Densetsu Sukareto escrita por Chiharu Amaterasu


Capítulo 2
Abalo


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem da leitura ^^



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Moara tinha 17 anos, cabelos pretos, que ao sol ficavam azulados, herdados de seu pai e os olhos verde oliva que, na família, eram um mistério de onde tinham surgido. Absolutamente ninguém, pelo menos que conheciam, havia nascido com olhos daquela cor. Descendente de indígena por parte de mãe e conhecendo praticamente todos os familiares, as chances eram nulas e seu pai não tinha parentes com aquela característica. Felizmente, havia recebido as madeixas do patriarca, o que deixava sua mãe livre de acusações. Não era algo de todo importante, então ninguém procurou saber do que se tratava, e se tentassem, não encontrariam a resposta.

Estava extremamente ansiosa. O ensino médio havia acabado e agora esperava inquieta os resultados do vestibular. O ano anterior inteiro se esforçara muito nas horas livres. Fez cursinho, prestava bastante atenção nas aulas e aprendeu, com muita dificuldade, a estudar no barulho. Para ajudar em casa e comprar suas próprias coisas, trabalhava de recepcionista numa pizzaria com Maria, sua amiga garçonete, que a acompanhou naquela jornada também. Aspiravam uma boa carreira, ao menos para ganhar o suficiente e não ter que se preocupar com moedas para pagar as contas e poderem viver bem.

Moara teve mais sorte, na recepção só precisava aguardar o telefone tocar, falar com alguns clientes e vez ou outra ficar de olho em algum possível problema. Então conseguiu estudar mais que Maria, mesmo com muito barulho de conversas e gritos eufóricos dos clientes. Fez a prova e ficou até o último minuto verificando se havia feito bem. Assim que terminara o último dia de vestibular, desejou pular o resto de novembro para o final de janeiro, quando receberia o resultado, porém as coisas não saíram como o planejado. Por algum motivo, na sexta o site saiu do ar e, no domingo, ainda não haviam arrumado. Alguns alunos conseguiram ver suas notas, mas a grande maioria não. Moara e suas amigas estavam no grupo da maioria.

Ela, Maria, Margaret e Joana haviam decidido ir em uma excursão: um parque de diversões. Joana dirigiu com uma carranca até o destino já que as três dormiram quase que instantaneamente. Moara sentou no banco de trás com Maria, que logo adormeceu. Tinham trabalhado na noite anterior. Pediram ao chefe para liberá-las, por nunca terem atrasado ou faltado naqueles dois anos de trabalho, e ele consentiu.

As quatro garotas esperavam o resultado do vestibular. Estressadas e ansiosas, decidiram espairecer, talvez um pouco de adrenalina ajudasse. Principalmente à Moara, que havia ficado insuportavelmente nervosa. Toda vez que começavam a falar sobre o assunto, sentiam um peso nas costas, imaginavam ser a tensão de todas juntas.

Moara demorou um pouco mais para dormir, estava esperando passar por aquele lugar. Ao lado da avenida, aquele local esplêndido que só ela via. Em fotos, o lugar era o que os outros enxergavam, uma casa velha abandonada que ninguém se interessava. Com os próprios olhos, no entanto, admirava uma construção neoclássica. Havia muitas janelas e era uma construção bem grande. Moara se perguntava o que era, já que não parecia abandonado.

Desde que se lembrava, podia ver aquela construção quando passava por ali. Com todos que comentava, era sempre a mesma coisa, diziam não ver e brincavam que estava louca. Apontavam para o local e diziam que não tinha nada além de uma casa velha e que estavam impressionados como ninguém havia se apropriado daquilo ainda, e esqueciam do assunto em questão de segundos, o que a deixava confusa. Isso quando simplesmente não cortavam suas falas no meio e começavam outro assunto.

Não era possível que não vissem algo daquele tamanho! Adormeceu assim que passaram pelo lugar, ainda pensando, como sempre, no que seria e por que só ela via.

Todas acordaram com a motorista chamando-as e avisando que tinham chegado. Era um pouco antes das nove. Tinha alguns carros ali, mas acharam estranho, aquele era o tipo de lugar que não devia ter pouca gente assim. Maria pegou o celular e procurou na internet, deu risada.

— Margaret ficou encarregada de comprar os ingressos e não olhou o horário de funcionamento? — perguntou, reconfortando-se no banco. — Só abre às dez.

— O quê?! — Margaret se exaltou. Olhou para Maria, que estava atrás.

Maria, com os olhos fechados, mostrou-lhe a tela do celular.

— Ops. — Deu uma risadinha nervosa.

— Então agora, EU vou dormir! — decretou Joana.

Fechou as janelas e ligou o ar condicionado. Ainda era verão e o sol, como de costume, não estava para brincadeiras. No caminho, as janelas abertas e a velocidade diminuíram o sofrimento, mas agora ficariam ali paradas por um pouco mais de uma hora. Ficariam defumadas sem aquilo. As três dormiram logo e antes de se juntar às outras, Moara checou o site do vestibular para verificar o resultado, que continuava fora do ar.

A garota sonhou com uma balança e um céu pouco estrelado. As estrelas se ligavam lentamente formando uma balança de pesos. Não era um sonho que participava, sentia que assistia a uma imagem viva. Não tinha mais nada ali, só o céu dando destaque à constelação de libra, onde os pontos se ligavam num movimento calmo. Ao terminar, o desenho apagava e começava tudo de novo, primeiro as estrelas acendendo-se uma por uma, devagar, depois os traços conectando-as.

Acordou com Maria a chacoalhando e dizendo que já era hora. O porta-malas estava aberto e as outras duas tiravam as mochilas de lá de dentro, por ali mesmo, pelo espaço do banco de trás entregaram a dela. Lembrou-se do sonho.

“Eu devo emagrecer? Ou fazer direito?”

Não acreditava naquelas coisas de sonho, mas era divertido pensar sobre seus significados. Ainda assim, poderia ser um sinal? Escolheu psicologia, um curso que não tinha muita certeza, mas queria fazer faculdade. Como todas ali, acreditava que aquilo a faria ter uma vida melhor.

Sua mãe já começava a ir ao hospital constantemente se queixando de dores. Moara estava preocupada com futuras doenças e queria ter como, ao menos, comprar os remédios e pagar consultas com bons médicos caso necessário. Além disso, também queria dar mais conforto para a família. Os móveis que tinham eram tão vagabundos que de uma hora para outra quebravam ou entortavam, sem mais nem menos.

Espreguiçou-se, colocou a mochila nas costas e desceu. Havia uma multidão e um falatório na entrada, todos em fila. O estacionamento, agora sim, parecia muito além de uma concessionária, talvez um pátio de veículos. Sol era sempre bom para sair, mas já estavam queimando com aqueles poucos minutos fora de uma cobertura. Consolavam-se pensando que se estivesse frio ou chovendo não seria bom.

Mas estava tão quente...!

Depois da entrada, estavam livres para fazerem o que quisessem. Contudo, ainda na fila, Moara olhara três vezes o site da universidade.

— Para onde? — indagou, olhando de um lado para o outro indecisa. Tinha tanta gente indo para lá e para cá.

— Sei lá, direita? — Maria deu de ombros. — Enquanto isso vamos procurar um mapa — aconselhou já andando.

— Eu quero ir na montanha russa e no elevador — começou Moara.

— Socorro, vamos com calma, ok? — pediu Maria com preguiça. — Ainda são dez horas, ainda tô com sono. Vamos em algum brinquedo com água para acordar e refrescar. Colocou tudo dentro de uma sacola para não molhar? — questionou vendo as três confirmarem com a cabeça. — Tobogã, aí vamos nós.

Em fila de novo, Moara tirou o celular da mochila e checou novamente o site, fora do ar.

— Quando é que eles vão arrumar hein? Já vi gente comemorando a nota na internet — dizia a garota, impaciente, chacoalhando o pé.

— Não começa, por favor! — pediu Margaret. Não queria ter que lembrar daquela situação.

— Veio aqui para ficar olhando isso? Esquece um pouco, também tô ansiosa, mas não tem o que fazer. Já xingaram bastante na internet e ainda não resolveram, agora é esperar mesmo, ficar ansiosa não vai acelerar e nem colocar o site no ar. Se não der esse ano, talvez no próximo, só não podemos perder as esperanças. Então deixa para lá, já que... — aconselhou, tirou da bolsa um leque e começou a se abanar. — Vamos derreter antes de vermos o resultado — riu.

Moara concordou com a cabeça se abanando com a mão e chegando mais perto de Maria para receber o vento que vinha dela também.

Ouviram um grunhido de metal sendo amassado. Olharam-se desconfiadas, nada ia cair né? Não foram as únicas, algumas pessoas também se agitaram. Quando a fila andou mais um pouco, viram que era uma parte das grades que guiavam as filas, estavam amassadas como se fossem latinha. Quem estava perto dizia que amassou sozinha e de fato, não havia feito barulho o suficiente para ter sido de alguma outra forma. Ninguém havia passado ali. Será que era um delírio coletivo? O sol estava insanamente quente, nem a sombra podia auxilia-los.

O meio-dia chegou bem rápido. Até aquele, momento havia andando em somente dois brinquedos e isso porque escolheram bem, pois outros estimavam filas de mais de duas horas. Acharam um lugar mais fresco para almoçar e fizeram ali um piquenique com os lanches que levaram. Sem toalhas para forrar, sem cesta, somente as mochilas, os sucos, os sanduiches e alguns salgados enrolados em papel filme.

Quando já estavam comendo e falando do calor, o celular de Margaret vibrou e ela o pegou. Era um e-mail dos organizadores do vestibular pedindo e dando desculpas pelo inconveniente, em seguida avisando que o site já estava no ar. A garota arregalou os olhos e enquanto apertava no link, contava a novidade.

— Finalmente, finalmente voltou!! — comemorou sem conter a ansiedade e alegria. Todas pegaram seus celulares, mas o de Joana e Moara estavam sem sinal.

As outras mostravam uma ansiedade enérgica e Moara sentia seu corpo todo tremer, enquanto esperava Maria conferir seus resultados e ceder o celular a ela. Por dentro, sentia-se fria, cerrava as mãos apertando bastante a palma com as unhas na tentativa de ficar calma. Comeu mais um salgado, sentiu sua pressão abaixando e começou a mexer a perna, ao passo que olhava para os lados vendo as pessoas irem e virem. Nenhuma pareceu estar se importando com aquilo naquele momento.

— Que perigo! — ouviu uma voz feminina.

Estavam mexendo em uma das pedras e constataram que elas eram pesadas. As duas amigas se olharam com um olhar de estranhamento que se foi ao ouvirem a outra amiga.

— Consegui uma boa nota! — comemorou Margaret sorrindo. Levantou-se e começou a dar pulinhos.

Logo em seguida, Maria dizia o mesmo com lágrimas nos olhos e, com a mão tremendo, entregou o celular à Moara. A garota viu a amiga dar gritinhos e manter um sorriso que não conseguiu desfazer. Moara estava feliz sim pela amiga, mas o sorriso que esboçou, para si, pareceu falso. Não conseguiria fazer melhor até ver seu resultado.

— Preciso ir no banheiro — avisou Maria, puxando Moara que se deixava ser levada com o olhar fixo na tela, esperando a página carregar. — Eu não acredito, eu não acredito! — disse animada dentro do banheiro, lavando as mãos. — Não conseguiu ver ainda? — Virou-se para trás para encarar a garota.

Aquilo estava demorando demais. De fato, a página havia ficado lenta quando tentava logar.

No instante em que Maria terminou a pergunta, o algoritmo finalmente reconheceu os dados de Moara. Seu coração começou a bater mais rápido. Com os olhos arregalados e cheios de lágrimas, desviou-os da tela, olhou um pouco para baixo, para o antebraço, e sentiu uma enorme dor ali. O braço parecia pesar muito mais. Respirou fundo para aliviar e tentar acreditar naquela tragédia: não tinha conseguido uma boa nota. No movimento da respiração ouviu seu osso estalar.

Ainda aflita com as lágrimas escorrendo violentamente pelo rosto enquanto soluçava, seu braço doeu ainda mais. Havia quebrado. Gritou de dor. Levou a mão ao braço machucado e levantou o olhar para a parede à frente. Ela explodiu, levantando muita poeira. Maria, que estava prestes ajudar a amiga, virou-se de costas para se proteger. Cercou a cabeça com os braços, mas uma pedra acertou suas costas, fazendo-a se encolher. Moara virou a cabeça para o lado com os olhos apertados, sentiu algo cortar a pele do braço e acertar sua testa com força. Uma mulher que entrava no recinto recuou no momento, mas não se safou de ser atingida pelos fragmentos de pedra. Outra que lavava as mãos, também foi acertada por uma pedra no joelho, caindo no chão.

Passado o barulho, o trio olhou para frente, um enorme buraco na parede de tijolos. Algumas pessoas olhavam por ele, assustadas. Do lado de fora, mais algumas vítimas, duas em estado bem pior. A cabeça de uma criança e a nuca de um adulto sangravam. Este último estava desmaiado, sendo socorrido pelo público, que retiravam as pedras de cima dele e temiam que ocorresse outra explosão. O irmão mais novo do garoto chorava assustado e os pais desesperados, com a criança sentada no chão, sem entender nada, estranhando o silêncio dela, mesmo machucada. As três ali dentro ficaram estáticas observando tudo, não conseguiam raciocinar e sequer cogitar que o resto poderia cair também. Moara se sentiu muito cansada de repente e o braço já não pesava tanto como antes, porém a dor não ia embora, fazendo-a lacrimejar. Maria foi quem acordou do transe primeiro, ajudou Moara a dobrar o braço e a guiou para fora, sendo seguida pelas outras. Foram até a porta onde Joana e Margaret esperavam aflitas.

— Meu Deus! O que aconteceu? — Margaret exaltou-se, assustada com o estado das duas.

As roupas e o cabelo sujos, a testa e o braço de Moara sangrando, além do inchaço no mesmo braço da garota. Maria andava fazendo careta de dor.

— Só Deus sabe — respondeu Maria, sentando-se aos pés delas.

Os funcionários vieram logo e dispersaram a multidão. Encaminharam os feridos para a enfermaria e depois de uma hora duas ambulâncias chegaram para levar o homem e a criança. Nas costas de Maria ficou um hematoma, mas ao que tudo parecia, nada grave. Um anestésico para dor e o tempo cuidariam de tudo. Moara estava agora com o braço inchado e muito sensível, ninguém entendeu como o braço poderia ter quebrado sozinho. A garota já dissera que estava tudo bem e do nada sentiu uma grande dor antes da parede explodir. Então, a ideia de uma pedra acertando-a fora descartado, não tinha como aquilo acontecer.

— Você já estava assim antes? — questionou a doutora passando um spray no local.

— Não — respondeu não entendendo bem a pergunta.

Claro que não estava, como iria para um parque de diversões com o braço daquele jeito?

— Caiu alguma coisa em cima dele? — perguntou ela novamente, olhando e olhando e olhando.

— Não — respondeu de novo, já era a terceira vez que a mulher perguntava. — Começou a doer do nada um pouco antes da parede explodir. — completou como das outras duas vezes.

— Não tem como um braço quebrar do nada, alguma coisa aconteceu... — informou ela.

“Tá, mas eu não sei o quê”, pensou Moara já um pouco irritada.

— Que estrago hein. — Assobiou impressionado.

O ajudante da médica entrou de maneira divertida, vinha de costas com a visão para o lado de fora, tentando ver o estrago no banheiro feminino. Moara não prestou muita atenção nele, só no cabelo, que tinha o comprimento até o queixo, não era o padrão de homens da área da saúde, não que ela já tivesse visto.

— Não cai muito bem para um parque de diversões coisas assim — comentou rindo, indo até a garota.

A mulher se afastou e esperou de braços cruzados, impaciente. Odiava a personalidade dele.

— Que estrago hein — comentou, desta vez se referindo ao braço de Moara. — Quantos anos tem?

— Dezessete.

— Seu nome?

— Moara

— Moara... — murmurou ele.

— É... Moara — confirmou um pouco constrangida, pensando em alguma possível piadinha que ele pudesse inventar com seu nome.

A mulher revirou os olhos e o empurrou de leve, um: “saia do caminho”.

— Isso tudo e mais um pouco está na ficha dela em cima da mesa, Eduardo. — avisou a mulher rolando os olhos.

Depois de mais algumas olhadas que não levaram a lugar nenhum, pediram para ela ir ao hospital para verificar aquilo. Saindo da sala e passando perto de um Eduardo sorridente, ainda se divertindo muito, ouviu a voz dele sussurrar:

— Curioso... Muito curioso — declarou, olhando fixamente para ela com um sorriso menor contendo o riso.

Moara o olhou, mas logo desviou, sentiu um pouco de medo. Quem ria após um acidente daqueles?

A área fora interditada, a polícia e os bombeiros trabalhavam, chamando olhares curiosos que haviam perdido o espetáculo e os que passavam ali para ver o que tinha acontecido. Uma viatura as escoltou até o hospital mais próximo. Depois de poucos minutos, Joana e Moara entraram no consultório e ouviram o mesmo, não sabiam o que estava acontecendo, receitaram alguns remédios que poderiam ajudar e recomendaram exames.

Porém aquele não fora o dia mais estranho da sua vida, este o seria alguns dias depois.

 


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Notas finais do capítulo

O que acharam? Gostaram? Espero que sim, até mais!



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