As Sete Ameaças escrita por Leh


Capítulo 20
Parte II: O Reencontro – Uma chama de esperança.


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoal! me desculpem por não postar ontem, eu tive alguns probleminhas...
Hoje posto esse capítulo gigante para compensar! Aproveitem!



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As cortinas foram abertas repentinamente e a luz da manhã entrou no quarto, fazendo Ivo gemer com desgosto.

— Bom dia! – disse Riley Eagle sorrindo.

— Saia daqui.

— De jeito nenhum! Está na hora do meu treinamento!

— Eu disse que nos encontraríamos às três da tarde.

A menina riu.

— Para vocês ficarem largados na cama sofrendo a ressaca como porcos na lama? Olhe só para vocês, são patéticos!

— O treino é as três Riley, não exagere – resmungou Paul se cobrindo mais com os lençóis.

A menina ficou vermelha de raiva e puxou os dois pelos pés, derrubando-os no chão.

Apesar de Riley Eagle não ser uma Ameaça, ela passava todo o tempo que podia treinando, o que, para uma garota de quatorze anos, era bastante coisa.

Ao contrário dela e de seu entusiasmo exagerado, Paul e Ivo estavam afundados em uma espécie de depressão que os fazia beber inúmeros copos de bebida antes de ir para a cama, acordar às duas da tarde, treinar sem o mínimo de entusiasmo até as oito para ir a um bar qualquer e repetir o processo.

— Você nem deveria beber aos dezesseis anos, Paul – incitou a menina dando um leve pontapé na barriga do menino – E você deveria estar me treinando! – falou se voltando para o mestre, ou o que restara dele – Eu sou a única com uma mínima chance de achar meu irmão e os outros!

— Procuramos por cinco anos, Riley – suspirou Ivo virando-se contra a luz  – Devem tê-los matado.

E isso era, em parte, verdade. Tinham procurado por cinco longos anos. Ivo Jaroisk tinha viajado como andarilho por toda a extensão dos três reinos procurando por qualquer coisa, até mesmo rumores, de crianças que pudessem ser seus pupilos, mas após essa longa jornada e diversas decepções, ele voltou para casa com um humor negro e desgostoso, entregando-se à bebida e ao ócio, até Riley exigir ser treinada pelo homem. Desde então ela o obrigava a acordar cedo todos os dias, reclamando por ser responsável por duas “crianças” bêbadas.

Hoje não era diferente.

— Levantem-se, seus porcos preguiçosos, e vamos começar a trabalhar!

— Deixe-me em paz! – resmungou Paul.

Riley suspirou pesadamente diante da imagem deplorável à sua frente: Ivo e Paul dormindo no chão, exatamente no lugar em que tinham sido largados por ela.

— Ivo? – disse uma voz por trás deles.

A menina virou-se e se deparou com um homem magro e de aspecto deprimente, com cabelos desordenados e olheiras profundas sob os olhos. Ele claramente estava no fundo do poço, como Jaroisk.

Riley estreitou os olhos enquanto encarava aquele homem e o reconheceu depois de um tempo. Só o vira uma vez em sua vida, porém, mesmo sendo muito pequena, ela lembrava de tudo sobre seu irmão desaparecido, inclusive de seu sequestrador.

— Como ousa vir aqui e aparecer como se fosse uma pobre alma inocente? – gritou ela andando decidida em direção do homem.

— Eu sinto muito...

— Sente muito? Eu vou te mostrar quem sente muito!

— Riley – gritou Ivo, finalmente em pé – Deixe-o falar.

— Mas mestre Ivo...

— Obedeça, garota.

Paul também levantou, como se nunca tivesse implorado para ficar no chão.

— O que faz aqui, Potter?

— Tenho que conversar com você. Sobre o passado.

— Você se refere à época que sequestrou todos os meus amigos? – incitou Maus.

— Sim.

Ivo puxou quatro cadeiras para a mesa redonda e pequena perto da cama e convidou Lobus para sentar-se, ao que ele obedeceu, recatado e obediente, parecendo quase envergonhado.

— Onde esteve por todos esses anos?

— Fugindo.

— De mim?

— De Zoro.

— Como assim?

— Vou explicar tudo. Por favor, deixe-me começar pela época em que éramos soldados de exércitos rivais.

— Como preferir.

Riley e Paul, percebendo que a conversa seria longa, sentaram-se também.

— Quando comecei a batalhar pelo meu reino, Paladium, eu acreditava verdadeiramente em tudo o que era pregado, lutava com coração. Até conhecer Ivo. Coloquei em minha cabeça que você seria meu ídolo, e realmente se tornou, fazia o possível para não entrar em combate com seu fronte de batalha ou ficar longe de você na hora da luta, para que não tivesse de usar minha ameaça contra você.

— Sempre achei estranho que me evitasse em batalha. Pensei que tivesse medo de mim.

— Oh, eu tinha, mas mais que medo, tinha admiração. Esse foi um dos motivos que quando você se aposentou eu segui seu exemplo, mesmo sendo jovem.

— Um dos motivos? – observou Paul.

— Sim. Eu conheci, no reino de Luzarium, uma jovem chamada Liz, como a flor. E ela era linda, foi paixão à primeira vista. Contudo, ela não gostava que eu fosse em batalha, tinha medo que eu morresse – ele deu uma risada carinhosa antes de continuar – Eu a obedeci, faria qualquer coisa por Liz. Logo tivemos uma garotinha chamada Jasmine. Eram os dois amores de minha vida e eu vivia para elas.

“Nessa época, eu trabalhava como carpinteiro, no anonimato do reino de Paladium e Liz cuidava de Jasmine. Não posso dizer que éramos uma família rica, mas éramos felizes. Oh, com certeza, éramos muito felizes.

“Porém, um dia, entrei em casa e encontrei Liz em um banho de sangue e uma carta com o selo real me convocando ao palácio do rei Hommer.

“Cheguei lá com ódio. Queria saber onde estava minha filha e queria vingança por minha esposa morta, mas fui logo cercado por soldados fortemente armados, que me levaram para a sala do trono, onde não só Hommer me esperava, como Zoro e Kilo também.

“Eles me asseguraram que minha filha estava em segurança e disseram que se eu quisesse vê-la novamente, teria que fazer o que me fosse mandado.

— E então eles o mandaram sequestrar os Sete – supôs Ivo, as peças se encaixando em sua cabeça.

— Não exatamente, mas vou chegar nesse ponto. Como você bem sabe, por mais que minha ameaça seja perigosa, eu não sou um exímio lutador, por isso eles me deram um exército e me mandaram destruir os sete. Começando por Yukiko Chô. Eu tinha a intenção de tirar suas memórias e leva-lo para um lugar seguro, porém Gunter Kaus veio comigo, aparentemente tinha assuntos inacabados com a criança.

“Durante a viagem, descobri que Gunter amava seu novo brinquedo: o coliseu. Também descobri que estava fazendo um grande sucesso, mas eles não tinham nada extremamente interessante para expor e seu brinquedinho precioso estava ficando esquecido. Então o convenci de que essa era uma oportunidade de renovação. Com isso, eu consegui poupar a vida de Yukiko, transformando-o em um gladiador.

— O que? – gritou Ivo com sangue no olhar.

— Ele ainda está vivo hoje. É chamado de Demônio Cego e é uma das atrações principais do Coliseu.

— O que mais?

— Com Sophie foi fácil, eu convenci os outros que ela era inofensiva e que eu poderia tomar conta dela sozinho. Eles me deixaram trabalhar e realmente não foi nada difícil, provavelmente por que estava com muito medo. Eu a levei para um lugar que sabia iria gostar: a biblioteca do reino de Gapazium.

Ivo suspirou aliviado, parecendo satisfeito com o destino de Hibou.

— O problema verdadeiro veio na vez de Nina Flamingo. Eu tentei convencê-los de ir sozinho novamente, mas Zoro, por algum motivo, quis ir pessoalmente. Ele lutou um pouco com a menina e facilitou para que eu tirasse suas memórias.

“Acontece que, como vocês devem saber, usando nossa ameaça, nós a melhoramos e treinamos. Pouco antes de me aposentar do campo de batalha, eu descobri que há um estágio depois da ausência total de memórias. Chamei esse estágio de pré-lembrança. É muito complicado de explicar, nem eu mesmo o entendo perfeitamente, mas de um modo geral, é como se eu apagasse sua consciência. As pessoas que passaram por esse processo ficaram vagando, extasiadas, sem falar, comer ou fazer coisa alguma.

— Que horror! – exclamou Riley.

— Sim. Há um motivo para o qual eu não sei muito além disso sobre o estágio pré-lembrança. Eu não o usei mais de uma vez ou duas. Mas foi o suficiente para chamar a atenção do rei Hommer, que durante meu tempo como soldado, tentou me fazer usar isso como arma.

— Foi outro motivo para você se aposentar, imagino.

— Sim, e o principal motivo pelo qual eu passei a viver com nome diferente e emprego simples e ordinário. Estava me escondendo.

— Eles queriam que você fizesse isso com a gente?

— Sim. E quando Zoro viu que eu não o tinha feito, ficou irado. Mas por algum motivo que não entendi muito bem, ele não insistiu que eu consertasse o “erro” com Nina, ele simplesmente a levou para um lugar terrível, provavelmente o pior de todos – Ivo fechou os olhos como se não pudesse, não quisesse acreditar no destino deles.

“Zoro levou Nina para uma casa de damas à beira da estrada entre Gapazium e Luzarium. Hoje, se me recordo bem, ela está próxima de se tornar a mãe de todas.

“Depois do incidente com Nina, Zoro me deu um aviso prévio: ou eu terminava do jeito certo, ou enfrentaria sua fúria. Mas eu não podia fazer aquilo com ninguém, muito menos crianças. Fazer o que eu estava fazendo já me partia o coração.

“Os soldados prepararam uma armadilha para Ananya Medved que funcionou perfeitamente. Eles me observaram atentamente enquanto eu tirava a memória dela e ameaçaram contar para Zoro o que eu não tinha feito, mas eu tirei as memórias deles também. Levei Ananya para um lugar não tão rígido que poderia ser um meio dela treinar sua ameaça e agradar o rei Hommer, o que faria com que ele amenizasse a pena com ela, caso fosse descoberta. Ela está trabalhando na construção do castelo do rei.

— Um daqueles castelos pomposos do rei Hommer? – indagou Paul.

— Sim, esse mesmo. De qualquer modo, vocês se retraíram ainda mais depois do desaparecimento de Ananya e eu precisava agir rápido para dar um fim nos outros três antes que ele percebesse o que eu fizera, pois se o fizesse, ele não só iria me punir como terminar o trabalho pessoalmente. Vocês entendem o que isso significa?

— Sim – disse solenemente Ivo.

— Então eu mesmo contratei três mercenários e fui atrás de Clyde.

— Vocês entraram no meu quarto no meio da noite e me ameaçaram!

— Eu não iria machucar você, mas entenda, eu precisava agir rápido, Zoro já tinha descoberto sobre mim e mandaria um exército para me pegar a qualquer momento. Eu estava no território dele, estava vulnerável.

“Fiz o máximo para ser rápido, e como estava com poucos soldados, não poderia me atrever a duelar com ele.

— Ele disse para você não me tocar, no entanto, quando estava saindo...

— Eu percebi o quão forte era o laço entre vocês ao pegar as memórias dele, não queria acabar com aquelas lembranças tão lindas, então eu as transferi para você.

— Então todas as lembranças que eu tenho de meu irmão... são na verdade... dele?

— Sim, inclusive tudo o que sente quando pensa nelas. Memórias têm necessariamente sentimentos presos a elas.

— E para onde foi meu irmão?

— Eu o enviei para o acampamento militar de Paladium. Hoje ele é um dos generais responsáveis por todo o treinamento de soldados e estratégia em batalha.

Ivo suspirou.

— Menos mal.

— E Zaki? – perguntou Paul alarmado.

— Eu estava com muita pressa para ter certeza de que nenhum de vocês fosse morto, então, no dia seguinte, convoquei alguns soldados com pressa e levei Zaki. Ele estava apavorado, eu nunca me senti tão mal, mas me sentiria pior se ele fosse morto, então eu o levei para o mais longe que consegui. Eu o levei para o navio do capitão Teach. Hoje ele é o imediato do navio.

Ivo estava boquiaberto, não só por que ele conhecia e temia capitão Edward Teach, como também não conseguia acreditar que boatos de seu poderoso imediato foram ouvidos por ele, que se recusava a sequer cogitar a possibilidade de ser um de seus pupilos. Na verdade, ele já ouvira falar de todos eles: O Demônio Cego, a melhor atração do coliseu de Luzarium; a incansável trabalhadora das obras do castelo à leste de Paladium, sua lenda contava que conseguia carregar pedras maiores que uma casa!; a famosa bibliotecária que aparecera sem precedências e logo conhecia o lugar como se fosse a palma da mão; a prostituta que fazia mágica com seus clientes, muito embora eles não se lembrassem do que acontecera; e por fim o general prodígio de Paladium, que conseguia prever ataques como se visse o futuro.

— Eles estavam todos tão perto... e eu nunca sequer os notei.

— Depois de encaminhar Zaki Leeu, eu soube que um exército estava atrás de mim, então me voltei para o reino mais próximo, Luzarium, e ofereci lealdade em troca de proteção. O acordo dos reis estava acabado, eles não precisavam mais se incomodar com as Sete Ameaças Prodígio então eram rivais novamente, e Kilo viu uma grande oportunidade em me ter como aliado.

— Por isso você não estava aqui quando tentaram me pegar.

— E por isso foi tão fácil intercedê-los.

— Zoro logo percebeu que estavam todos separados e desmemoriados, de qualquer maneira não poderiam ser grande ameaça desse modo. Então deixou você como estava e se acalmou.

— E por que você veio aqui?

— Jasmine, minha filha, e eu somos prisioneiros de Luzarium. Contudo, há algum tempo, Jasmine foi convocada para ser uma servente no castelo e, como não se pode recusar nenhuma convocação real, tornou-se criada de uma das esposas de Gunter Kaus, que logo se encantou com ela. O casamento deles será amanhã, eles quebraram seu juramento quando fizeram isso, não suporto a ideia de minha filha casada com aquele monstro e não aguento mais a culpa de tudo o que fiz.

— Você veio pedir ajuda?

— Vim oferecer um acordo. Posso devolver a memória para seus pupilos, contudo isso demandará um preço. Não poderei interceder por minha amada filha depois disso, mas o mundo precisa de vocês, e não posso mais negar isso.

— O que você quer exatamente?

— Devolverei a memória de seus pupilos e vocês ajudam minha filha.

— E se recusarmos?

— Eu o farei mesmo assim.

Ivo piscou.

— Então qual o sentido do acordo se fará mesmo assim?

Potter suspirou e passou a mão pelo rosto.

— Não posso mais continuar assim, preciso me libertar dessa culpa que sinto, preciso me redimir com vocês e não estou em posição alguma em fazer ameaças. Vim aqui não para negociar, mas para implorar, como um pai desesperado. Por favor, salvem minha filha.

Ivo entendia perfeitamente a situação. Sabia que se fosse o contrário, nem pensaria duas vezes antes de fazer exatamente o que Potter fizera. Por isso nem ponderou antes de dizer:

— Você tem minha palavra.

Lágrimas gordas começaram a cair dos olhos negros de Potter Lobus enquanto ele beijava a mão de Ivo.

— Obrigado, muito obrigado!

— Quando você fará? – perguntou Paul impaciente.

O homem, ainda cheio de lágrimas, endireitou suas costas, olhando o menino.

— Imediatamente. Com licença.

Então ele se levantou e estava deixando a sala, quando Paul segurou seu pulso.

— Onde pensa que vai? Quero ver você fazendo, quero uma garantia de que diz a verdade.

— Naturalmente, não acredita em mim. Entendo, tem seus motivos. Se a garota puder sair, então...

— O que quer que você precise fazer, pode fazer na minha frente. Sou forte.

Então ele assentiu e deu um suave sorriso.

— Como quiserem.

Ele ainda chorava enquanto pegava uma adaga brilhante e afiada e enfiou no próprio peito.

Ivo levantou-se com pressa e correu para acudi-lo.

— Potter!

— Quando eu morrer... – falou ele entre uma crise de tosse melada de sangue – quando eu... morrer... eles irão... recuperar... suas memórias... Sejam rápidos... eles estão... estão sendo... vigi... ados.

Então Potter Lobus revirou os olhos e despencou nos braços de Ivo.


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