Perdidos escrita por Sohma


Capítulo 6
Curupira




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Existem poucos lugares do mundo onde a beleza natural ainda se encontra intocada pelo homem. Mas uma delas se encontra no coração do Brasil.

Um mundo à parte. O Pantanal.

É verdade que vastas áreas são ocupadas pelos pastos do homem moderno, mas muitas regiões pantaneiras ainda são formadas apenas por mata virgem. Ainda são habitadas apenas por animais selvagens.

São lugares onde o homem não é bem-vindo. Pois toda beleza natural... vem acompanhada de muito perigo.

~~~

— Mariara? — Henrique repetia o nome da moça diversas vezes. Seu corpo estava ajoelhado ao lado da bela mulher que continuava desmaiada no chão.

Num impulso desesperado, o rapaz achou que ela tivesse se machucado severamente, mas Nathália, usando seu pouco conhecimento de medicina (já que seu pai era médico residente em Rio Grande do Sul) acalmou o amigo, explicando que ela desmaiou por cansaço.

Mas o que incomodava mesmo a garota era o silêncio que vinha de Thiago. O moreno não parava de olhar diretamente para Mariara, hipnotizado.

— Mariara? — Henrique chamou a mulher mais uma vez. — Por favor, acorda! A gente já tem problemas demais. — o desespero era quase perceptível na voz do estudante.

Um grunhido deixou todos em alerta, Mariara começou a mexer os braços, e a respiração da moça ficou alta. Logo, os olhos castanhos dela abriram por completo. Um suspiro de alívio saiu da boca dos três estudantes.

— Ainda bem que acordou! — Henrique comentou.

— Eu... Digo, nós, estávamos preocupados! — Thiago finalmente falou alguma coisa, ajoelhando-se ao lado da mulher, que ainda parecia despertar.

Os olhos de Mariara passaram por cada um dos rostos juvenis, mas quando seus olhos pararam em Henrique, um sorriso leve se formou.

— Sim... Eu lembro de você... Você é meu salvador. — ela esticou o corpo, aproximando seu rosto do rapaz.

Uma vermelhidão apossou-se do rosto claro do estudante, que começou a gaguejar, sem saber como reagir.

— Ah sim! O Henrique te salvou, mas eu é quem estava mais preocupado com você! — Thiago intrometeu-se entre os dois, fazendo com que Mariara olhasse diretamente para ele, causando um leve constrangimento no moreno rapaz. — Eu sou Thiago, prazer em conhecê-la. — ele sorriu.

Nathália sentiu outra vez um desconforto tomar conta de seu corpo, observando a atenção que o amigo dava aquela garota misteriosa. Com passos apressados, aproximou-se de todos.

— Eu sou Nathália... Hã... Sem querer ser indelicada, eu teria mais prazer em te conhecer se não estivéssemos perdidos! — a garota ressaltou.

— Perdidos? — Mariara repetiu a palavra, levantando-se do chão com cuidado. — Eu... Eu me lembro de também estar perdida na floresta...

— E do que mais você se lembra? — Nathália perguntou educada, aproximando-se mais da moça. — Por acaso você é da Fazenda "Bastos de Mello"? Veio nos procurar? Ou ficou perdida por engano? — apesar de ser muito gentil e ponderosa, Nathália estava um pouco incomodada com a presença da misteriosa garota. Apesar de nunca admitir, o real motivo desse incômodo era a atenção que Thiago estava dando para ela.

— E-Eu... Eu não sei. — Nathália afastou um pouco da moça ao ouvir essa frase, percebendo que estava sendo invasiva demais. — Eu não lembro de mais nada. — Mariara tocava na cabeça, pelos longos cabelos negros escorridos. — Só me recordo de andar muito, sem chegar a lugar nenhum... — logo os olhos dela se arregalaram, e os braços automaticamente abraçaram o corpo, assustando o trio. — Mas eu estava sendo... perseguida. Por... Por uma criatura horrível.

Os estudantes ficaram sem reação ao desespero de Mariara. Voltando a realidade, Thiago abriu a mochila de Nathália sem consentimento, retirando de lá uma garrafa de água e um pacote de biscoitos.

— Você desmaiou! Deve estar se sentindo fraca. Toma! Pra você repor suas energias! — entregou as coisas para ela, Mariara com um olhar de desdém, que foi despercebido pelo moreno, pegou as duas coisas, bebendo um pouco d'água e depois comendo os biscoitos com cuidado. A garota logo tossiu, estranhando aquele gosto irreconhecível para ela.

Nathália continuava desconfortável. A última cena fez uma raiva descomunal tomar posse de seu corpo, ela cruzou os braços, bufando.

— Você disse que estava sendo perseguida por um ser horrível, não é? — a garota perguntou, sua voz saindo ríspida demais. — Quem é esse ser? Aquele jacaré gigante de três cabeças?

Mariara tirou a garrafa dos lábios, lançando um olhar amedrontado para a outra garota.

— Eu não sei o nome dele... — Mariara abaixou os olhos, mirando suas pernas vestidas pelo shorts de Nathália. — Eu... Eu só me lembro de como ele era ameaçador! — ela começou a hiperventilar.

— Mas o que aconteceu? — desta vez foi Henrique que se pronunciou.

Mariara respirou fundo, tentando se acalmar. E com calma, ela começou a narrar:

Eu acordei aos pés de uma enorme árvore, um Pau Brasil, acho. Minha cabeça latejava com força, e tentando encontrar forçar eu levantei do chão. Andei alguns passos, tateando e me esgueirando pelas árvores ao meu redor. Mas minhas... pernas tremeram, e logo cai no chão, sentindo toda a dor do impacto.

Um barulho de galhos sendo quebrado me fez olhar imediatamente para trás, e ali eu vi...

Ele era alto... 1,83m... Talvez. Os olhos eram amarelos, densos, como os olhos de uma fera. Seu corpo estava coberto por trapos vermelhos, e os cabelos também tinham a mesma coloração. Os dentes saltavam para fora da boca, pontiagudos... Dentes de sabre...

E antes que eu pudesse falar qualquer coisa, sua voz... Sua voz era grossa e rouca... Tão ameaçadora quanto ele:

— Ah, minha querida! Por que não aceita seu destino? Não há ninguém a quem recorrer... Ninguém para lhe ajudar... Você agora é apenas minha!

Senti raiva. Muita raiva. Usando a pouca força que eu tinha, levantei do chão e as palavras deixaram a minha boca com fúria:

— Não! Deve ter alguém! Alguém que me ajude a ficar longe de você!

Eu compreendi que ele queria me manter cativa, me prender ao lado dele por algum motivo. Então, preparei-me para fugir. Mas outra vez as palavras delem me pareciam ameaçadoras:

— Ah, minha preciosa... Será que não sabe? Você pode fugir, mas não escapar. Ninguém escapa do meu reino. Até que eu permita!

Eu não compreendi suas palavras, então eu fugi. Corri. Corri o máximo que eu podia. Mesmo não conhecendo essa sensação... O vento no meu rosto... Meus pés tocando a terra... Eu estava desesperada... Mas aí eu ouvi vozes. Eram muitas, então vi um senhor idoso seguido de várias pessoas. Eu tentei gritar, pedir ajuda, mas a trilha desapareceu. Eu fiquei perdida no meio da mata.

Então ele apareceu de novo. As minhas costas. E sussurrou bem próximo de mim:

— Ninguém ficará entre eu e você... Mariara!

E eu fiquei assustada. Primeiro por ele, depois... Aquele era meu nome? Eu não lembrava do meu nome. Eu o empurrei, e fugi de novo. Mas antes de partir... Eu o vi de relance. E percebi como o que ele era... Um monstro horrível. Aquelas garras. As presas. E os pés... Os pés eram mais medonhos... Eram virados, ao contrário.

— Pés ao contrário? — o trio interrompeu a narração de Mariara.

— Então era por isso... — Thiago comentou baixo, mas alto o bastante para que os outros escutassem. — Por isso não conseguimos seguir aquela trilha... As pegavas ao contrário... Por isso quanto mais nos afastávamos mas rasa ela ficava... — o moreno coçava o queixo.

— Mas isso é impossível! — Nathália sobressaltou-se.

— Não... Com essa descrição... Só pode existir um único ser com essa descrição... — agora era Henrique que falava. — O Curupira. — falou convicto. — É claro, tudo faz sentido. No folclore ele faz as pessoas se perderem na mata, por isso nossa trilha desapareceu repentinamente. — o rapaz claro comentava, andando em círculos.

— Curupira? — Nathália indagou alto. — Mas isso, como você mesmo disse, é folclore! É impossível! Deve ter alguma explicação lógica...

— Qual é, Nath? Tá chamando a Mariara de mentirosa? — Thiago falou um tanto bruto para a colega, fazendo com que a garota encolhesse olhando diretamente para o amigo.

A garota calou-se, ficando constrangida.

— A lenda do Curupira tem muitas versões... Uns dizem que ele é o Caipora, em outros lugares falam que eles são primos. Mas algo contado em todas as versões é que ele tem poderes sobre a mata. — Henrique continuava falando alto. O louro era apaixonado por mitologia, tanto a grega quanto a brasileira. Adoro todo tipo de lenda. — Eu até sei que ele tem poderes sobre os animais... Mas... Aquele jacaré... Será que também estava sob o feitiço dele? — várias indagações ocupavam a mente do estudante. — Isso tudo é muito esquisito! — sua voz saiu mais alta do que o esperado.

— Esquisito? — Nathália repetiu. — Tudo o que está acontecendo aqui é muito esquisito!

— Mas a parte mais esquisita é outra... Nas lendas, o Curupira é brincalhão, ou faz isso para se divertir, ou para espantar aqueles que querem ferir a mata. Ele não é maldoso. Alguma coisa deve ter acontecido... — novamente as indagações lhe ocupavam a mente.

— Por favor, meu salvador... — Mariara tocou o ombro de Henrique, fazendo com que ele encarasse o rosto amorenado dela. — Me salve. Me tire deste lugar, me leve para longe do... Curupira, como vocês o chamam.

— Isso não se discute, você vem com a gente! — Thiago se intrometeu, segurando os ombros de Mariara. — Vamos achar nosso grupo, e quando voltarmos para a fazenda vamos pedir para levá-la até o povoado, lá você deve encontrar sua família! — falava convicto, sorrindo para a morena que apenas o encarava.

— Sem querer ser estraga prazeres... — Henrique voltou a falar. — O poder do Curupira é fazer as pessoas se perderem, e pelo jeito, todo o Pantanal deve estar sob seu feitiço... Não vai ser fácil a gente sair daq...

— AAAAAAAAAAAARGH!

O grito ecoou alto por toda a mata, assustando os quatro, que ficaram estáticos. Nathália foi a primeira a se pronunciar:

— Isso... Isso foi um grito de mulher... — balbuciou.

— Mulher? Será que...

— Amanda? Deise? — Henrique interrompeu Thiago.

Henrique começou a correr na frente, tentando ir até o local de onde o grito veio. Mariara foi a primeira a seguir o rapaz louro, Thiago também correu, seguindo a bela mulher, e por último, Nathália foi atrás, sentindo-se ainda mais incomodada.


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