Depois da saída de Aquário, Escorpião passou um bom tempo irritado, bufando e grunhindo. Só se acalmou quando recebeu o convite para se deitar na cama de Peixes, junto ao dono do cômodo. Ele recostou o corpo no colchão macio e quase instantaneamente, sentiu uma paz interior o invadir.

―Está mais calmo? ― o menor questionou com a voz fraca. Sua cabeça doía, mas não podia simplesmente deixar o outro surtando ali.

―Estou, obrigado ― Escorpião respondeu com um sorriso nos lábios. Voltando ao seu tom levemente defensivo, ele perguntou ― O que aconteceu?

―Hm... ― Peixes hesitou um tanto ― Eu estava no quarto do Sagi e acho que bebi algo...

―Por que você estava no quarto do Sagitário? ― a defensiva aumentou assim que ele ouviu o nome do vizinho ― Meu quarto é bem ao lado do dele.

―Eu sei, mas eu queria aprender a tocar violão e ele ia me ensinar ― o outro franziu o cenho. Não costumava ser muito atencioso, mas vinha reparando que seu amigo costumava mudar de atitude quando citava outros moradores ―E você não toca violão... Mas qual seria o problema? Por que você sempre fica assim?

―Peixes, você nunca entende... ― Escorpião segurou o rosto macio e pequeno do outro. Aproximou-se alguns centímetros e disse, num tom mais baixo ― Eu te amo. Realmente amo.

―Eu também te amo, já te falei antes!

Uma pequena chama de esperança surgiu no peito de Escorpião. Ele tomou coragem para abeirar mais as duas faces, ganhando um leve rubor nas bochechas.

―Ama, é?

―Amo, mas por que você está tão perto? Estou falando baixo demais? ― Peixes indagou inocente, se afastando e aumentando o tom de voz ― Como eu dizia, eu amo você, sua amizade é muito importante pra mim e eu nunca quero perdê-la!

―Meu Deus, Peixes! ― o maior explodiu ― Eu não quero sua amizade! Quero te beijar e te tocar e... ― ele bufou ― Te namorar!

O jupiteriano passou alguns segundos picando, processando a informação. Procurando uma saída, ele avistou o relógio em formato de aquário que tinha ao lado de um quadro do mar.

―Já é noite. ― ele constatou ― Boa noite, Scorp. Eu preciso dormir para poder crescer.

―Mas Peixes!

―Boa noite!

Escorpião, no maior contragosto possível, se levantou e se retirou, num misto de raiva e tristeza.

Do quintal da casa se ouvia uma melodia suave vinda de um violão. Todos dormiam na casa, menos dois moradores. Sagi foi para o lado de fora e Peixes se deitou, mas foi incapaz de cair no sono.

Ele refletia sobre sentimentos. Gostar de alguém significava o que, exatamente? Admirar muito alguém? Nesse caso, gostava de todos na casa. Talvez tivesse algo a ver com se sentir confortável e querer a companhia de alguém. Querer ver a tal pessoa feliz acima de tudo e, se possível, ser o responsável por essa felicidade. Concluiu que paixão era aquela cócega gostosa que vez ou outra aparecia no pé do estômago e os pulos que o coração dava por causa de um sorriso ou olhar.

Os pensamentos do pequeno foram interrompidos por uma deliciosa e aconchegante voz que vinha do jardim. Ele logo reconheceu a letra de “Can’t Help Falling In Love”, de Elvis Presley. Suas pernas o guiaram até a janela e logo ele avistou seu amigo equino. Sagi estava sentado na grama, cantando quase como o próprio rei, talvez com tanta dedicação quanto. Seu timbre era doce e envolvente, fazia com que os pés do pequeno parecessem sair do chão. Daquele ângulo possível ver a lua iluminando a pele morena e a brisa balançar os fios negros de cabelo, dessa vez soltos. Peixes, sem perceber, suspirou com a bela imagem que tinha e se sentiu, naquele momento, provavelmente o homem mais privilegiado que já esteve naquela casa, por ter aquela vista e poder dormir ninado por aquela voz doce e gentil.

Agora sonolento, o pequeno voltou à sua cama e ali se acomodou. Ouvindo o resto da música, ele adormeceu, com uma sensação curiosa na barriga.