O que não dá pra evitar e não se pode escolher escrita por The Escapist


Capítulo 2
II




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II

1996

 

Andando de cara para cima, com os cabelos ruivos sacudindo ao vento, usando roupas da moda e um sorriso despreocupado no rosto, era como se o mundo girasse em torno dele. Bem, talvez não o mundo inteiro, mas, pelo menos naquela pequena parcela que ele chamava de seu universo, Ulisses tinha tudo o que desejasse e todos gostavam dele. Também, como não gostar daquele príncipe de olhos verdes, sempre tão gentil...?

— João Ulisses Pacheco? — Já era a segunda vez que o professor chamava o nome dele e novamente não houve resposta. — Alguém sabe do Ulisses? — dirigiu a pergunta à classe toda.

Arthur, cujos pensamentos vagavam pela perfeição que era Ulisses, se encolheu na cadeira. O pânico de falar na frente da turma era tanto que seu estômago começava a embrulhar. Mas o que Ulisses pedia sorrindo que ele não fazia chorando?

— Ele tá doente — mais gaguejou do que falou. — Eu acho... — O professor olhou para ele de sobrancelha arqueada, depois apenas balançou a cabeça com certo pesar, e continuou a chamada. Arthur ouviu alguns cochichos dos colegas, conjecturando sobre o paradeiro de Ulisses. Ele bem queria saber!

A aula de Matemática seguiu normalmente e, por sorte, houve muitos exercícios para mantê-lo concentrado.

Ao final, quando os alunos se preparavam para deixar a sala, com sua costumeira balbúrdia, o professor pediu que ele ficasse um pouco mais. O garoto parou em frente à mesa, com a cabeça quase encostada no peito.

— Amizade é uma das melhores coisas que a gente tem — começou. Falava com a voz tranquila, tentando transmitir mais conselho do que reprimenda. Arthur era daqueles alunos que requeriam o máximo de cuidado. — É talvez a melhor coisa que a gente leva. Mas você precisa parar de mentir pelo Ulisses. — O garoto engoliu em seco. — Hoje não foi a primeira vez que você fez isso, e talvez vocês achem que a gente não percebe, mas não é assim. O Ulisses é legal, todo mundo gosta dele, ok, mas deixe que ele resolva as encrencas dele sozinho, ou você vai terminar encrencado também. — Sem ter muito o que dizer, Arthur apenas balançou a cabeça. — Está bem, pode ir.

De ombros caídos e a mochila pesada nas costas, Arthur saiu da sala. Andava olhando para os pés. Detestava levar bronca dos professores e detestava mais ainda quando eles estavam certos. Precisava parar de mentir para ajudar Ulisses, porém, o que poderia fazer quando o amigo mandava um SMS cheio de emoticons, pedindo uma forcinha? Afinal, tinha uma dívida de gratidão com ele.

Aquele garoto, que era querido por todos, tornara-se seu amigo contra todas as probabilidades. Desde seu primeiro dia na escola nova, dois anos antes, quando os outros o olhavam meio torto e chegavam a rir de seu jeito retraído, Ulisses fora gentil. Mostrara onde ficavam a sala e os armários, e até o protegera dos alunos mais velhos que tentaram fazer bullying.  E, se fosse ser honesto consigo mesmo, não era só a amizade com ele que importava. No fundo, nutria a esperança de que os sorrisos, sempre tão fáceis naqueles lábios, lhe fossem dirigidos. Se era uma esperança tola? Talvez. No entanto, Ulisses já havia dado a entender que gostava tanto de garotos quanto de garotas, então, se tivesse coragem para se declarar, quem sabe as coisas...

— Oh, caralho, olha por anda, Arthur!

Estava quase certo de que o esbarrão tinha sido mais culpa de Gustavo, que andava apressado, do que dele, que ia tranquilo, quase encostado à parede. Pensou em argumentar, mas achou melhor evitar a fadiga. Discutir com Gustavo era pedir para sofrer. Murmurou um pedido de desculpas e foi embora.

Ficou esperando pelo ônibus no ponto e aproveitou para retirar o livro de Matemática da mochila e ficar fazendo alguns exercícios. Estava no ano do vestibular, então precisava usar todo minuto possível para estudar.

Enquanto usava a fórmula de Bhaskara para resolver as equações, seus pensamentos voltaram-se para Ulisses. Ele podia se dar ao luxo de matar aula no ano do vestibular, porque, se não passasse para a federal, os pais, provavelmente, pagariam uma boa faculdade particular. De qualquer forma, não tinha muito com o que se preocupar, o futuro dele estava garantido.

— x —

Quando o professor pedia que fizessem duplas, Arthur só sentia vontade de se enterrar mais fundo na cadeira e desaparecer. Isso porque, em geral, ele sobrava e terminava com alguém que só queria se aproveitar dele.

— Então é isso, podem formar as duplas e escolher os temas. Eu vou passar a lista, e vocês colocam o nome com o tema, tá bem?

Depois disso, houve as costumeiras reclamações e pedidos para que o grupo pudesse ser maior, ou pelo menos uma “dupla de três”. Todavia, apesar de o professor Ezequiel ser bastante bem-humorado e de vez ou outra entrar na brincadeira da turma, ele estava irredutível.

— Arthur, eu tô com você — Ulisses disse, fazendo sua voz ecoar pela sala toda. Para enfatizar o pedido, ele atirou uma bolinha de papel que caiu próximo à sua cadeira.

Dos males, o menor. Ulisses não era tão diferente dos outros, porém, admitia que gostava de ficar perto dele, imaginando o dia em que o bonitão se tocaria e perceberia seus sentimentos.

Começaram a fazer a tarefa naquela mesma tarde, após as aulas. Sentados no quarto, o som tocando baixinho um disco do REM, Ulisses de vez em quando olhava pela janela, e sua expressão parecia lamentar o fato de estarem dentro de casa estudando sobre os astecas, com o dia tão bonito lá fora.

— Você não quer ir dar um mergulho na piscina? — ele sugeriu.

Arthur olhou para a fatia de céu azul que aparecia na janela e negou, balançando a cabeça. Seu amigo fez um bico e insistiu.

Mas Ulisses queria uma desculpa para ir brincar na piscina e não parou de insistir até que o outro garoto cedeu.

— Ok, ok, Ulisses, mas só um mergulho, porque a gente tem mesmo que fazer o trabalho. — Ele fez até uma dancinha comemorativa, enquanto Arthur rolava os olhos. — Ah, mas eu não tenho sunga de banho, cara — lamentou, fingindo pesar, embora feliz por ter uma desculpa.

— Nah, tudo bem, tem um monte aqui. Deve ter alguma nova.

Ulisses levantou-se, foi até o armário e vasculhou sua gaveta de cuecas.

— Aqui ó, nunca usei, juro — disse, atirando um short de banho para o amigo. Parecia não ter a menor ideia de que aquilo deixaria Arthur constrangido.

 O pai de Ulisses estava no trabalho, e a mãe, ele não sabia bem, talvez tivesse ido ao salão de beleza. Só seus dois irmãos estavam em casa e nenhum dava muita importância aos adolescentes. Mesmo assim, Arthur não se sentia confortável, ainda mais usando apenas aquele short. Comparar seu corpo magro e pálido com o de Ulisses não ajudava em nada.

Durante a maior parte do tempo, tinha consciência de que a aparência física não significava muita coisa, era meio que uma ilusão criada pela sociedade, que insistia em estabelecer padrões de beleza praticamente inalcançáveis. Infelizmente, saber disso não importava muito, porque Ulisses era um príncipe, e ele, apenas um pobre sapo.

— Acorda, manezão! — Com um empurrãozinho de Ulisses, o garoto caiu na piscina.

Os poucos minutos que deveriam ficar ali logo se transformaram em horas. Brincavam de atirar água e de submergir a cabeça um do outro, conversavam e riam, despreocupados. Tons alaranjados começavam a pintar o céu, e os dois ainda estavam deitados na grama ao lado da piscina, com os copos de suco que a empregada havia servido já vazios ao lado.

— A gente devia tá estudando... — Arthur relembrou, sonolento.

— Relaxa, ainda tem tempo. — Ele ficou calado um instante, olhando para o céu, como se procurasse coragem para dizer o que queria. — Arthur?

— Hum?

Não sabia exatamente por que hesitava tanto. Não era um favor tão absurdo, era algo que amigos poderiam fazer sem problemas, mas ele já conhecera um pouco de Arthur e não queria incomodá-lo.

— O que foi, Ulisses?

— Será que... será que você poderia me ajudar a estudar pro vestibular? — Ele se sentou, passou a mão nos cabelos, sacudindo-os, de modo que a franja quase cobriu seus olhos. Recebeu um olhar confuso em resposta. Suspirou, dramático. — Eu não sou burro, mas tenho preguiça de estudar, e você... bom, dispensa comentários, né? — Viu Arthur encolher os ombros.

— Por que isso agora? Quer dizer, você nunca pareceu se preocupar muito com o vestibular...

— Meus irmãos fazem Medicina. O mínimo que meus pais esperam é que eu entre também.

— E você quer fazer Medicina?

— Não faço ideia do que quero fazer, cara. Acho que vai ser assim, na hora em que eu for me inscrever, escolho qualquer coisa.

— Acho que isso não vai deixar seus pais felizes — considerou. Ulisses encolheu os ombros. Provavelmente não, mas era muito difícil deixar seus pais felizes sempre. — Ok, tudo bem, a gente pode estudar junto. Eu te empresto meus resumos e tal... — Viu Ulisses sorrir de uma maneira tímida. Não imaginava que seu amigo fosse capaz de expressar timidez ou coisa parecida.

— Obrigado.

— Não há de quê.

— Há, sim, eu sei que você não gosta desse negócio de estudar em grupo, então significa muito que você faça isso por mim...

Aquela foi a primeira vez que Arthur sentiu que talvez seus sentimentos não fossem unilaterais. Se Ulisses gaguejava e ficava envergonhado só por pedir um favor tão simples, era porque se importava com ele. Claro, não gostava muito mesmo de estudar em grupo, e o fato de Ulisses saber e levar isso em consideração antes de fazer o pedido também significava algo.

— Ok, então vamos fazer o nosso trabalho de História. Ele não vai ficar pronto sozinho.

— Tá bem, vamos. — Levantou-se e deu a mão para ajudar o amigo. — E você já sabe o que vai fazer? — perguntou enquanto iam andando para dentro da casa.

— Ciência da Computação — respondeu de imediato. Era mais uma coisa que o diferenciava da maioria dos jovens de sua idade.

— Claro, claro, é bem a sua cara.

— x —

Depois que começaram a estudar juntos frequentemente, a amizade tornou-se mais próxima. Às vezes, Ulisses convidava Arthur para sair com sua turma, mas eram raras as vezes que ele aceitava, porque sempre “tinha que estudar”.  Assim, na maior parte do tempo, o garoto popular transitava entre sua vida sob os holofotes e a amizade fora dos bastidores da fama.

— Bastidores da fama? Cê não acha que tá exagerando, não, Arthur?

Estavam sentados na calçada na parte de trás do colégio. Era o intervalo e Arthur gostava de ficar ali exatamente para evitar as pessoas. Deu de ombros enquanto mastigava um pedaço do sanduíche natural que sua mãe tinha feito para o lanche.

— Se você perguntar, qualquer pessoa na escola vai saber seu nome. Já eu...

— Você é meu amigo... — Ulisses disse com a boca cheia; comia um salgado da cantina da escola, algo que Arthur detestava. Tomou um gole de refrigerante para ajudar a descer.

— Exato, eu sou seu amigo. O amigo sem nome de Ulisses Pacheco. — Arthur soltou uma risadinha abafada pelo fato de ainda estar mastigando. Aquilo parecia uma coisa triste de ser dita, no entanto, ele até que gostava de ser a pessoa em quem Ulisses confiava quando queria conversar sobre a vida, o universo e tudo mais.

Ulisses terminou de tomar o refrigerante e deixou a latinha cair no chão, mas, como recebeu um olhar torto, recuperou-a para jogar no lixo depois. Apanhou a mochila que estava no batente de baixo e Arthur chegou a arregalar os olhos de surpresa quando o viu pegar o livro de Ciências.

— Tem algo que eu quero te mostrar.

Imaginou que pudesse ser alguma dúvida sobre a matéria que o professor tinha passado, porém seu queixo caiu quando Ulisses abriu o livro e revelou uma revista Playbo dentro.

— Eu roubei do Marcelo. Se ele descobrir, me mata, mas é que o moço da banca não vende pra mim de jeito nenhum. Ele tem medo de que o papai descubra e encrenque a vida dele.

Enquanto falava, ia passando as páginas e parecia se divertir com as poses eróticas das mulheres nas fotos. Apesar de não sentir atração por garotas de forma geral, Arthur tinha a curiosidade natural da idade e não deixou de olhar para as imagens. Ele tirava ótimas notas em biologia, mas, na prática, não sabia nada sobre o corpo feminino. Achou legal, a moça da revista era mesmo bonita, todavia, ele perdeu o interesse rápido. Ficou olhando para os próprios pés, calçados nos surrados All Stars, ouvindo seu amigo sorrir e dizer algumas sacanagens.

— Cara, isso é meio nojento. Deixa pra fazer em casa, sozinho, ok? — Deu uma cotovelada nas costelas dele.

— Não tô fazendo nada, só pensando.

— Deixa pra pensar em casa, então.

Ulisses deu um daqueles sorrisos traquinos dele e fechou o livro junto com a revista, depois os colocou dentro da mochila de novo. O intervalo estava quase acabando, e eles tinham que voltar para a aula.

— Arthur, você não quer sair no sábado com a gente? É niver da Ludmila, e a gente vai numa boate. Vai ser legal.

— Ah, não, acho que não. Tenho matéria acumulada pra revisar.

Ulisses coçou a cabeça, confuso. Ele também tinha matéria para estudar, mas o vestibular estava a cinco meses de distância. Achava que ainda dava para se divertir um pouco.

— Relaxar um pouco não faz mal, sabia?

— Ulisses, se você não percebeu ainda, eu não tenho dinheiro pra ir nos lugares a que você e a sua turma vão. — Aquela foi uma das poucas vezes em que Arthur usou um tom brusco para falar com ele, e isso o deixou um pouco zonzo.

O fato de estudar na mesma escola — uma tradicional e cara instituição — o levava a esquecer que Arthur vinha de uma família de baixa renda. Não que se importasse com isso, claro, mas talvez devesse se lembrar de que uma simples ida ao cinema talvez fosse demais para ele.

— Desculpa, eu... desculpa...

— Tá, tudo bem. Você e a Ludmila estão juntos? — encerrou a discussão e já emendou outro assunto. Para tirar o foco de si mesmo, o melhor era jogá-lo para quem gostava de ser o centro das atenções.

Ulisses até parou no meio do corredor.

— O quê? Não! Quem falou isso?

Arthur deu de ombros.

— Eu ouvi alguém falar. 

— Olha, a gente ficou, mas não rolou mais nada. A Ludy é legal, mas também é um pouco chata. Além disso, eu não quero namorar ninguém, sou jovem demais pra me prender a um relacionamento sério.  Eu acho que só vou querer me envolver com alguém assim quando tiver, sei lá, trinta e cinco anos.

— Parece uma boa idade... — Arthur resmungou, só para não deixar o amigo no vácuo. Aquela espécie de confissão de Ulisses, de certa forma, jogava várias pás de areia sobre suas esperanças. 

   — É, porque, tipo, até lá, eu já vou ser totalmente independente dos meus pais, terei uma carreira de sucesso, um carrão... Enfim...

Arthur não pôde deixar de rir um pouco dos sonhos do amigo. Ele ainda nem sabia o que queria fazer da vida e já estava certo de que seria bem-sucedido, não importava qual fosse sua escolha. Era uma boa maneira de ver as coisas. Queria ter um pouco daquela confiança, mas sentia que tinha mais consciência dos obstáculos que encontraria no caminho para o sucesso.

Nesse momento, eles entraram no corredor que levava para a sala de aula, e Ulisses reencontrou a turma dele; começou a conversar sobre a festa do fim de semana, todo animado. Arthur foi ficando para trás, porém, não estava chateado. Sabia que Ulisses não fazia aquilo de propósito. Era apenas o jeito dele.

— x —

Os cinco meses que faltavam para o vestibular logo se transformaram em semanas. As provas finais do colégio foram antecipadas para que os alunos pudessem se preparar psicologicamente para a maratona de processos seletivos.  Arthur estava inscrito em quatro — —, todos para o mesmo curso.

Já Ulisses, decidiu na hora de fazer a inscrição e até colocou Medicina como uma das opções, embora não tivesse qualquer confiança em conseguir passar. Se entrasse em qualquer curso, já seria muita sorte.  

— Mas, cara, sorte é apenas, sei lá, cinco por cento do processo todo — Arthur disse enquanto balançava a cabeça diante da aparente despreocupação do amigo.

Os dois estavam no ônibus, a caminho de Campinas, no interior de São Paulo, onde fariam a prova do vestibular da UniCamp. 

— Você deveria relaxar. Estudou pra caramba, claro que vai passar. Eu, que não tenho metade da sua capacidade intelectual, vou passar, como você não vai? — Eram poucas as vezes que o via sem argumentos. Não entendia como ele se sentia tão inseguro. 

— Você é um gênio.

— Eu não...

— É, sim... — insistiu e ficou satisfeito ao vê-lo sorrir. — E tem mais, nós vamos ficar na mesma universidade. — Arthur não respondeu nada, mas também nutria essa esperança.

 Ulisses ficou calado por um instante, olhando pela janela enquanto a paisagem ia mudando rapidamente. Só depois de alguns minutos, percebeu que Arthur não parava de balançar o pé e segurava o braço da poltrona com força.

— Você tá legal? — perguntou, embora lhe parecesse uma pergunta tola.

— Tô.

— É que não parece.

— Eu não gosto muito de viagens longas.

— Hum... Mas não vai ser tão longa. Daqui a mais ou menos uma hora, a gente chega.

— Uma hora é muito tempo pra ficar dentro de um ônibus.

Ulisses deu uma risada tão exagerada que chamou a atenção da senhora que estava sentada na poltrona à frente.

— Cara, como você vai estudar fora do país se tem pânico de viajar?

— Se eu for viajar pro exterior, vai ser de avião. É diferente.

— Você tá ligado que a maioria das pessoas tem medo de avião, né?

Era a segunda vez que Arthur ficava sem palavras naquela conversa, por isso ele deu de ombros.

— Como diria minha mãe, eu não sou a maioria das pessoas.

— Está tudo bem, seu bobo, eu tô aqui. Quer que eu segure a sua mão?

Arthur fez cara de zangado, depois usou a almofada onde apoiava a cabeça para bater em Ulisses, que percebeu que deveria mantê-lo distraído enquanto durasse a viagem.

Quando chegaram a Campinas, Ulisses estava doido para sair e curtir um pouco, mas Arthur foi irredutível: ficariam na pousada, descansando para fazerem a prova tranquilos no dia seguinte, afinal, não tinham estudado o ano inteiro para estarem de ressaca na hora da prova. Eles teriam tempo para se divertir quando terminassem a maratona de vestibulares.

Eles passaram assim meados do mês de novembro. Em dezembro, enquanto Ulisses viajou com a família para passar as festas de fim de ano com os parentes no sul do país, Arthur aproveitou para estudar um pouco mais para as segundas fases dos vestibulares. Apenas no meio de janeiro estavam livres das provas, aguardando os resultados.

Como as listas eram divulgadas em dias diferentes, eles combinaram de só contar quando soubessem de todos, para que ninguém ficasse triste por antecipação. Quando se reuniram com o resto da turma na escola, mesmo nas férias, para dividir as boas novas, Arthur já sabia que tinha sido aprovado em todas as universidades onde fizera prova. Mesmo assim, quis esperar por Ulisses.

— E então? — Ulisses perguntou, cheio de expectativas, seus olhos verdes brilhando e o sorriso fácil nos lábios. 

— Fala você primeiro. 

— Pode parecer mentira, mas... — Ulisses tirou um dobrado do bolso; era a lista de aprovados para o curso de Direito da USP. — Em último lugar, mas o que importa é entrar, certo?

— É claro. É a USP, cara, ninguém vai se importar com a sua colocação!

— Tá, mas e você? Passou em todas, não foi? — Arthur sorriu, um pouco tímido. — E qual você vai escolher, nerd?

— A USP, né?

Eles receberam os parabéns dos professores e do diretor da escola, depois combinaram a festa de comemoração. Dessa vez, Ulisses disse que Arthur iria nem que fosse amarrado, no entanto, não foi necessário usar violência.

Pela primeira vez na vida, Arthur ficou na rua até de madrugada e ingeriu bebida alcoólica — mas não a ponto de ficar bêbado, embora a falta de costume o tivesse deixado um pouco tonto logo nos primeiros goles.

Ulisses apareceu com duas garrafas de cerveja e já foi empurrando uma para ele. Estava suado, os cabelos compridos pregados no rosto e as bochechas vermelhas. Passou o braço em volta dos seus ombros propôs um brinde.

— Ao primeiro dia do resto das nossas vidas! — disse, fazendo as garrafas baterem uma na outra. — Se anima, Arthur, esse vai ser o melhor ano das nossas vidas.


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