A Filha do Coringa: a Origem escrita por Apenas mais alguém qualquer


Capítulo 6
Biblioteca




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/703338/chapter/6

Os dias seguidos em nossa nova casa foram agitados. A decoração da casa não estava completamente pronta, e ainda faltava um caminhão de mudança chegar com o resto das nossas coisas. Fomos em algumas lojas de decoração com nosso decorador, que foi muito atencioso comigo e pedia minha opinião em toda decisão que eles tomavam ou tentavam tomar.

Aproveitei e escolhi algumas peças de decoração e quadros para incrementar meu  quarto, quando Louis - nosso decorador – viu o que eu tinha pego, sorriu para mim com brilho em toda sua face.

— Você tem muito bom gosto – me elogiou.

Fiquei meio constrangida e confusa, nunca ninguém tinha falado do meu “bom gosto”, mas disse obrigada mesmo assim.

Só faltava uma coisa em meu quarto, meu piano de cauda. Ele era o amigo mais fiel que já tive, tão fiel que passou por praticamente todas as minhas crises ao meu lado. Quando era pequena e reclamava que minha cabeça estava doendo – por razões até então desconhecidas -, uma de minhas babás mais queridas tocava piano e eu me acalmava, então ela me ensinou a tocá-lo, para que quando ela não estivesse comigo eu tocasse para a dor ir embora.

E funcionava. Bom, só quando a dor não era tão aguda, e algumas vezes quando eu parava de tocar, ela voltava a doer do mesmo jeito. Mas mesmo assim, era um jeito de distração.

Meus pais disseram que tinham mandado meu piano para a manutenção, trocar as cordas, abafadores, teclas e etc. Digamos que ele estava meio “detonado”. Ele literalmente passou pelas minhas crises ao meu lado. A única coisa que pedi para não fazerem com meu piano era pintá-lo ou trocar as partes de madeira dele, porque estavam riscadas e vandalizadas por mim e eram essas cicatrizes do piano que contavam uma história, a minha história e a da minha “outra eu”.

Mesmo não gostando dela, não queria apagá-la da minha vida ou fingir que ela não existia.

Os dias agitados passaram tão rápido que em um piscar de olhos, chegara o dia em que meus pais finalmente voltariam a trabalhar. Vou ser sincera, comecei a entrar em pânico, apenas um pouquinho.

Estávamos todos comendo o café da manhã juntos na sala de jantar, era uma segunda-feira e meus pais iriam começar o turno deles no sanatório daqui a 1 hora e meia. Tinha combinado com meus pais que iria passear pela cidade hoje, mas na verdade estava planejando passar o dia inteiro na Biblioteca Municipal de Gotham.

Porém, meu pai não estava muito seguro com essa minha decisão radical de “passear por Gotham”.

— Por quê tanto interesse em andar pelo Centro de Gotham? – meu pai perguntou, antes de levar o garfo com um pedaço de waffle à boca e mastigá-lo.

— Porque eu não quero ficar sozinha o dia inteiro em casa, sem fazer nada.

— Mas não era isso o que você fazia em nossa antiga casa? – ele rebateu sem pensar, mas depois percebeu o erro que tinha cometido quando eu desviei o olhar dele e olhei para o guardanapo em meu colo.

Vi de relance, mamãe colocar os talheres na mesa abruptamente – o que fez um barulho – e a senti encarar meu pai com os olhos arregalados em desaprovação.

Silêncio.

— Desculpa... não falei por mal – ele tentou se corrigir.

Mais silêncio.

— É diferente – comecei. – Não gostava daquela casa, não gostava daquele subúrbio e não gostava das pessoas de lá. Ou seja, não tinha motivos para sair de casa – ainda continuava olhando para o guardanapo. – Mas se essa cidade é a minha nova casa agora, eu quero conhecê-la. Eu finalmente acho que consegui me libertar dos fantasmas do passado que me atormentavam todos os dias. E eu quero aproveitar essa chance para recomeçar minha vida do zero.

Olhei para minha mãe e fiquei surpresa ao ver que ela estava sorrindo. Também havia um brilho em seus olhos castanhos.

— Estou muito feliz que pense desse jeito e que esteja tão disposta à aceitar essas novas mudanças – ela disse, ainda sorrindo. – Além do mais, percebi que você veio melhorando desde quando anunciamos que iríamos voltar para Gotham – ela se voltou para meu pai. – Você também não acha, Elliot?

Meu pai assentiu com a cabeça lentamente e pronunciou:

— Bom... progressos – e piscou para mim. – Tudo bem, divirta-se na cidade.

Tentei esconder um sorriso.

Meus pais me deixaram em frente ao Departamento de Polícia de Gotham, que estava no caminho para o Asilo Arkham. Observei o carro deles partir parada na calçada, até perdê-lo de vista.

Respirei fundo.

Parece que alguém entrou em pânico de repente... hahahahaha escutei uma vozinha bem no fundo de minha mente.

Meu coração palpitava dentro de mim.

Não era bem pânico, era nervosismo. Nunca tinha saído sozinha dessa maneira. No subúrbio, eu sempre saía com meu amig...

Não existia nenhum amigo.

Não havia nenhum amigo.

Não tinha nenhum amigo.

Tinha esquecido que não podia lembrar dele.

Meu coração estava quase saltando do meu peito.

Foco. Foco. Foco. Foco. Foco. Foco. Foco. Foco. Foco. Foco. Foco. Foco. Foco. Foco. Foco. Foco. Foco. Foco. Foco. Foco. Foco. Foco. Foco. Foco. Foco. Foco. Foco. Foco. Foco. Foco. Foco. Foco. Foco. Foco. Foco. Foco. Foco. Foco.

Não estava funcionando.

Remédio. Remédio. Remédio. Remédio. Remédio. Remédio. Remédio. Remédio. Remédio. Remédio. Remédio. Remédio. Remédio. Remédio. Remédio. Remédio. Remédio. Remédio. Remédio. Remédio. Remédio. Remédio.

Ele está dentro da bolsa, pegue ele! Abra o frasco. Coloque a pílula na mão. Não a encare, não a encare. Agora engole... isso... isso... muito bem.

Pronto. Respire fundo. Conte até 10: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10.

1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10.

1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10.

1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10.

O que eu tenho que fazer? Para onde estou indo? Ah, o GPS. Pegue o celular dentro da bolsa. Abra o aplicativo. Isso muito bem. Agora, aonde estou? Qual é o nome dessa rua? Placas, placas, placas, alguma placa? Ali na esquina! Não consigo ler... vamos mais perto, mais perto. “Avenida Lark”, esquina com a “Avenida Weinsboro”. Lark com Weinsboro. Lark com Weinsboro. Achei! Achei. A Biblioteca fica... à quatro quadras da Avenida Lark.

Comecei à andar, sem pensar muito nela. Apenas conseguia escutar sua risada nas profundezas de minha mente, e ela ia ficando cada vez mais longe... longe... longe.

Eu era péssima com mapas e essas coisas de localização. Mesmo o mapa dizendo que eu tinha que ir naquela direção, eu não confiava nele. Consultava-o milhares de vezes só para ter certeza de que aquela era a direção certa. Eu tinha uma certa tendência a me perder facilmente.

Depois de algum tempo “perdida” finalmente encontrei a Biblioteca Municipal da Cidade de Gotham. Era basicamente um prédio antigo de cor ocre claro e era normal em todos os aspectos. Atravessei a rua e segui até as grandes portas de entrada antigas e grandes, uma das duas portas estava aberta e então adentrei o prédio.

Ao pisar os pés dentro do salão, deparei-me com um corredor mais ou menos longo, com certificados, documentos, fotos e quadros pendurados nas paredes. O que mais chamou minha atenção foram as fotos antigas da cidade, em preto e branco, e sépia . Não resisti e passei algum tempo admirando cada foto, tentando absorver cada detalhe. Mas teve uma que prendeu meu olhar, era uma foto de um casal, o homem estava ajoelhado e sorrindo, segurando as mãos da mulher um pouco envergonhada, ambos olhando para o rosto do outro. Mesmo a foto não estando em suas mais perfeitas condições, era inegável o amor que havia em sua troca de olhares. Que sortuda a moça era...

Continuei andando até chegar ao final do corredor, onde realmente começava a biblioteca. O cheiro de papel velho me atingiu imediatamente e eu o inalei prazerosamente. Apenas amantes de livros conheciam o prazer de cheirar livros, era como um vício e esse vício era tudo o que eu precisava para ajudar a me acalmar. Sempre ficavam uns resquícios de loucura para trás que não eram absorvidos com os remédios.

Era uma biblioteca grande, maior do que parecia por fora e tinha 2 andares preenchidos completamente com estantes de livros.  O centro do salão era aberto, assim era possível ver o segundo andar e também, ainda no centro do salão haviam várias mesas de estudo com abajures e um lustre antigo de cristal flutuava no ar.

— Bom dia!

Dei um pulo quase imperceptível de susto.

Percebi que a voz viera de uma moça de óculos, sentada em uma grande mesa na entrada do salão, rodeada por pilhas de livros. Ela parecia amigável.

— Bom dia – disse me aproximando dela, retribuindo o seu sorriso com um sorriso torto.

— Desculpe se a assustei – ela falou gentilmente. – Nunca a vi por aqui antes, por acaso seria sua primeira vez?

— Sim, na verdade acabei de me mudar para cá – estava um pouco tímida, para variar.

— Ah, seja bem-vinda à Gotham então. Eu sou a Kate, Kate Allen, diretora aqui da Biblioteca – disse entendendo o mão e eu a apertei.

— Meu nome é Cecily Ainsley, mas pode me chamar de Cecy.

— Ainsley? – ela perguntou desconfiada. – Seus pais não são aqueles psiquiatras renomados do Asilo Arkham?

Fiquei surpresa.

— Sim, são eles sim. Elliot e Charlotte Ainsley.

— Não sabia que eles tinham voltado para cá... Mas tudo bem, fique à vontade aqui e pode me chamar se precisar de qualquer  coisa, querida.

— Vou chamar, com certeza. Obrigada – respondi educadamente e segui em minha jornada pela biblioteca.

Pelo visto, pensei, meus pais eram conhecidos aqui em Gotham, pelo menos pelo sobrenome. Não sabia se isso era vantajoso ou se era ruim de algum modo.

Descobri que estava sozinha na Biblioteca, na verdade, quem vai à biblioteca às 8 horas da manhã? Acho que era só uma questão de tempo até as pessoas chegarem. Aproveitando meu tempo sozinha, explorei ela inteira, cada estante de cada andar, cada decoração, cada quadro, praticamente tudo. Acho que passei, pelo menos uma hora admirando a biblioteca, porque quando terminei, percebi que haviam pelo menos umas 10 ou 15 pessoas pelo salão, algumas sentadas lendo, outras procurando por livros nas estantes.

Ainda descobrindo a biblioteca, encontrei uma sessão no segundo andar totalmente dedicada à cidade, com livros sobre a história dela, alguns livros bem velhos e outros um pouco mais novos. Também tinha uma sala, “Sala dos Documentos”, estava escrito na porta. Tentei abrir a maçaneta, tomando cuidado para ninguém me ver, mas ela estava trancada.

Entretanto, tinha quase certeza que se eu fizesse mais amizade com a Kate, ela podia abrir aquela sala para mim. Queria saber mais sobre a minha mãe, talvez até descobrisse quem era o meu pai e tinha quase certeza que os documentos naquela sala podiam ter algo sobre eles. Pelo menos algum pequeno detalhe...

Sentia que meus pais não contaram tudo o que sabiam da minha mãe biológica, sempre mudavam de assunto quando eu perguntava algo sobre ela. Eles estavam escondendo alguma coisa e eu mesma teria que desvendar esse mistério. Aquela sala parecia um ótimo lugar para começar.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Twitter: @AMAQblog
Blog: https://apenasmaisalguemqualquer.wordpress.com/



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Filha do Coringa: a Origem" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.