A governanta escrita por Sirukyps


Capítulo 12
Capítulo 12




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Um número bem conhecido. Era o número de Oríntia, o qual eu passei dias ligando e nenhum sinal. Será que os sequestradores estariam usando seu aparelho?

Era a única explicação razoável.

Talvez, ela fugiu e eles queriam notificar para descobrir o que fazer. Fiquei intimamente feliz, logo, ela estaria nos meus braços novamente.

Pensei em atender, contudo, eu terminaria estragando tudo se fosse eles. Assim, coloquei o celular no local e me levantei discretamente.

No mesmo momento, meu amigo retornou com as chaves.

Parado na porta de entrada da sala de estar, o maldito me fitava, fazendo a chave rodopiar em seu dedo, aguardando minha mudança de ideia. Teimoso, eu sabia como aquele mimado jamais desistia até ter a vontade satisfeita.

— Poderia abrir a porta? – Insisti, franzindo o cenho como se não compreendesse sua expressão.

— Sabia que aqui não passa ônibus para a mansão?

— Eu pego dois, três. Não vejo problema. 

— Daqui a duas horas os ônibus vão parar.

— Então, é bom eu adiantar para já está em casa.

— Então, eu não vou abrir a porta. – Provocando-me, continuou. – Vai arrancar a chave da minha mão? 

Suspirei.

Suspirei profundamente e me virei para a porta de madeira.

Ela era mais fácil de remodelar do que a decisão do meu amigo. Em outra situação, provavelmente eu pularia a janela enquanto gritava para que ele se ferrasse. No entanto, agora eu era uma governanta e precisava me portar como uma prendada dama. Eu detestava me render aos seus desejos egoístas, no entanto...

— Está bem, senhor. Eu o acompanharei em seu carro.

Sorrindo vitoriosamente, ele desceu até a garagem e logo entramos no veículo. Eu mordia a parte interno do meu lábio inferior buscando dissipar a raiva. Ás vezes, Eduardo conseguia me tirar do sério de modo indescritível.

Não havia árvores, florestas, assim, embora desconhecesse o caminho, eu tinha a impressão que íamos pelo trajeto mais longo, pois o entardecer desaparecia, restando apenas estrelas estampadas no negro véu.

Para compensar, findamos em um terrível engarrafamento.

Meu amigo puxava conversa, contudo eu me limitava a monossílabas respostas, permanecendo com o rosto recostado contra o vidro do carro a espionar o distante céu.

Pelo menos, tive um pouco de sorte pelo agradável horizonte. As águas marinhas tranquilas pareciam sugar as estrelas. Sim, uma a uma, cada estrela do céu ia caindo naquela imensidão aquosa.

— Estrelas, Eduardo. Estrelas caindo. – Confesso que me animei um pouco, arrumando minha postura e prontificando-me em fazer pedidos.

— Uma chuva de meteoros!

— Sim.

— E nós aqui. Presos neste engarrafamento. – Esmurrou o volante, bastante zangado.

— Abandona o carro aqui e vamos correndo até a praia fazer pedidos. – Brinquei e ele realmente desligou.

— Não, cara. O guincho irá pegar seu carro. Ligue esta droga. – Analisando a passagem da outra rodovia, percebi a existência de um desvio.

Em contrapartida, teríamos que realizar todo o trajeto de volta. Um pouco intimidado pela minha contida fúria, meu amigo terminou obedecendo. Quando estávamos livres, ele dirigiu até uma parte escura da praia.

Após estacionar, retirou os sapatos e foi em direção aos locais mais vazio. Eu o segui. A areia incomodava quando infiltrava naquela meia calça cor de pele, tornando meus passos cada vez mais pesados.

Permanecemos sentados próximos a negras pedras marinhas, admirando o bonito espetáculo. Até o meu sono se mesclou à areia, caindo como cada uma das fascinantes estrelas que cortavam o céu.

— Tantas estrelas cadentes... – Comentei.

— Pena que eu não trouxe uma câmera. – Suspirou. Eu sorri sem jeito, pois eu era a pessoa que amava fotografar. No colégio, almejava ser fotografo e viajar o mundo para eternizar bonitos momentos que não mereciam ficar no anonimato. – Teria uma pessoa que amaria fotografar.

— Quais seriam seus pedidos? – Interrompi, visando trocar de assunto.

— Eu trocaria todos por um pedido. E você?

— Acho que paz, tranquilidade... – Fitei a areia, vagamente angustiado. – A melhora da minha mãe...

— Sua mãe está doente?

Assenti positivamente, sem nem mesmo compreender o motivo para tocar naquele assunto.

— O que precisar, pode contar comigo. Eu também quero que ela melhore, apesar... Apesar de nem a conhecer. – Prontificou-se meio sem graça. – Você... Você é uma pessoa admirável e... Por isto... Merece que sua mãe fique bem, senhora governanta.

Eu agradeci o atrapalhado elogio através de um sorriso também sem jeito. Ele parou de me olhar e voltou a fitar o céu. Naquela situação, seria melhor se Oríntia estivesse aqui. Apesar... E se, realmente, fosse ela ligando? E se eles... Certo, eu era o marido perante a legislação, ainda assim...   

— E seu pedido.... É sobre a pessoa que você ama?

— De certo modo... – Ele respondeu pensativo. – Acho algo egoísta, mas eu só queria que ela nunca me esquecesse como jamais a esqueci. Queria que fosse recíproca a forma como domina meu pensamento e... Seria extremo egoísmo pedir que me amasse. Por isto, só queria acordar ao seu lado e perguntar o que desejaria para a janta.

— Talvez, ela desejasse morangos ou algum prato francês...

— Pelo que conheço, sei que não pediria isto. – Fitou-me. Havia tênue alegria em sua face sonhadora. Preferi ficar calado, afinal ele deveria conhecer Oríntia por muito mais tempo. Como também, poderia não ter consciência de todos os seus gostos assim como eu. – Todavia... Acho que queria reviver a noite do seu noivado e modificar muitas coisas.

— Ela é casada?

— Infelizmente. Com uma pessoa horrível.

— Talvez, esta pessoa não tenha tido tanta escolha... – Desconcertado, nem sabia como reagir ao adjetivo certeiro.

— Não. Ela sempre desejava me atormentar e planejou tudo só para me causar ódio. Acho que a mataria se pudesse reviver a noite daquele noivado e sequestraria a pessoa que amo, mesmo contra sua vontade.

— O direito à vida sobrepõe todos os outros direitos na legislação brasileira.

— Eu, realmente, não me importo.

Um calafrio percorreu minha coluna vertebral.

E eu ali, sentado ao lado daquele que sempre tive consideração. ELE era a pessoa horrível. ELE que pegava a cadeira da sala de aula para sentar ao meu lado. Ele... Eu não acreditava! Ele, realmente, almejava me eliminar para que pudesse viver com minha esposa.

De repente, as estrelas não tinham mais tanto brilho e eu apenas desejava retornar para mansão. Aliás, eu fugiria daquele lugar assim que possível.

Eu só queria conversar mais uma vez com Oríntia e compreender seus sentimentos. Talvez, fosse melhor optar pela felicidade daqueles dois, no fim das contas.

Porém, meu ami... Eduardo estaria preparado para cuidar dela?

Ele tinha uma forma muito sádica de demonstrar seu amor, pelo que eu havia notado nos últimos meses. Poderia ser raiva pela minha presença, no fim das contas.

— Mas... Você a perdoaria se ela te escolhesse e abandonasse a pessoa atual? Promete que cuidaria dela?

Não obtive resposta. Incomodado, pensei em levantar, porém seria extremamente estranho. Supostamente, eu não conhecia Oríntia e nem a mim. Eu era a nova governanta que começava a adentrar naqueles segredos há dois dias. Só nunca imaginei que Eduardo me odiasse tanto, ou ele teria começado a cultivar este sentimento no dia do noivado?

— Acho que ter o seu amor é muita sorte, senhor Eduardo. Só, por favor, não machuque quem você ama. Em vez disto, façam recordações. Comprem presentes. Sim, você pode lhe presentear com algo inesquecível... Algo que ficará marcado em sua lembrança para sempre.

— Um presente...

— Sim. Não é necessário ser algo material. Apenas algo que faça aquela pessoa se sentir especial. Diga que a ama quando acordar... E eu... Eu realmente espero que vocês sejam felizes.

— Que presente simbolizaria um “Eu te amo para sempre e desde sempre”?

— Acho que flores combinam com garotas e o rapazinho que trabalha na mansão entende bastante sobre o assunto.

— Flores não serviriam para esta pessoa, em particular.

— Joias?  Ainda não conheci uma mulher que despreze caras joias?

— Mulheres superficiais. Como também, isto jamais combinaria com a pessoa que amo. Se fosse o caso, eu compraria um colar daqueles de duas metades, mas esta pessoa arremessaria em meu rosto proferindo palavrões agressivos.

— Mas aquilo não é nada discreto, ca... Senhor. Até eu lhe bateria, com certeza. – Brinquei rindo, embora, no fundo, falasse sério. 

— Eu bem sei. Então, me ajudaria a escolher o presente?

— Sim, depois podemos marcar um dia.

— Quero ir agora.

— Agora... Já está tudo fechando.

— O shopping está aberto. Sempre tem aquelas lojas estranhas com uma diversidade de coisas nada haver. Preciso de sua ajuda para escolher algo... Por que... Acho que você entenderia melhor esta pessoa... – Levantando-se, espanava a areia da calça, enquanto pontuava. - Sabe né, garotas compreendem melhor estas coisas.

 - Sim. Eu acho. – Disse meio irritado com o: “garotas, compreendem melhor destas coisas”.

Permiti que me vencesse novamente, mas eu era sua governanta no fim das contas e queria apreciar os últimos momentos ao seu lado já que nossa antiga amizade já não existia mais.


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