Touro morava em uma casa de tamanho médio. Dois andares, no primeiro andar, uma cozinha, uma sala de estar e um banheiro. No segundo andar, um quarto, um escritório e uma varanda com vista para a rua.

Touro morava com Áries, seu namorado. Áries trabalhava no ramo de publicidade e Touro trabalhava em casa, produzindo artezanato.

Os amantes viviam uma vida feliz em sua nova casa. Não tinha como melhorar, eles se amavam, trabalhavam com aquilo que gostavam, moravam em uma boa cidade, não tinham nada com que se preocupar.

Não tinha como melhorar, mas tinha como piorar. E muito. Essa é a parte ruim de quando se está no ápice de felicidade, pois a tendência é ficar ruim.

Nesse tempo morando juntos, Touro descobriu um lado de Áries que preferiria nunca ter descoberto. Um lado sádico, sombrio, violênto, abusivo. Um lado que Touro queria ao máximo evitar, mas como evitar o inevitável?

Agora, Áries era grosso, violento e culpava Touro por tudo de ruim que acontecia. E, quando Áries explodia, Touro apenas desejava morrer, pois seria melhor do que enfrentar a fúria do ariano. Agressões físicas, verbais e sexuais. Aquilo era comparável a torturas medievais, mas a parte ruim era; ele não teria descanço após a tortura, ele teria que aguentar aquilo por muito, muito tempo.

Tudo o que o taurino podia fazer era chorar. Chorar até não poder mais. Chorar até dormir, mesmo sabendo que, na mesma cama, também dormia uma criatura mais malígna que o próprio Diabo.

O azulado chegou a tentar suicídio, mas seu corpo recusou todos os 30 comprimidos de anti-depressívos que tomou na esperança de cessar a dor que sentia. E isso apenas piorou a situação em casa.

Suas únicas fontes de conforto eram o artesanato e o Serpentário. Touro não recorria aos outros amigos de longa data pois não queria incomodar a felicidade deles com a sua história de dor e sofrimento. Então, quando chegava ao seu limite, ele "corria" para os braços de Serpentário. Porém, eles só podiam interagir virtualmente, pois Áries havia proibido o taurino de sair de casa. Sim, ele estava práticamente sendo mantido em cativeiro por seu namorado. Ao menos, ele tinha alguém com quem contar.

...

Serp, eu tô cheio disso. Eu não aguento mais. Ele não
me deixa nem sair de casa! Cara, por favor, me ajuda,
eu já tentei de tudo, nada funcionou até agora, eu
não sei quanto tempo mais eu vou aguentar.

Serp, eu não quero morrer nas mãos dele.

Olha, cara, fica calmo. Você já tentou ligar para a

polícia? É a primeira coisa que você deveria fazer!

Eu já fiz isso. Não quero nem falar o
que aconteceu quando ele descobriu.

Cara, eu não sei o que fazer. Sério. Me desculpa.

...

O taurino já tinha perdido as esperâncas, quando viu que a serpente estava digitando, e depois parando. Digitando... Online... Digitando... Online... Como se estivesse hesitando.

...

E se... Você fugisse comigo?

...

Ao ler a mensagem, o coração do taurino deu um pulo em seu peito, ele simplesmente não pode acreditar no que estava lendo. Serpentário era louco, com certeza. Mas... E se desse certo?

Ele estava desesperado, tão desesperado, que seria capaz de qualquer coisa para se livrar daquele inferno. Mas, como sempre, ele estava com um pé atrás.

...

Como assim? Porque isso tão derrepente?

Touro...
Eu sempre quis te dizer isso, mas...
Vou direto ao assunto
Eu gosto de você, Touro.
Eu amo você, Touro.

...

A essa altura, Touro já estava com o coração e cabeça a mil. Mas ele resolveu não responder ainda, visto que o outro ainda estava digitando.

...

Desde quando a gente morava junto, eu tinha

uma quedinha por você. Mas agora, essa

quedinha tá mais pra um precipício.

Eu não sei quando comecei a te amar,

só sei que te amo. Eu nunca revelei isso

porque você já tinha namorado,

então achei que seria melhor você ser

feliz com ele, mas eu vi que eu tava errado.

Bem, eu comprei um carro

recentemente, e eu acho que posso ir

aí te buscar, se você quiser, claro.

...

Então, durante todo esse tempo, a pessoa que o salvaria estava ali, a apenas alguns dígitos de distância. E, durante todo esse tempo, "o Touro e a Serpente" era um conto de fadas que poderia ter sido... real? E tudo isso nunca teria acontecido, mas aconteceu. Por conta de insegurança de ambas as partes. Seria romântico se não fosse triste.

...

Quando você pode vir me buscar?

.     .     .

Então, marcaram data e hora para executar o plano.

Seria o seguinte; Quando Áries adormecesse profundamente, Serpentário já estaria na frente da casa do agressor, esperando por Touro, que, por sua vez, pegaria seus pertences e iria embora com Serpentário. O serpentariano também trouxera um taco de baseboll, para caso algo desse errado, mesmo com o taurino dizendo que não seria necessário.

Tudo ocorrera como planejado, Serpentário veio, Touro arrumou as coisas e saiu de casa, encontrando com seu "príncipe encantado", depois de tanto tempo. Ele havia mudado, estava mais alto e mais musculoso, o cabelo parecia estar um pouco menor do que se recordava, também havia crescido um fino cavanhaque em seu queixo. Pórem, nada disso importava mais, só queria cair nos braços dele e chorar. Chorar de emoção, de felicidade, de alívio. Sensações que não sentira há muito tempo.

E assim o fez, largou sua mochila na calçada e correu para abraçar Serpentário. Um abraço calmo, lento, apertado e cheio de emoções. Touro sentia o perfume de Serpentário invadindo suas narinas, sentia seu calor corporal, sentia o coração do maior pulsar em sintonia com o seu próprio. Apenas com um abraço, Serpentário fez o taurino se sentir bem de uma forma que Áries não foi capaz de fazê-lo sentir em anos.

Sem dizer uma palavra, eles se beijaram. Não era necessário falar, era mais importante sentir.

Foi um beijo lento, apaixonado, doce. Suas línguas se entrelaçando carinhosamente, suas mãos vagando por costas, pescoço e cabelos um do outro. O azulado sentiu-se como um adolescente, sentindo borboletas no estômago. Ele sentia-se no céu. O carinho que Serpentário lhe dava era algo que sentia falta. Depois de anos de agressão, um ato de carinho era indescritivelmente reconfortante, era como uma calma luz depois de eras de escuridão. Até pareceu que o tempo havia parado, nada mais importava. Eram apenas eles, se amando sob a luz do luar.

Infelizmente, o casal foi interrompido por um barulho alto de uma porta abrindo violentamente. Era Áries.

— QUE PORRA É ESSA, TOURO? VOCÊ TÁ ME TRAINDO? COM O SERPENTÁRIO?! MESMO DEPOIS DE TUDO QUE EU FIZ POR VOCÊ?! - Áries gritava, indignado. Podia-se notar só pela vóz que ele estava furioso, e que isso não iria acabar bem.

Antes que Serpentário se pusesse intervir, touro respondeu o ariano no mesmo tom.

— DEPOIS DE TUDO QUE FEZ POR MIM? QUANDO É QUE VOCÊ REALMENTE FEZ ALGO POR MIM?! TUDO O QUE VOCÊ FEZ FOI TRANSFORMAR A MINHA VIDA EM UM INFERNO! EU JÁ PERDI A CONTA DE QUANTAS VEZES EU DORMI DE TANTO CHORAR POR CUA CULPA! VOCÊ ACHA QUE EU ESQUECI DOS HEMATOMAS? ELES ESTÃO BEM VISÍVEIS NA MINHA PELE, SEU CAFAJESTE! VOCÊ NÃO MERECE A VIDA QUE TEM! VOCÊ DEVERIA É ESTAR APODRECENDO NA CADEIA!

A esse ponto, os vizinhos já tinham acordado, e estavam observando pelas janelas, mas ninguém se atreveu a interferir.

Áries deu um passo a frente, mas logo Serpentário aproveitou a oportunidade para por-se a frente de Touro, protetoramente.

— Nem ouse encostar um dedo nele. Já não basta tudo o que você já fez ele passar! Já chega! - Serpentário falava alto, mas não gritava, como os outros dois presentes.

— E QUEM VOCÊ PENSA QUE É PRA ME DIZER O QUE FAZER? CAI DENTRO, SEU BOSTA!

Antes de qualquer um reagir, Áries avançou em Serpentário. Vários socos e chutes, o outro só pode se defender, mas o menor era rápido.

Touro, então, pegou o taco de baseboll no carro de Serpentário, aproveitou a distração de Áries e golpeou sua cabeça. O albino desmaiou instantâneamente.

— Você está bem? - Perguntou Touro, ofegante.

— Isso não importa agora, vamos para casa.

.     .     .

E assim foi. Ambos entraram no carro, e partiram em rumo a casa de Serpentário.

Os vizinhos que viram a algazarra, denunciaram Áries por violência doméstica, e o mesmo foi condenado á prisão perpétua, assim como Touro desejou.

Finalmente, depois de tanto tempo sofrendo, Touro lembrou como era ser feliz. Como era ser amado.

Serpentário nunca ousou agredir Touro, nem física, nem verbalmente, ele o amava demais para fazer isso. Serpentário, atualmente, é noivo e melhor amigo de Touro. Esse, por sua vez, nunca esteve tão feliz em toda a sua vida. E dessa vez, sabia, ele não precisava ficar com um pé atrás. Ele não iria sofrer novamente.

Fim!