Assassins escrita por Miss Desaster


Capítulo 3
Capítulo III




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A princípio era quase impossível se estabelecer num local ou sequer uma cidade, foram meses viajando de um lugar para outro e sem deixar rastros. Missões de batalha em campo, espionagens de pessoas comuns até organizações governamentais eram menos problemáticas do que viagens sem o menor sinal do próximo destino.

Josh tentava não pensar se alguém o procuraria agora ou daqui dois anos, viver um dia de cada vez se tornou sua tarefa e mantra. Não haviam histórias de membros que abandonaram a Liga – ele não lembrava de existir histórias de membros que conseguiram apenas sair—, e viveram felizes para sempre. Talvez todos eles foram eliminados da face da terra e assim a hierarquia continuaria funcionando na mais perfeita ordem.

As aulas ioga começaram a surtir efeito algumas semanas depois de iniciar o processo. Não era um método com 100% de retorno, mas já estava contente de conseguir dormir 6 horas completas mesmo quando os pesadelos ainda o assombravam.

Ele e Megan começaram a sair após algumas semanas no centro em que tinha suas aulas de ioga e mais tempo ainda para dormirem na mesma casa. Temia acordá-la com gritos quando tinha pesadelos com torturas antigas ou outras lembranças angustiantes.

A ruiva se mexeu ao seu lado na cama enquanto lia um artigo sobre construções ambientais e como diminuir os custos e impacto no meio ambiente. Ela recostou a cabeça em seu braço e iniciou a leitura do artigo e soltou uma risadinha abafada pelos cabelos vermelhos caindo no rosto.

— Você deveria dormir também.

— Daqui a pouco. – Disse com os olhos ainda na tela antes que Meg conseguisse enxergar demais no conteúdo do que lia.

— O que acha de procurar alguém para conversar sobre seus problemas com o sono? – Ela comentou como se não fosse nada de importante. O jeito delicado de tratar os problemas que ambos enfrentavam ao longo dos meses também seria uma ótima forma de psicologia reversa.  O problema para dormir era urgente, mas ela nunca o pressionaria.

Alguém como ele encontrar uma pessoa tão descomplicada era como uma loteria mundial e Josh era o único ganhador.

— Não sei se conseguiria falar com um estranho. Como as pessoas conseguem isso?

— Talvez isso torne a experiência mais fácil. Ela não conhece você, não vai te julgar ou contar para outra pessoa. O trabalho do psicólogo é te ajudar a lidar com seus conflitos e superá-los.

— Parece que entende muito sobre terapia.

Megan ficou mais tempo quieta do que seria considerado normal.

— Depois de dois anos de terapia, você acaba entendo uma coisa ou outra. – Ela tentava manter a expressão impassível, mas parecia exigir mais esforço do que existia essa hora da madrugada. Já passava das duas da manhã. – O Charles morreu no meu último ano do colégio, quase não consegui passar por tudo aquilo sem enlouquecer de tanto dor. Meus pais me olhavam e o viam em mim. – Foi preciso que Megan inspirasse e expirasse algumas vezes. O bolo não sumia da garganta com tanta facilidade. – Lidar com a morte não é tão difícil. Quando uma pessoa morre, acaba. O problema da morte é só pra quem ficou e precisa lidar com o luto. Meus pais não tinham a intenção de me magoar, mas entendo que se foi difícil pra mim, imagina o que se sente ao perder um filho?

Josh a puxou para os braços apertando tão forte com medo de que ela se desfizesse, mesmo sabendo a mulher incrivelmente forte que ela era.

— Agora vamos dormir ou vou começar a usar o plano B. – Murmurou enquanto abaixava a tela do notebook dele para que entrasse em modo de descanso.

— Qual é o plano B? – Não adiantava mais protelar em dormir. Toda vez que dormiam juntos os pesadelos não costumavam dar as caras ou eram menos intensos.

— Te dopar com algo bem forte. – Disse ela em meio a um bocejo. – Boa noite.

Megan não possuía nenhum problema para dormir, ela sempre pegava o sono alguns minutos depois de fechar os olhos. Mesmo que começasse o plano de dopá-lo nunca iria funcionar bem o bastante. As palavras do treinador ecoaram em sua mente como se a conversa acontecera ontem.

Estava na hora de considerar procurar alguém com quem falar, mas precisaria saber até que ponto poderia ser honesto com a pessoa e se seria arriscado. Duvidava que chegar em um consultório dizendo ser um ex-assassino e estava tendo dificuldades levando uma vida normal, não resultaria em sua prisão. Depois de décadas, criar uma consciência não estava ajudando em muita coisa. A perda do emprego vitalício, tranquilidade para dormir e provavelmente alguém que gostaria de colocar sua cabeça numa bandeja de prata.

Esses não eram os tipos de pensamentos que o fariam ter uma noite de sono serena.

Ao olhar para o lado e ver Megan em sono profundo o fez sentir gratidão por fazer algo certo em uma vida inteira. Depois desses meses se convenceu que o melhor era não abordar nada muito revelador sobre seu passado. Uma parte sabia que ela ficaria aterrorizada demais com o tipo de atrocidades que já havia cometido e a outra que trazê-la para esse mundo era garantia de que alguém poderia querer lhe fazer mal caso algo acontecesse no futuro. Esperava que esse futuro não chegasse nunca.

—-

 

Oliver observou a mulher que havia batido na porta e por fim pôde perceber que ela não havia saído do lugar. Ela parecia pequena demais usando um sobretudo que ia até os joelhos, como se a roupa estivesse prestes a engoli-la.

— Oi, eu sou Oliver Queen. – Falou a primeira coisa que passou pela mente e seu lado de professor sempre estaria ativado, mesmo adormecido nos últimos dois dias. – Foi você, não é?

— Depende da acusação. – Ela entrou e olhava para todas as direções como alunos que eram transferidos de outros colégios no meio de ano letivo e avaliavam cada espaço antes de estarem realmente dentro da sala de aula.

Seja quem fosse essa mulher ela parecia tudo menos confortável.

— Você salvou a minha vida. – Aquelas palavras pesavam mais do que gostaria de admitir.

Ela concordou com um aceno de cabeça, mas a expressão no rosto não combinava com o restante da figura. Parecia uma mulher equilibrada, mas com um traço de seriedade acentuado demais para uma alguém tão jovem.

— Acabaria morrendo se continuasse se debatendo daquele jeito. – Finalmente pareceu confortável o bastante para entrar no quarto. – Só contive a ferida para não perder sangue demais.

— Pode se sentar. Eu ofereceria um café, mas a comida daqui não é das melhores. Na verdade, eu não recomendo. Não é à toa que as pessoas ficam doentes nesse lugar. – Pelo menos haviam servido salmão no almoço e não estava assim tão intragável. Precisava pedir para Thea contrabandear algo do Big Belly Burguer.

— O Oficial Harper disse que queria falar comigo.

— Ainda não sei seu nome. – Ele sabia o que o policial havia informado, mas eles ainda não tinham sido formalmente apresentados.

Ela hesitou por um instante:

— Felicity.

— Obrigado, Felicity. Por salvar minha vida. Eu achei que ia morrer naquele beco imundo. – Seus pensamentos nunca abandoavam por completo desde a noite do assalto, então ela surgiu bem diante de seus olhos e Felicity estava lá com um olhar sério e concentrado. A diferença entre a Felicity das memórias e essa sentada ao lado da cama era a nitidez, essa não estava turva pela dor. A expressão continuava tão séria quanto o dia em que seus caminhos se cruzaram.

— Como está se sentido? – Ela cruzou as mãos no colo.

— Fora de órbita o tempo inteiro, mas pelo menos não é ilegal – Piscou para a loira na tentativa de tirar essa expressão tão inacessível. – Por que a polícia acha que somos namorados? – Lembrava da pergunta quando se referiram a Felicity.

— A ambulância faz perguntas rápido demais, eles deduziram isso quando vim para o hospital na ambulância.

— Porque?

— Eles não têm muito tempo para perder quando existe uma pessoa ensanguentada precisando de atendimento. Deve ser isso.

— Quis dizer sobre o motivo de ter me acompanhado na ambulância. Poderia ter jogado meu corpo na caçamba deles e seguido seu caminho. – Então a parte que a imaginou o acompanhando na ambulância não havia sido fruto de seus delírios. Estranho.

— Você me pediu para ficar. – Ela olhou para as flores e cestas com desejos de melhoras. – Muitas pessoas estão preocupadas com você.

— A maioria são dos meus alunos. – Era impossível não sorrir ao imaginar que já sentia falta da rotina na escola. – Devem estar com medo das possíveis notas ruins.

— Você é professor de que matéria?

— Física. Eles estão próximos da terceira prova, o medo de ser reprovado começa a bater.

— E essas flores e chocolate são suficiente para te corromper?

— Não me decidi. Teve um brownie que valeria um B-. – Sorriu lembrado da única coisa gostosa que havia comido nos últimos dois dias. A boca estava com um gosto horrível assim que acordou após ter sido sedado. Aquele doce havia salvado sua vida também.

— Acho que os médicos não aprovam que os pacientes se encham de doces. Se eles descobrirem podem não permitir que volte para torturar seus alunos.

— Eu voltaria nem que fosse numa maca se for preciso. Esse lugar me sufoca. – Saiu antes que pudesse pensar que estava fazendo confissão para uma estranha, mas que tinha ajudado no momento em que mais precisara.

— Eles tratam tiros com seriedade demais. Pode infeccionar ou ter ficado estilhaços. Esse é o motivo da demora na sua alta.

— Você é uma médica infiltrada para aterrorizar os pacientes e convencer que o melhor é ficar por aqui? – Começou a procurar o controle que ajustava as inclinações da cama e conseguiu mover até conseguir olhar melhor para Felicity.

Ela ergueu ar sobrancelhas como se achasse algo que acabara de dizer muito divertido.

— Nem perto disso. Sei uma coisa ou outra. Minha área é química mesmo.

— Você deve ter ouvido muitas piadas sobre química – Seu cérebro conseguiu filtrar e não ser mais uma das pessoas que faria mais do mesmo.

— Geralmente, mas não prometo rir.

A enfermeira entrou com o carrinho trazendo o café da tarde e de repente Oliver não se sentia mais faminto. O brownie parecia muito mais saboroso e bateu o arrependimento de ter comido às pressas no dia anterior.

— Boa tarde, Senhor Queen. Como está se sentindo? – A enfermeira de meia idade deu um sorrisinho mesmo com as olheiras visíveis provavelmente de um plantão longo. – Parou de esconder os biscoitinhos debaixo do travesseiro?

— Estava esperando que a fada dos biscoitos viesse buscar e deixasse algo melhor.

— Ele estava me falando maravilhas da culinária daqui. – Felicity havia ficado tão calada nos últimos minutos que daria pra imaginar que ela não estava mais no quarto.

— E agora vai poder disfrutar dessas delícias.

As opções do café continuavam nada atraentes, pelo menos haveria companhia pra engolir a gororoba.

Felicity não parecia ansiosa em comer nada oferecido pelo hospital e isso lhe trazia um conforto de não passar por aquilo sozinho ou que pensassem dele reclamar em excesso sem base.

— Vamos, você pode salvar minha vida mais uma vez. – Oliver incentivou ela a comer os biscoitos escuros e nada apetitosos.

— Não sobrou nenhum brownie nessas cestas? – Ela não deixou transparecer pelas expressões que os biscoitos eram assim tão ruins, mas precisou piscar algumas vezes antes de responder.

— Se tiver sobrado, eles servirão pra comer mais tarde. Você terá que sofrer comigo.

— Isso não soa como um agradecimento muito bom da sua parte. – A loira esticou o biscoito na direção de Oliver na espécie de um brinde. – Eles são realmente horríveis.

— Aqui. – Ofereceu uma xicara de chá que ele não tinha intenção de beber por que coisas quentes não eram sua primeira opção de bebidas. – Ajuda a descer.

Ambos comeram em silêncio por alguns minutos.

— Você já comeu no Big Belly Burguer? – Ela acenou negativamente. – Coma um por mim. Melhor lanchonete de Star City. Vai compensar por esse trauma.

— Não gosto muito desse tipo de comida, mas um dia eu tento.  – As mãos dela trabalharam ágil tirando todos os resquícios do lanche que acabaram de fazer.

— Sabemos que tem algo muito errado com você.

Os ombros dela enrijeceram.

 - Quem não gosta de hambúrguer e milk-shake? Você não está dando oportunidade para as comidas certas.

— Nosso corpo é um templo e precisa ser tratado como tal. – Felicity lavava as mãos e parecia repetir essa frase por uma vida inteira como mantra. – Preciso ir. Meu trabalho não vai se fazer sozinho.

— Tenho certeza que não. – Faltava palavras o suficiente no vocabulário para Oliver conseguir agradecê-la por tudo. – Obrigado, Felicity.

Vê-la ir embora foi diferente das outras visitas que voltariam ou as encontrariam pelas ruas e Felicity não parecia o tipo de pessoa que ele esbarraria ao acaso pela cidade. Ele nem teve tempo de perguntar se ela morava por ali ou estava apenas visitando a cidade depois da construção da linha de trem que ligava Star City até Central City.

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— Eu não posso sair por um final de semana que você resolve brincar com armas de fogo. – Escutou alguém falando em seu sonho.

A voz não poderia ser tão clara assim durante o sono, então forçou o corpo a sair daquele estado de inconsciência que os remédios lhe causavam e abrir os olhos:

— Aí está você. – Tommy estava com o maior sorriso, o cabelo preto a bagunça de sempre e os olhos azuis em expectativa.

— Não acha que está cedo demais para incomodar alguém que acaba de ser baleado? – Enquanto falava sentiu urgência em escovar os dentes e tirar aquele gosto de meia suja da boca.

— Agora você terá uma cicatriz e uma história. – Ele estava com pasta e mala ao lado da cadeira aonde se acomodou.

— Preferia ter passado sem essa. Além do mais, história nós sempre podemos inventar. – Ao lembrar do vestido que o hospital obrigava os pacientes a usarem, não levantaria para fazer exibição do traseiro para o melhor amigo. – Como foi a palestra?

— O mesmo de sempre. E o que diabos aconteceu com você? Se queria mais aventura era só ter me chamado que iríamos pra Vegas e não lembrar de nada no dia seguinte. – Tommy deve ter pensado que a melhor coisa para fazer é trazer café da manhã do aeroporto para o hospital.

— Um cara veio pedir minha carteira e o relógio, quando entreguei acho que ele sentiu que não era o bastante e atirou.  – Oliver teve que fechar os olhos por um instante e bloquear as lembranças do resto. Isso ainda lhe causava enjoo.

— Essa cidade cada dia nos surpreendendo pelo lado negativo. – O cheiro de croissant encheu o quarto quando o moreno abriu a sacola. – Você conseguiu ligar para ambulância?

Oliver fez todo um esforço para esticar o corpo até a cadeira do amigo e tomar o saco com croissant dele. Não era justo se submeter a mais uma manhã de gororoba e seus pontos começaram a latejar um pouco abaixo das costelas.

— A Felicity que ligou. – Sentir a massa dissolver nos lábios quase valia pela dor que estava sentindo. Não demoraria para a enfermeira chegar com a dose matinal de remédios e logo valeria a pena todo esforço para comer melhor.

— E quem é essa?

— Ela me salvou depois dos tiros. Estava passando e impediu uma hemorragia, ligou para ambulância e veio até o hospital.

— Ainda bem que ela estava lá então.

Tommy passou mais algum tempo até a enfermeira entrar no quarto com o café da manhã, remédios e dizendo que Oliver poderia tomar banho que o Dr. Wilson viria em breve para analisar sua situação e assim dizer quando poderia ter alta.

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— Tem certeza de que não prefere passar algumas semanas conosco? – Moira perguntou pela quinta vez depois que saíram do hospital e entrava na casa de Oliver. – Pode precisar de alguma coisa e não estamos tão perto para ajudar.

— É por isso que os filhos saem de casa, mãe. Pra se virarem sozinhos e aprender com isso, mas aceitaria comida sem o menor problema. – Tirar o casaco ainda gerava algum desconforto, mas não diria uma só palavra ou sua mãe montaria acampamento na sala de estar.

— Quando é que não está pensando em comida? – Thea sorriu e lhe abraçou pelo lado que não tinha sido atingido.

— Espero que nunca tenha que passar um dia sendo alimentada por comida de hospital. Você me entenderia.

— Se precisar de alguma coisa, só nos ligar. – Robert veio do andar de cima checando se tudo estava no devido lugar.

Seus pais e irmã finalmente o deixaram sozinho depois da resistência. Moira sonhava que ele abandonasse sua casa e voltasse para a antiga e passar cada minuto livre lá, mas seria demais para sua sanidade. Morar com os pais só valia a pena até sair de casa para faculdade, era nesse momento que se aproveitava do espaço e todo esforço era feito para voltar apenas em visitas. Não era falta de amor, pelo contrário, isso ajudava as relações se manterem saudáveis.

Parou de olhar para as fotos da formatura e prepararia o jantar para mais tarde. Tommy devia aparecer com Sara e não tinha nada pronto.

Ao final da tarde seu celular começou o toque estridente e havia esquecido totalmente de colocar no silencioso depois que saíra do hospital.

— Sr. Queen, aqui é o Oficial Harper. Como tem passado? – Disse do outro lado da linha e deveria estar na delegacia pela barulheira que fazia ao fundo parecendo uma central de atendimento.

— Tive alta hoje. – Ficou em silêncio por alguns instantes pensando se já haviam pegado o ladrão.

— Muito bom. Liguei para solicitar sua presença para o depoimento, o que fizemos no hospital foi apenas coleta de informações para o caso. O senhor poderia comparecer na sexta feira?

Oliver ainda teria dois dias até comparecer na delegacia e desejou ser o suficiente para conseguir falar do assunto sem lembrar com imagens tão vívidas.  Era como estar preso num pesadelo eterno tendo que reviver aquilo tantas vezes, mas ninguém parecia notar que quando algo ruim acontece a última coisa que a vítima deseja é reviver aqueles minutos.

A sociedade cria os homens proibidos de sentirem emoções extremas, eles dizem que esse era um luxo destinado as mulheres. Quando as mesmas eram emocionais também sofriam críticas. No fim os seres humanos eram criados para não sentir demais e se sentissem deviam esconder e fingir que tudo estava nos eixos.

O problema de ignorar os acontecimentos é que nunca conseguiria um encerramento ou poderia seguir em frente.

Ele apenas concordou e anotou o horário no quadro de compromissos colado à geladeira. Lidaria com aquilo em 48 horas, nesse exato momento a campainha tocava insistente e soube que seus amigos haviam chegado.

—-

 

Sara chegou antes de Tommy, que estava preso no escritório com uma reunião importante depois da palestra e tendo que passar relatórios completos das atividades e clientes que fizera na última viagem, ao menos foi isso que a loira relatara com um ar cansado demais depois de um dia inteiro de aulas. Ela era professora Educação Física e ao contrário de outros profissionais, fazia todas as atividades com seus alunos em todas as turmas. Era uma forma de incentivar.

— Não vejo a hora de me aposentar. – Disse ela com um ar sonhador enquanto provava o vinho que escolhera do estoque simples ao lado da geladeira.

— Sinto muito lhe informar de que estamos bem distantes dessa realidade. – Oliver se concentrava em finalizar o molho do peixe que estava no forno marinando. Ele era o único de seus amigos que sabia cozinhar. – Preciso encontrar novos amigos.

— No mundo que vivemos você não vai encontrar algo melhor do que nós. – Ela deu um impulso para conseguir sentar no balcão.

— Ninguém cozinha. Que espécie de amizades são essas?

— As que trazem as bebidas.

Um toque suave veio da porta e Tommy entrou com três sacolas com diferentes bebidas.

— Viu? As amizades que trazem bebidas. – Sara cumprimentou o namorado com o beijo rápido. – De onde são essas delícias?

— O Chile tem uma comida ótima e adegas também. – O moreno começou a organizar as novas aquisições junto das antigas numa organização própria que Oliver já havia desistido de tentar entender e apenas seguia o fluxo.

— Você. – Disse Oliver apontando a colher na direção de Sara. – Saia da minha bancada e termine de arrumar a mesa.

O jantar se passou com Tommy contando sobre as aventuras que conseguiu no curto período que passou no Chile. Se existia alguém capaz de se meter em loucuras ou confusão indo para um local apenas a trabalho essa pessoa era Tommy. Ele havia melhorado bastante depois de seu relacionamento com Sara, mas ainda assim o instinto para trazer problemas não desaparecia por completo.

Um taxista o levara para o outro lado da cidade em que estava hospedado depois da ideia de ir numa exposição de arte. No final o cara estava discutindo em espanhol e Tommy não entendia uma palavra sequer e se recusava a pagar o valor exorbitante. Com sorte o concierge vira os ânimos exaltados e resolveu interferir até que o taxista cobrasse o valor justo da corrida maluca.

— No final do expediente ainda tomei um drinque com o Carlos pra agradecer. Ele que me indicou os restaurantes bons e uma adega maravilhosa. Um dia temos que visitar aquele lugar. – Ele terminou a história rindo do que poderia ter lhe acontecido se Carlos não tivesse ajudado.

— Fale com meu pai, ele vai enlouquecer. Mas o próximo destino é África, então talvez daqui uns anos ou no recesso de final do ano.

— O Robert tem os melhores roteiros do que qualquer agência de vagem. Ele escolheu a profissão errada. – Sara levantou para pegar o sorvete que havia comprado de sobremesa.

— Ele diz que é por diversão, ter compromisso é diferente. – Oliver estava proibido de consumir qualquer bebida alcoólica, então restou ficar com o suco.

— Vocês são uma família tão diferente um dos outros. Um advogado, uma nutricionista e um físico. Me pergunto no que a Thea vai se transformar. – Ela estava enchendo a taça de todos com sorvete de chocolate com menta do Big Belly Burguer.

— Algo com moda. – Oliver comentou e quando sentiu o gosto do novo sorvete esqueceu de tudo que havia passado com aquela comida de hospital. Se é que poderia ser chamado de comida. – Isso é divino.

Todos concordaram com os bocas cheias e sorvete e passaram o resto da noite conversando sobre seus respectivos trabalhos e Sara pôs Oliver a par de tudo que acontecera na escola na última semana.

Ninguém pressionou para que falasse do assalto e nesse momento se sentiu grato mais uma vez pela vida e pelos amigos que faziam parte dela.

—-

 

Preferiu contar para família depois que desse o depoimento na delegacia do que ter que convencer a todos de que estava bem o suficiente para encarar sozinho. Era melhor lidar com um estresse de cada vez.

A delegacia era um local bem limpo e iluminado, não fazia jus aos pensamentos que produzira nos últimos dias ou tinha visto em filmes. Teve que sentar na mesa do Oficial Harper e esperar até que voltasse de um caso que havia saído para investigar.

Uma mulher chegou chorando ao local, acompanhada de um policial, tremia e com um olho roxo que só poderia ser resultado de um soco dado com bastante força. O responsável pelo caso dava a devida atenção, não parecia incomodado com as lágrimas e conseguiu uma bolsa térmica para diminuir o resultado do espancamento. Coisas ruins aconteciam com pessoas comuns todos os dias. Umas tomavam tiros sem motivo aparente, outras recebiam socos e tapas, outras eram assassinadas. Era como se ter esperança na humanidade fosse uma grande piada.

O Oficial Harper apareceu após abrir a porta de uma sala para a mulher que havia sido agredida, trocou um olhar significativo com o outro policial e seguiu para a mesa que tinha a placa com o seu nome.

— Boa tarde, Senhor Queen. Podemos ir para uma sala pegar seu depoimento. O senhor pode me acompanhar. – Deu um cumprimento de mão rápido e firme e seguiu para a sala de depoimento.

O depoimento foi basicamente o que tinha contado no hospital, talvez com alguns detalhes extras por não estar dopado pelos anestésicos e conseguir controlar mais o nervosismo que sentia ao tocar no assunto.

O policial perguntou mais uma vez sobre o relacionamento de Oliver com Felicity Somak, isso o divertiu. Por que eles mentiriam sobre um relacionamento? Será que eles pensavam que eram um casal que havia discutido por algum motivo e a ela no momento da raiva atirara no namorado a queima roupa?

— Como eu disse antes, não a conhecia até aquela noite.

Ele continuou respondendo perguntas sobre o que havia sido furtado e por fim estava liberado.

Ao sair da sala notou que Felicity estava ocupando a cadeira que ele havia se sentado alguns minutos atrás. Antes que pudesse perceber já estava indo ao encontro dela.

— Será que você está procurando o emprego de guarda costas para me proteger 24 horas por dia ou está me seguindo? – Sorriu quando ela apenas suspirou de exasperação.

— Sou muito seletiva para os serviços que pego. – Ela vestia um sobretudo escuro como da última vez e Oliver se perguntava como não desaparecia dentro de uma roupa tão grande.

— Eu não preencheria os pré-requisitos?

— Felicity Smoak, a senhorita pode me acompanhar? – O Oficial Harper apareceu novamente atrás de Oliver e esperou que a moça acompanhasse até a sala.

Ela deu um aceno e saiu para também ser interrogada. Oliver ficou sem a resposta para sua pergunta e gostaria que ela ficasse por mais alguns minutos. Ele não era o tipo de pessoa que flertava com estranhos, era tão ruim até com conhecidos, mas gostou da conversa que tiveram no hospital.

Demorou cerca de 40 minutos até que Felicity saísse da sala. Ela tinha a mesma aparência de quando entrara, como se nada pudesse abalar sua confiança, a expressão neutra e só mudou quando percebeu que Oliver ainda estava sentado na cadeira próximo à entrada da delegacia.

— Como foi seu depoimento? – Abriu a porta de vidro que dava para a rua e esperou que Felicity passasse.

— Você sabe que é confidencial, não é?

— Não quero saber do que conversaram, só queria saber se correu tudo bem.

— Acho que não existe jeito certo ou errado, Professor. – Pequenos flocos de neve começaram a cair do céu gradualmente dando sinais que passaria o resto do dia de neve fina, mas que acabariam molhando suas meias.

Oliver passou algum tempo calado e a neve começava a congelar seu nariz. Não era uma boa ideia continuar pegando tanta friagem, a última coisa que precisava agora era pegar uma pneumonia e voltar para hospital.

— Conseguiu experimentar algo no Big Belly Burguer? – Perguntou quando viu o ônibus passando do outro lado da rua com um anúncio colado na lateral.

Ela pareceu confusa com a pergunta e apertou o casaco contra o corpo para evitar o vento que ficava mais gelado.

— Você gostaria de ir um dia desses comigo? – Se ela tivesse visitado a lanchonete jamais poderia esquecer, então a confusão era um sinal claro que não seguira o conselho. – Um pagamento pelo que fez por mim.

— Seu pagamento envolve gordura e muito açúcar. Você é uma pessoa estranha, Oliver.

— Eu prometo que não vai se arrepender. Seu estômago nunca mais será o mesmo. – Mais uma vez o filtro do cérebro e boca não estava em 100% de funcionamento hoje.

— Espero que signifique algo bom. – Ela balançou em concordância. – Não vou deixar um homem com uma dívida pendente.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado, me perdoem pela demora. A vida universitária não é boazinha comigo. Depois eu estava curtindo minhas férias. Tentarei não demorar tanto com o próximo.



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