Adam Noah

Acordei por volta das oito horas da manhã com o habitual som alto que minha querida Marie-Ann fazia questão de deixar estridente, a ponto de tremer as janelas. Sorri de canto quando a vi no banheiro usando apenas lingerie enquanto se maquiava no espelho e cantava alto com aquela voz doce. Eu não ficava bravo com o jeito um tanto exagerado da minha namorada, por mais que nas manhãs de ressaca tudo o que eu queria era jogar o aparelho de som pela janela do décimo segundo andar. Estávamos juntos a quase dois anos, e se não fosse ela, talvez eu nunca teria motivação suficiente para continuar a faculdade de Arquitetura. Essa rotina de som alto, maquiagem e ressaca começou quando vim morar com Marie no seu apartamento que, depois de muita insistência e birra, aceitei dividir a luxuosa suíte king, sala de jantar, sala de TV, uma cozinha digna de programas reality show e uma varanda que daria para termos um cavalo e não um pequeno gato da raça sphynx. Eu amava aquela mulher, e me peguei sorrindo feito bobo na direção dela que agora me encarava.

—- Acordou princesa… Ainda bem que é sexta feira.  -- Comentou ela em tom debochado. Me espreguicei e fui em sua direção, dando um beijo longo naqueles lábios recém cobertos de batom. Ela fez uma cara feia e limpou o borrão.

—- Já estou pronto para as férias… -- Disse enquanto tirava o shorts e entrava no chuveiro. Pelo box de vidro ainda podia ver ela.

—- Acabamos de voltar das férias, Adam. -- Sorriu para mim. -- Estou pensando em fazer uma festa para a páscoa.

Não respondi, afinal ela queria fazer festa todo final de semana. Mas achei justo o motivo. A páscoa seria um daqueles momentos em que os alunos visitam suas famílias, mas como Marie e eu não tínhamos ninguém para visitar, poderia ser uma boa. A palavra família me fez sentir algo estranho por dentro. Foi a primeira vez que pensei em Harmony depois de dois anos.

—- Ótima ideia, amor. -- Comecei a passar shampoo nos cabelos. Eu estava animado e não ao mesmo tempo. Afinal era uma festa como todas as outras, mas mesmo assim, não deixava de ser uma festa. Mas Marie-Ann me disse a verdadeira intenção, o que me fez fazer cair sabão nos olhos:

—- Poderíamos convidar aquela garota… Como era mesmo o nome? Ah, Harmony -- Ela não me olhou diretamente, mas percebi que esperava uma reação.

Meus olhos arderam quando arregalei-os e toda a espuma da minha cabeça entrou por eles. Minha respiração ficou pesada, mas decidi não demonstrar.

—- Claro. Seria ótimo, afinal ela é única coisa mais próxima de família que eu tenho. -- Sorri forçadamente. Marie-Ann se deu por satisfeita, saiu do banheiro e foi se vestir no closet ao lado. Ela sabia da minha história com Harmony pois havia contado a ela, digamos que ela não é bem uma ciumenta em relação ao passado, então acreditei que ela só queria que eu me sentisse bem. Respirei fundo e tentei entender por que tive essa reação. “Ok Adam. Não vai ser nada demais. A Harmony vai vir e vocês serão ótimos amigos”. Eu repetia a frase na minha cabeça varias e varias vezes. Por mais que eu amasse a Marie, só o nome da minha ex namorada já me deixava estranho, imagina estar ao lado dela.

Após alguns minutos sai do banho, e Marie-Ann estava pronta sentada na mesa de jantar com o notbook e fumando um cigarro. Ela vestia uma saia Jeans rasgada, meia-calça branca com bolinhas e uma blusa regata da banda Oomph! que mostrava a barriga. Seus cabelos estavam ondulados nas pontas, que eram da cor rosa, e iam até abaixo dos ombros. Usava uma maquiagem forte e o cheiro doce do perfume misturava com o da nicotina. Meu Deus, eu amo essa mulher.

Eu estava de toalha amarrada na cintura e quando ela me viu fez uma cara feia.

—- Achei que já estava pronto, vai se atrasar. -- Reclamou ela.

—- Não tenho as duas primeiras aulas, acho bem desnecessária as palestras do Professor Gordon -- Comentei, me sentando no sofá em formato L que ficava de costas para a mesa. Ela então se levantou e foi até mim me dando um beijinho na testa.

—- Ok, então eu vou indo ou vou me ferrar em desenvolvimento da arte II. -- Ela pegou sua bolsa que ficava nos ganchos ao lado da porta. Antes de ir ela me olhou com um sorriso.

—- Eu vou de moto, tentar lavar o carro por que ele ta um horror… -- Eu sorri quando ela disse isso e a porta de fechou. Suspirei e relaxei, mas ouvi a porta se abrir novamente e ela colocar a cabeça para dentro. -- Amor, mandei alguns convites agora. Veja quem falta e não se esqueça de chamar sua amiga.

—- Sim senhora capitã -- fiz uma menção com o braço direito como fazem os soldados. Ela sorriu e me mandou um beijo, e eu fiz o mesmo.

Agora o apartamento estava vazio, silencioso e… cheio de pensamentos meus sobre Harmony.

Coloquei uma habitual calça jeans, uma blusa de mangas compridas preta e all star. Penteei meu cabelo para trás e me sentei na frente do notbook. Enviei convites para todos os amigos do meu curso, e percebi que eu não tinha Harmony no facebook. Me lembrei que tinha o e-mail dela nos meus contatos, pois quando entramos na faculdade ainda namorávamos e nos comunicávamos por lá. Imaginei ela lendo o e-mail entre uma aula e outra ficando surpresa com esse contato repentino. Acho que ela ficaria feliz, assim como estou me sentindo agora. Mandei algo simples, direto e mencionei Marie-Ann. Fiquei com medo dela achar que eu estava vacilando e quisesse reatar, por isso disse que minha namorada queria conhecê-la. Também tinha a possibilidade dela ter alguém, e eu não queria mal entendidos.

O relógio marcava nove e meia da manhã, e decidir ir logo pois teria que lavar o carro. Fechei o e-mail, tranquei o apartamento e ao ver as portas do elevador fecharem me senti feliz e triste ao mesmo tempo. Feliz por ter a oportunidade de encontrar minha amiga de infância novamente. E triste por que eu estava tendo a vida que planejei com ela anos atrás, mas agora com outra pessoa.