A Filha do Coringa: a Origem escrita por Apenas mais alguém qualquer


Capítulo 5
Lar, doce, lar?


Notas iniciais do capítulo

Desculpa a demora, pessoal!
eu estava sem tempo, mas agora eu vou retomar à minha história e vou tentar postar um capítulo ou outro por semana



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Era uma linda casa, rústica e moderna ao mesmo tempo. Parecia um chalé moderno com um toque oriental. Ela tinha três andares, sendo que o 3º andar era o menor, as paredes eram de vidro em sua maioria na parte superior da casa e a parte inferior era coberta por talhos de pedras. A mansão também tinha um aspecto oriental, lembrava um templo japonês, já que suas paredes de vidro eram divididas por arestas de madeira negra e o teto era reto e contornava a estrutura da casa.

Nosso carro entrou na entrada da garagem. Mal via a hora de pisar os pés pela primeira vez dentro de minha nova residência. Ao sair do carro, a primeira coisa que me atingiu foi a brisa marítima fresca. Inalei ela profundamente. Não tinha ido à praia muitas vezes, mas apenas sabia que amava o cheiro salgado da brisa, era tão diferente dos ares que respirei minha vida inteira.

Em frente de casa, havia um jardinzinho com algumas plantas rasteiras e arbustos, também havia uma grande árvore mais ao lado da casa. Não era muito fã de plantas, mas parecia que aquele verde completava a essência da casa.

Não parecia que estava me mudando, parecia que estava saindo de férias me hospedar em um chalé perto de um lago. O “lago” era na verdade o Oceano Atlântico ou o rio, que contornava a ilha de Tricorner, não sei bem qual dos dois, apenas sei que algumas ruas para trás da minha havia muita água.

Fiquei muito tempo parada ao lado do carro, admirando e absorvendo cada detalhe da mansão. Mas apenas fui perceber isso quando meus pais me chamaram para entrar nela, eles já estavam na porta de entrada principal. Me recompus e caminhei até eles, ainda contemplando meu novo lar.

Era estranho falar lar... minha outra casa nunca foi um lar para mim.

— Todos prontos para entrar?! – meu pai perguntou com entusiasmo demais, seus olhos estavam até arregalados, enquanto segurava a chave de casa. Era um defeito dele, ele tinha muitos sentimentos equivocados nos momentos inconvenientes. Na verdade não era bem um defeito dele, era apenas seu jeito de ser. Papai nunca foi uma pessoa emotiva, talvez essa característica dele o fizesse um bom psiquiatra.

A ironia era que ele sempre foi muito afetivo comigo, mesmo em Dias Ruins.

— Vamos logo, pai! – eu falei impaciente. Não agüentava mais, tinha que entrar naquela casa logo!

— Ok, ok!

Ele se apressou de um jeito desajeitado, enfiou a chave na fechadura e  ouvi o “clack” duplo dela enquanto ele girava a chave duas vezes. O barulho da fechadura me deu muito prazer, parecia que estava abrindo a porta da minha alma. Até fechei os olhos para aproveitar esse sentimento que me atingia tão poucas vezes.

Quando a porta abriu, nem esperei, atropelei os dois e atravessei a porta imediatamente. Sentia tanto alívio! Eu estava mesmo animada com essa mudança. Sabe, eu não sou uma pessoa muito apta à mudanças, mas existem situações em que elas são necessárias; minha vida nunca foi muito feliz e era difícil conviver com minha doença e ouvir todos em minha volta julgando e me excluindo. Para a sociedade eu era “louca”, “perturbada”, “monstro”, “doente”, “psicopata”, entre outros inúmeros nomes que já me chamaram, pelas costas ou em minha frente mesmo, tantas vezes que me rebaixei e decidi me esconder em meu quarto para sempre.

Em minha frente agora estava a sala de estar, era enorme e tinha diversos sofás, poltronas e até um divã, tudo é claro combinando com a decoração moderna e rústica ao mesmo tempo. Tudo era diferente da decoração clássica da minha antiga casa.

— Nossa, que ansiedade, Cecy! – papai comentou ultrapassando a porta de entrada ao lado de mamãe.

Seguiram-se alguns segundos de silêncio enquanto todos nós absorvíamos nosso novo lar. Papai ligou as luzes, o que deu o toque final no ambiente. A iluminação amarelada dava à atmosfera um ar vintage.

— E então? Gostou? – mamãe perguntou, cautelosa.

— Se eu gostei? Eu... eu... eu AMEI! – exclamei, caminhando pela sala de estar e observando todos os demais detalhes.

Tinha alguns abajures sob as mesas espalhadas pelo cômodo e uma grande lareira moderna enfeitava toda uma parede. Me aproximei da lareira e admirei alguns porta-retratos com fotos de nossa família e alguns enfeites e estátuas, sobre ela.

 Identifiquei o mesmo porta retrato com a mesma foto minha de quando era criança, eu estava toda feliz, deitada sobre um grande monte de folhas amarelas e laranjas com os braços e pernas abertos fazendo um “anjo de neve”, ou nesse caso, um “anjo de folhas”. Um pequeno sorriso surgiu no canto dos meus lábios.

Aquele dia foi muito divertido.

Acho que foi o dia mais feliz da minha infância.

O primeiro dia em que eu me lembro de ter esquecido completamente a minha “doença”, a minha “outra eu”.

Os outros porta-retratos exibiam fotos do casamento dos meus pais, de nós três, todos os meus avós, eu quando era bebê, viagens nossas e havia a foto que mais chamava minha atenção. Era uma foto da equipe de psiquiatras do Asilo Arkham, meus pais estavam bem no meio da foto, abraçados e sorrindo, dava para ver que o quanto eles realmente se amavam naquela época.

— Ei, Cecy! – minha mãe chamou. – Por quê você não vai ver o resto da casa? Eu e seu pai temos algumas coisas para organizar.

Mamãe estava carregando uma das caixas que trouxemos no carro até a cozinha.

— Tudo bem.

Subi dois lances de escadas até chegar no 2º andar. Nesse andar havia uma sala de multimídia com uma grande TV, os videogames do meu pai, um radio stereo, um tocador de vinil e todos os discos vinis e CD’s dos meus pais. Também havia um quarto de hóspedes, um banheiro, um armário para guardar algumas coisas e a suíte dos meus pais juntamente com um closet enorme. A suíte deles, como sempre estava impecável e iluminada como nunca, só que dessa vez estava com um ar mais moderno, com tons de preto, branco, cinza e ocre. Gostei mais assim.

Fui para o terceiro andar e encontrei meu quarto na primeira porta que eu abri. Para minha surpresa, ele estava exatamente como eu o pedi ao nosso decorador. As paredes estavam todas pintadas de cor vinho e os móveis eram todos brancos contrastando com a cor escura. Minha cama estava com um edredom da mesma cor das paredes e almofadas brancas, azuis e violetas. O carpete era violeta bem claro e todo peludo e macio, eu gostava muito de andar descalça em minha outra casa. O resto da decoração era em tons de azul tiffany, violeta, vinho, cinza, branco e preto com algumas estampas. Um abajur azul e branco com estampa de flores chamou minha atenção juntamente com duas poltronas com estampa de jornal.

Mas o ponto máximo do quarto era a iluminação com luzinhas de LED pisca-pisca por todo o quarto e um lustre trabalhado em gotinhas de vidro que também pareciam luzinhas pisca-pisca. Eu não tinha pedido isso ao decorador, mas admito, ficou maravilhoso! Essa iluminação dava um aspecto muito aconchegante e misterioso ao lugar.

As poltronas de jornal estavam posicionadas juntamente com um divã branco um pouco rústico com uma mesinha de vidro no meio formando uma salinha de estar. Todos os assentos eram tão confortáveis.

Haviam mais duas portas em meu quarto, entrei na mais perto da janela e descobri o banheiro, que era praticamente igual ao dos meus pais, com banheira, uma pia enorme, alguns armários, privada, uma ducha e etc. A única coisa diferente eram as cores azul e violeta.

Quando estava saindo do banheiro, me deparei com o espelho e congelei instantaneamente. Não pisquei. Apenas fiquei ali, encarando a “outra eu”, toda tensa. Para a minha sorte, percebi que meu decorador tinha instalado uma persiana no espelho, exatamente como eu pedi que fizesse com todo e qualquer espelho da casa. Rapidamente fiz a persiana descer e notei enquanto estava me movendo que a minha “outra eu” não saiu do lugar de onde estava. Quando ela desceu toda, afastei-me o mais rápido que pude até encostar na parede e fui controlando a minha respiração até fazer meus pulmões respirarem normalmente.

Odiava quando isso acontecia.

Odiava vê-la pelo espelho com o meu corpo, com o meu rosto.

Depois de me acalmar, descobri que havia uma segunda porta no banheiro conectando-o ao mesmo espaço para onde a segunda porta do meu quarto levava, que era muito provavelmente o closet. Ao atravessar a segunda porta do banheiro, encontrei meu closet.

Meu closet era um pouco menor do que o dos meus pais, mas era maravilhoso! Ele também seguia o mesmo estilo do meu quarto, em tons de vinho, violeta, azul, creme e estampas. O carpete era todo em azul tifany e os armários, gavetas e as araras em creme. A parede menor tinha diversas prateleiras onde estavam os meus sapatos - que eram muitos, mas eu quase não usava eles -, duas fileiras horizontais de araras, uma em cima e outra abaixo dela - contornavam uma parede adjacente à dos sapatos, repleta de blusas e meus vestidos casuais. Na parede oposta à das blusas, mais araras, só que contendo minhas calças, shorts, bermudas e saias e também havia uma parte separada, onde estavam pendurados meus vestidos de festa. Gavetas também estavam espalhadas por todo o lugar, abrigando acessórios ou roupas mesmo.

Havia uma penteadeira enorme com diversas gavetas, abrigando todas as minhas maquiagens – que eram poucas -, minhas jóias quase nunca usadas e perfumes caros. Notei que o espelho retangular também tinha uma cortina, fechei ela sem olhar para o meu reflexo. Um pufe grande, roxo e retangular ocupava o centro do closet, juntamente com uma ilha que abrigava todas as minhas bolsas, quase nunca usadas. Ainda, havia um outro espelho grande, que ia do chão ao teto, igualmente com cortinas, o qual também fechei rapidamente.

É, eu tinha algo com espelhos.

Na verdade a minha “outra eu” tinha algo com espelhos.

E sim, esse closet era o sonho de toda mulher/adolescente, uma pena que ele era pouco útil para mim. Minhas roupas, bolsas, maquiagens, sapatos, praticamente tudo naquele closet era de grife e eu não usava quase nada daquilo. Insistia em usar meus moletons velhos e pijamas o dia inteiro. Eu não tinha motivos para me maquiar, me arrumar ou perder horas provando roupas a fim de encontrar o look perfeito; quase nem colocava os pés para fora do meu quarto, quem dera fora de casa.

Ao voltar para o quarto, descobri ao abrir várias cortinas roxas, que toda uma parede do meu quarto era da fachada de janelas de vidro da casa, e a vista era simplesmente maravilhosa, dava  diretamente para a parte de Gotham com diversos arranha-céus. Aquela vista fez me sentir em casa, não... não apenas uma casa, um lar.

Eu nunca tive um lar.

Não me sentia confortável na minha outra casa, ela estava cheia de fantasmas.

E tinha a esperança de que eu ou a minha “outra eu” não destruíssemos esse lar como fizemos com o anterior.

Escutei 3 batidas na porta antes dela ser aberta.

— Cecy? – mamãe enfiou a cabeça pela fresta da porta, me viu e entrou em meu quarto, ela estava trazendo uma caixa com o restante dos meus pertences.

Então ela começou a vir até mim, deitada em meu divã observando a vista da janela. No caminho, deixou a caixa em cima da minha cama e veio se sentar na poltrona de jornal em minha frente.

— E aí? Gostou do seu quarto? – ela perguntou com expectativa, observando ao seu redor.

— Bom, ele está exatamente do jeito que eu queria, até melhor eu acho – houve um silêncio antes de eu falar novamente. – Mas o que eu mais gostei foi a vista da Ilha Sul daqui. Lembra muito Nova York.

Mamãe sorriu.

— Achei que iria gostar da vista e acho que também vai ficar feliz em saber agora você tem uma fechadura no seu quarto.

Virei minha cabeça para com as sobrancelhas franzidas em confusão e surpresa.

— Espere aí... você pode repetir o que acabou de dizer?

Ela suspirou.

— Eu e seu pai conversamos e achamos que já está na hora de você obter um pouco mais de privacidade, mesmo com o seu... estado. Não tinha percebido que a chave estava na porta? – olhei para a porta fechada e realmente vi que ela estava lá. - Mas é claro que eu e seu pai temos uma cópia da chave caso aconteça algum incidente – por incidente ela queria dizer “surto”.

Eu não conseguia acreditar.

Eu nunca tive uma chave para trancar meu quarto.

Levantei do divã tão rápido, que quando percebi, já estava nos braços de minha mãe, apertando-a.

— Meu Deus, obrigada! – agradeci com a voz abafada contra o seu peito.

— Ah, Querida! Não há de quê – podia sentir seu peito se contraindo, rindo de felicidade. Então ela segurou em meu ombro e me afastou para olhar em meus olhos. -  Percebemos que você está bem melhor, já. Acho que você nunca esteve tão bem. Você disse que estava animada com o fato de mudar de cidade, e eu realmente acredito que essa mudança será muito boa para você.

Não consegui encontrar palavras para falar para ela. Então, a abracei. Sabe, eu não era uma pessoa de abraçar, mas eu realmente não conseguia pensar em mais nada para agradecê-la.

— Vem, vamos jantar. Pedimos pizza – ela disse, ainda me abraçando.

Comemos pizza enquanto assistíamos a um filme de comédia pela Netflix. Eu não gostava muito de assistir filmes, mas eu estava de bom humor naquela noite e não pude recusar. Geralmente quando meus pais decidiam assistir um filme, eu recusava e me trancava em meu quarto – na verdade eu só fechava a porta, porque eu não tinha tranca até então.

Acho que nunca ri tanto assistindo uma comédia.

Acho que nunca ri tanto em uma noite.

Acho que nunca ri tanto em minha vida.


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Notas finais do capítulo

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