mão de um possível 10 pra um trabalho que receberia menos que isso, sem dúvida alguma.

— Tenho. É tranquilo.

E foi assim que a Dani me salvou grandão!

Os meus colegas não pareceram ligar muito para o fato de, mesmo eles tentando me prejudicar, eu conseguir entregar o trabalho do mesmo jeito, como que se eles já se dessem por satisfeitos ao me verem desesperada no intervalo. Só que no dia seguinte, quando cheguei na sala e fui pro lugar que eu costumo me sentar, lá estava o meu trabalho, intacto. Eu poderia ter perdido a cabeça e ter feito um escândalo, mas preferi deixar pra trás, porque no fim das contas, graças à Dani, tudo deu certo. Nada mais justo, então, fazer um esforcinho pra não ficar tão brava quando ela me abandona pelo namorado, certo? Certo.

***

Mas sim, parece que o universo reuniu forças pra ser muito pior esse ano. E não bastando tudo isso, ainda tem a Virgínia, que depois que virou representante, tá se achando o último biscoito do pacote. Alguém devia falar umas verdades na cara dessa menina, dizer o quanto ela é babaca, que ninguém aqui é obrigado a dar ouvido pras coisas que ela diz, que ela é uma autoritária por querer nos obrigar a frequentar grupos de estudos à tarde e que virar representante pra ficar passeando na escola durante a aula é muito fácil, mas parece que todo mundo baba-ovo pra essa idiota. E não poderia ser diferente, são todos idiotas também. Como isso me dá raiva! E eu não posso abrir a boca pra dar minha opinião, que todo mundo me fuzila e fica me zoando, como se eu fosse uma maluca invejosa... Tá certo, verdade seja dita: aparentemente, de uns tempos pra cá, o pessoal parece estar abrindo os olhos pra essa megera e tão vendo a maluca, que na real, é ela.

Só que difícil mesmo tá sendo aguentar esse ar de superioridade da Virgínia, que tá durando mais do que o costume. Esse lance de ela ignorar as minhas críticas e me tratar como invisível é muito mais irritante do que ela me provocando. Acho que to até com saudade da época em que a gente caía no pau, era libertador.

Mas ela pode continuar nesse plano de parecer um ser evoluído o quanto quiser, que eu sei que ela não é indiferente a mim e que se tá segurando a onda pra não cairmos no tapa mais uma vez, é porque representantes de turma não podem se envolver nesse tipo de briga, se não correm sérios riscos de perderem o cargo. Ah, Virgínia, você não me engana e nem nunca me enganou. Quero só ver até quando vai durar esse seu pacifismo.


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Notas finais do capítulo

E aí? Quem é a sua favorita? Comente e interaja comigo, eu vou adorar!



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