A Porta dos Tempos escrita por Magnolya, Rizzo, Maegyr


Capítulo 7
Elric




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Roma já era tomada pelo início do brilho da vida noturna. Zolf, Elric e Hysteria repassavam os detalhes do trabalho do outro lado da rua do bordel, permanecendo afastados das luzes incandescentes dos postes que ladeavam as calçadas até a esquina, onde a ponte de Sant'angelo corta o rio Tibre até o castelo que recebe o mesmo nome da ponte. Enquanto Hysteria relatava seu encontro com o contratante, Elric ainda se mantinha focado na construção a sua frente. O bordel recebia o nome de Casa dos Prazeres do Cupido, em honra ao deus do amor. Seu proprietário era conhecido no meio dos mercenários como Garrie Dedos-Longos, um amante e colecionador de relíquias das antigas civilizações. E além de rico, um renomado arqueólogo, ganhou sua carreira interrompida quando teve suas costelas deformadas em um desmoronamento de rochas durante uma escavação há alguns anos atrás. Agora, Garrie usa de seu poder e já desgastada influência no meio da arqueologia para aumentar sua coleção de artefatos, muitas vezes adquirindo-as de formas nada convencionais. É ai que o grupo de Elric entra; Garrie recebeu seu vulgo pela influência que possui no mercado negro – mesmo não tendo nenhuma filiação com os deuses, além das crenças, Garrie possui uma vasta rede de informantes, vendedores e compradores. Além, é claro dos inúmeros monstros que conseguiu aprisionar pela Europa afora. Não importa onde esteja os dedos de Garrie sempre podem pegar o que seus olhos conseguem ver.

O prédio possuía três andares e uma vistosa cobertura, enfeitada com videiras e estátuas dos deuses. Sua pintura recém-retocada remete a uma mistura de marfim com vermelho-sangue, impossibilitando a construção passar despercebida. Não existem letreiros, ou formas que indique de que se trata de um bordel; mas isso não faz do local menos popular quando a noite chega a Roma.

— Vamos pela ponte Umberto I e subir rumo ao oeste da cidade antiga. – Zolf indicava o caminho com fazendo um traço com dedo no mapa, que permanecia estendido no banco de sua motocicleta. O rapaz trajava suas costumeiras roupas de viagem, uma camisa escura por baixo da jaqueta de couro que pegara com espólio do último serviço de um grupo de motoqueiros desavisados. Preso no cinto permanecia seu jogo de lâminas de arremesso acompanhadas de seu velho chicote. – Chegaremos lá pela manhã. Se for como Garrie indicou, as ruínas se encontram próximo aos morros pelas nas redondezas da colina de Janículo.

— Janículo é um dos centros de cultos a Jano. – Elric despertou do devaneio, se aproximando dos companheiros que estudavam o mapa. – É lá que está o sepulcro de Garibaldi.

— A heroína dos dois mundos, certo? – Indagou Hysteria, encarando Zolf e Elric nos olhos. – Ela foi a revolucionária que lutou pela união do país – continuou: - Garrie disse que lá estão os manuscritos perdidos de Daedalos.

— Me parece sugestivo. – Zolf comentou

— Não é nada sugestivo... é coincidência demais. – Elric respondeu. – O sepulcro é o maior ponto de referência histórico de Janículo. Não sou nenhum especialista, mas está fácil demais para ser algo que se trata de Daedalos. Ele disse mais alguma coisa? – perguntou a Hysteria.

— Sinceramente? Não consegui me concentrar muito nas instruções. Aquela confusão de cheiros e tinha mais alguma coisa. – a jovem ponderava, enquanto afastava algumas madeixas que cobriam seus olhos. Ela encarava as próprias botas enquanto se relembrava do encontro com o contratante. – Havia dois homens lá. Nunca os vi. Eram altos e estavam armados também. E o mais estranho é que... não consegui sentir a energia vital deles.

— Eles eram mortos-vivos? – perguntou Zolf, um tanto irônico.

— Não sei. – respondeu firmemente. – Só sei que não senti nenhuma fonte de vida neles. Estavam encapuzados também, assim como Garrie, mas ele já não é novidade.

Elric reunia as informações, calado, enquanto cruzava os braços e ponderava sobre os relatos da filha de Leto. Veemente nas peculiaridades de Garrie, ele nunca tinha visto o rosto do homem. Sempre que se reuniam Garrie estava coberto por mantas e capuzes, talvez para manter a identidade, quem sabe. Os odores também não era novidade. A sala que era ocupada por Garrie e usada como escritório no último andar do bordel era inundada por fortes odores; lavanda, flores silvestres e plantas tropicais. A fusão de cheiros confundia qualquer um, fazendo com que aqueles que inalassem o ar da sala não conseguissem discernir muita coisa além da confusão que se instalava no corpo e as dores de cabeça. Havia dias que Zolf saia da sala reclamando de ardência nos olhos.

Nihil novi sub sole. – Nada novo sob o sol. Zolf respondeu para os dois, surpreendendo-os com sua voz em um tom cortante. – Garrie também usa outras companhias mercenárias para o que bem entende. E os cheiros, também não são novidades. Por ora, vamos focar no trabalho vigente. – forçou a mentira para os outros enquanto se virava para a própria moto. Ele mesmo não conseguia parar de pensar sobre os homens que Hysteria viu. Aquilo cheirava a problema.

 

 

As gotas da chuva chicoteavam o visor escuro do capacete de Elric durante a travessia à estrada principal. Ele tentava manter os olhos na traseira de Hysteria que por sua vez seguia a de Zolf que guiava o trio costurando as ruas com sua moto. Seguiam em fila desde que deixaram a cidade antiga para trás, com a filha de Leto no meio, já que levava em sua moto os mantimentos para o serviço, enquanto Elric fechava o comboio na retaguarda. Zolf seguia na dianteira, já que guiar para ele era algo natural por ser um filho do deus dos viajantes. O costume de seguirem em fila veio desde a reunião do trio, graças às tortuosas e estreitas ruelas de Roma, impedindo até mesmo motocicletas andar em flancos.

Elric mantinha a mão agarrada ao acelerador e dois dedos segurando o manete do freio; era um hábito que mantinha quando a pista estava molhada. O headset preso em sua orelha direita apitou duas vezes, indicando que alguém iniciara uma comunicação:

Acelerando, tentem não me perder de vista, listo?— Zolf soltava risinhos ao mesmo tempo em que acelerava sua moto, alargando a distância entre ele e Hysteria, que acelerou em seguida, fazendo a dianteira da motocicleta se levantar do solo.

Elric sorriu enquanto girava o acelerador da moto várias vezes, fazendo o motor ganhar mais vida, disparando o velocímetro enquanto desviava dos outros veículos na estrada. Por um momento sentiu os pneus de sua motocicleta vacilar, como se tivesse mudado a estrutura do solo. Quando olhou para o chão, notou que todo o asfalto tinha desaparecido, dando lugar a uma trilha de terra batida por carroças e animais de carga. Atônito, levantou a cabeça e olhou para os lados, toda a rodovia tinha desparecido, dando lugar a uma espécie de bosque, onde os morros e as trilhas eram ladeados por árvores arborizadas. Fechou e abriu os olhos, em um exercício natural para testar a veracidade do que via, quando abriu pela segunda vez, a estrada já tinha voltado ao normal, com o asfalto e os médios meio fio que dividiam as vias em duas. Um tanto assustado, quase não conseguiu desviar do automóvel que fechou sua passagem. Com habilidade, jogou a moto com o peso do corpo para fora da estrada, para retomar o controle enquanto seguia o trajeto pelo acostamento. Com dois toques, acionou o comunicador:

— Vocês viram isso?! – Sua voz saía cortada, não pela velocidade ou por interferências na comunicação, sua mente ainda formigava, procurando entender o acontecido.

Isso o quê? Você ficando para trás? – O filho de Mercúrio ironizava, enquanto ria da situação.

— Não! A estrada... ela tinha se transformado.

— Ah, vá se foder, Elric! Você sabe mentir melhor que isso.

— Não estou mentindo, seu desgraçado! – rebateu, sentindo o sangue subir a cabeça por ser contrariado com algo tão atípico.

Tá, tá. Hysteria, você viu a estrada se transformar? – Zolf gargalhava no outro lado da linha, rindo de tudo como se fosse a piada do ano.

— Não. Agora calem a boca e continuem. – triplicou a jovem com firmeza. – A colina de Janículo está logo à frente.

Aquilo era mais uma confusão que a mente de Elric tentava solucionar por si só. Não estava alucinando, talvez eles não tenham notado por estarem rápidos demais, aliás estavam na rodovia expressa, concluiu; eu desacelerei em algum momento.

Para a sorte de sua sanidade, ele não tinha sido o único a ter visto a mudança do terreno. Alguns quilômetros atrás houve um acidente com motoristas que foram pegos de surpresa, por uma suposta mudança na Via Appia Antica, naquele dia de outono. O acidente formou um engarrafamento, com vários feridos.

 

 

Dizem os filósofos que é sempre mais escuro uma hora antes de amanhecer. Elric desligou o farol da moto, enquanto estacionava ao lado dos outros dois veículos. Hysteria e Zolf já tinham chegado minutos antes, e aguardavam na entrada da cidadela. A colina era um pouco mais que um morro elevado com casas térreas ladeando as ladeiras até uma catedral bem conservada que fechava o cruzamento em uma esquina de mão única. Janículo é uma colina na parte ocidental de Roma. É dos principais centros de culto ao deus Jano. Embora seja a segunda colina mais alta na Roma contemporânea, o Janícolo não figura entre as Sete Colinas. Seus companheiros aguardavam em frente a um dos monumentos mais famosos da cidade, a Fontana dell'Acqua Paola— Fonte da Água Paula, localizada logo após a rua de acesso, no centro do Janícolo. A fonte se mantinha inteira, ainda conservando os mesmo aspectos e letreiros desde sua construção em 1612, no antigo local do aqueduto de Água Paula, sendo a primeira fonte a esquerda do Tibre. Logo após a fonte, estava a singela igreja San Pietro in Montorio — igreja de São Pedro em Montorio. Uma das poucas igrejas do Janícolo, ainda se mantinha como o maior ponto de turismo da cidade por abrigar em seu jardim o Tempietto, o túmulo de um mártir, Anita Garibaldi. A construção também estava com o frescor de um prédio recém-reestruturado, com certeza os dirigentes da igreja tinham reformado ela por esses meses, pois a tinta laranja com faixas branca da fachada não apresentava nenhuma rachadura. Havia duas capelas ligadas à igreja, eram famosas pelas suas pinturas. Elric não dava a mínima para história do lugar, o valor histórico para a construção ou as obras de artes ali presentes. Se fosse preciso, eles colocariam tudo aquilo abaixo em minutos.

Seguindo a intuição de Hysteria, eles rodearam a igreja e as capelas, seguindo para os fundos, onde havia o jardim tanto falado. Para o filho de Belona, não tinha nada demais no local, apenas um punhado de grama que ainda se mantinha verde, enquanto algumas árvores de romãs ladeavam a entrada e os bancos de concreto. Trepadeiras escalavam as paredes da igreja, infiltrando seus galhos finos nos telhados de barro. Algumas plantas e flores desconhecidas para o semideus se espalhavam em canteiros que deviam ser cuidados por frequentadores que, obviamente não tinham nada mais para fazer na vida.

Elric se perguntava se viveria o suficiente para cuidar de canteiros na igreja de uma cidade. A última vez que ele tinha entrado em um templo sagrado, foi para matar aqueles que tinham se escondido de sua ira. Talvez dessa vez não fosse diferente. Algo dentro dele dizia que ele estava certo.

— A entrada do sepulcro fica dentro do Tempietto, dando a volta no altar. – instruiu Hysteria.

As portas da construção oval se mantinham lacradas por correntes. Zolf tomou a dianteira, enquanto uma de suas lâminas dançava entre seus dedos, pronta para arrombar a fechadura ornamentada. Elric seguiu o filho de Mercúrio, parando ao lado de Hysteria nos primeiros degraus de mármore.

— Vamos entrar. 


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