A governanta escrita por Sirukyps


Capítulo 11
Capítulo 11




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Era estranho deixar árvores para trás naquela velocidade.

 

A janela vagamente entreaberta. O Sol afogando no horizonte do entardecer. Suspirando, eu pensava em Oríntia. Sua voz. Seu quente toque. Atento aqueles diversos troncos estreitos na floresta além da estrada, minha imaginação vacilava. Eu queria reencontrá-la. Merecíamos uma chance de ser feliz, não?  E dentre pensamentos, minha sanidade ameaçava adormecer, contudo era constantemente despertada pelo peso em meu ombro.

 

Uma hora, chegamos.

 

Saímos do carro e ele aparentava constrangido diante a situação. Tentou explicar de alguma forma, mas eu dispensava. Sendo sincero, fiquei triste. Achei que ele só dormia em meu colo quando enfeitiçado pelo meu cheiro. Embora, ele jamais admitisse e ficasse igualmente constrangido, prosseguindo afirmando ser o balançar do automóvel, o clima pesado devido ao fim de tarde....

 

Eu me limitava a sorrir timidamente, brincando com algumas mechas dos amendoados cabelos e pedindo que descansasse. Era confortante saber que ele precisava da minha pessoa para relaxar tranquilamente após a aula. Em pensar que ele precisava de mim...

 

Agora, eu via que não.

 

Todavia, eu não tinha o direito de sentir algo assim.

 

Assustando-me com tais pensamentos, eu deveria abandonar este estranho passado para trás. Um agradável passado quando vivíamos como... Acho que irmãos... O carinho que eu sentia pelo meu amigo era tão forte como um vínculo familiar.

 

Entrando no apartamento, a estava sala organizada de modo simples, e a bagunça se localizava no cômodo da frente, um improvisado escritório onde fui apresentado aos papéis e ao semblante cansado daquele rapaz, carregado de preocupação. Preocupação esta que jamais contaria para uma mera governanta.

 

Puxando a cadeira de rodinha defronte a escrivaninha metálica, sugeriu que eu sentasse e obedeci.

 

A página do Excel aberta com várias planilhas, nada tão complicado se prestasse atenção. Limitava-se a impostos, faturamento e descontos, só que pela quantidade, a empresa deveria ser bem grande e produtiva.

 

Começamos. Ele me ajudava e trabalhávamos rapidamente.

 

Concentrado, nem mesmo atendia o celular, o qual tocava frequentemente. Espiando de esguelha, eu percebi a cada nova chamada, uma pequena linha de indescritível fúria se apoderava daquela testa iluminada pela pouca luz do notebook.

 

Nada falei.

 

Talvez, por medo de tocar em algum assunto familiar.

 

Era inegável como eu gostaria de perguntar por mulheres, casos... Oríntia... Porém, Eduardo era uma pessoa astuta e me torturaria se desconfiasse da conspiração tramada pela minha colega de faculdade.

 

— Você é sempre tão calada? – Indagou, sem desviar o olhar dos afazeres.

 

— É que não consigo me concentrar quando estou conversando e precisamos terminar isto.

 

— Sim...

 

Após poucas horas, as tabelas finalizavam. As venezianas dos meus olhos ameaçavam fechar e imploravam por uma agradável noite de sono. No entanto, como o chefão dos jogos, as últimas eram as piores de contabilizar.

 

O telefone também havia cessado na última hora, ou, pelo menos, por estar tão absorto entre aquelas células, eu já não o ouvia.

 

— Terminamos! – Comemorou, alegremente.

 

— Diga por você. Ainda tenho duas.

 

Ele rodou a cadeira até o meu lado e permaneceu encarando o monitor, sem nada dizer.

 

— Você vai ficar parado?

 

— Eu não quero te desconcentrar... – Ele brincou. Recebendo meu olhar irritado, continuou. - Ou esta era apenas uma desculpa para não conversar comigo, senhora governanta.

 

Fiquei em silêncio, realmente não desejava conversar. Quer dizer... Não naquela condição.

 

— Suas mãos sempre estão com luvas...

 

— Eu costumo sentir muito frio... – Menti, encarando a tela. Até que não era tão mentira, visto que eu quase nunca transpirava, mesmo em dias extremamente quentes.

 

— Eu posso comprar um aquecedor...

 

— Não é necessário. Obrigado. – Respondi apreensivo ao sentir aquela respiração mais próxima.

 

— Esta formula você aplica aqui. – Voz baixa. O ar quente próximo tocava minha nuca. Sem permissão, ele suplantou o braço sobre o meu, e repousando a mão sobre a minha, guiava o mouse.

 

Ainda tentei puxar, trêmulo, buscando forças para aparentar normalidade.

 

No entanto, arfei por uma antiga lembrança, quando me ensinava a jogar, repousando a cabeça em meu ombro. Sempre tão próximo... Para me desconcentrar quando perdia, mordia meu lóbulo da minha orelha. Eu recordava quando passava as unhas na minha coxa e, na brincadeira, jogava-me no chão, prosseguindo com aqueles improvisados ensaios...

 

— Eu... Eu preciso de água... – Tentei desvencilhar minha mão. Por que, agora, meu coração acelerava?

 

— Tem uma aliança embaixo da sua luva. É casada?

 

— Sim. Sou.

 

— Ela é uma pessoa de sorte.

 

— Acho que eu que sou.

 

— Você a ama?

 

— Sim. Eu a amo.

 

— Ela já te levou para escalar o monte Everest? Ela fica em silêncio admirando seu rosto durante a madrugada? Vocês invadiram a faculdade para recuperar algo importante?

 

Não respondi. Aquele exagero era típico de Eduardo. Talvez, por isto, eu havia sido trocado. Não chegamos a escalar no Nepal, mas ele havia me ajudado a entrar pelo porão da escola só porque eu havia esquecido meu caderno. Terminamos na piscina da educação física, apostando sobre quem tinha mais velocidade. Pensativo, eu ri baixinho. Eduardo sempre tinha tanta energia e disposição.

 

— Acho que isto são coisas que você só faz com quem ama. - Continuou pensativo, viajando no próprio delírio. Talvez houvessem ocorrido tais coisas com Oríntia também. Desanimado, eu nutria certo ciúme, pois achava que tais momentos eram somente nossos.

 

Quer dizer, Eduardo nem tinha tantos amigos... Pensando bem, seus pensamentos amorosos eram como um túnel de segredos. Ninguém jamais conseguiu encontrar a saída dentre aquela escuridão. Eu contava minhas paixões, desilusões, desejos e rejeições. Ele, que constantemente sorria, escutava seriamente os começos e era um excelente conforto para os fins. No entanto, eu nunca sabia nada sobre si.  

 

Salvei o arquivo como se o "sim" recuperasse a atenção daquele sonhador.

 

— Estou voltando pra...

 

— Você vai dormir na mansão? - Interrompeu.

 

— Sim.

 

— Vamos jantar!

 

— Obrigado, mas não tenho fome. - Adiantei, levantando-me.

 

— Então... Eu te levo pra mansão... - Sendo mais rápido, ficou na minha frente como aqueles seguranças de rodovias que jamais liberam até terminar a vistoria e emitir a terrível multa. - Mas, eu queria você em minha casa... Seria perfeito se o mundo - Ele tentava me encarar, mas eu não conseguia retribuir devido ao medo, persistindo desviando atordoado. - Desabasse e fossemos condenados a padecer neste estreito vão.

 

Pera.

 

Como assim?

 

Eu o fitei desacreditado.

 

Ele realmente estava dando em cima de mim? Quer dizer, da governanta recém-chegada na mansão. Fiquei com vontade de puxar a peruca e lhe revelar todo o meu plano. Aquele medíocre molestador de empregadas não merecia deitar na cama da minha esposa. Aproveitando minha indignação, ele enlaçou minha cintura e me trouxe para mais perto.

 

Furiosamente vermelho, empurrava o cínico molestador tentando controlar as lavas da minha ira que ameaçava entrar em erupção.

 

Ignorando-me, ele se aproximou do meu ouvido e sussurrou com aquele quente hálito que misteriosamente esquentou todo meu corpo.

 

— Ainda assim... Isto estaria muito errado, pois você não é a pessoa que eu amo. De certo modo, pelo menos. Eu não quero confundir as coisas.

 

Ele me soltou, permitindo meu afastamento. Eu aposto. APOSTO. Que Eduardo já havia descoberto minha verdadeira identidade e só esperava o momento certo para arremessar na minha cara sobre quanto fui incompetente com a minha esposa. Era impossível para alguém tão desconfiado e atencioso ser enganado daquela forma ridícula.

 

Meu coração acelerou demais, temendo que meu nome fosse pronunciado naquele sussurro. Aquele plano não tinha fundamento.

 

Eu deveria fugir enquanto tinha tempo.

 

Tentando aparentar normal, espanei o vestido para desviar do olhar dilacerador de Eduardo. Realmente, pela seriedade da expressão, o amor por Oríntia era algo bastante sério. Ainda assim, por que eu nunca soube de nada? Talvez, minha enorme consideração não fosse recíproca.

 

— Então, posso te levar?

 

— Não, obrigado. Eu pegarei um ônibus.

 

— Eu faço questão. Gostaria de conversar com alguém sobre a pessoa que eu amo.

 

— Por que não conversa com ela? As coisas ficam mais claras. – A porta parecia distante, mas apressei o passo para sair daquele cômodo e desaparecer daquele local. Eu até arranjaria outra maneira de salvar minha esposa, se ainda fosse possível. – Poderia abrir a porta?

 

— É o que estou tentando fazer... – Ele bronqueou em baixo som quase como uma birra, certamente irritado. Evidentemente, não gostaria que eu escutasse.

 

Arremessado sobre o sofá da sala, o aparelho telefônico vibrava timidamente pela milésima vez.  Eu aguardava procurar a chave já na porta da sala, observando o aparelho com o grande número na tela touchscreen.

 

Não estava curioso, mas eram várias chamadas perdidas do mesmo número.

 

Aguardando, eu me aproximei um pouco do sofá.

 

O insistente voltou a tocar.

 

Quando sentei naquele confortável móvel, a tela virou para baixo.

 

Mal-di-to. No mesmo instante, o maldito parou de tocar.

 

Rapidamente, peguei o aparelho para conferir, mas estava bloqueado.

 

Eu desistiria, quando o número reapareceu.

 

Um número bem conhecido.

 

O número de Oríntia. 


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