Densetsu Sukareto escrita por Chiharu Amaterasu


Capítulo 3
Susto


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem da leitura ^^



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Já havia perdido as contas de quantas vezes aquele casal passava pela frente da sua casa. Moara começou a achar estranho. Pareciam procurar algo, continuavam o caminho e depois de alguns minutos voltavam olhando de um lado para o outro. Podiam estar perdidos, mas a possibilidade de estarem procurando alguma casa para assaltar também lhe ocorria. Olhava de esguelha pela fresta da cortina que tampava a janela do seu quarto no segundo andar. Sua mente estava bastante ocupada pensando no que o casal queria. Nele, no seu braço que quebrara magicamente e no sonho da noite anterior que novamente lhe mostrava uma balança.

—-------------

Enquanto isso, do outro lado da rua, Carlos começava a ficar mau humorado. Gália tinha dito que sabia o endereço, que havia pesquisado o lugar e que seria fácil achar, porém se deram com um imprevisto. Muitas casas não tinham números, então a direção se tornava cada vez mais difícil. Parecendo duas pessoas suspeitas, sentiam estar num labirinto. Uma rua principal e várias outras ramificações, além disso tinham casas que pareciam escondidas, uma atrás da outra cuja entrada era pelo mesmo portão.

— Gália, você disse que sabia o caminho... — reclamou Carlos, reparando em olhares desconfiados detrás de algumas janelas. Suspirou e revirou os olhos. — Ótimo. — murmurou amargurado.

— A internet diz o endereço até ali — apontou um pouco para trás — e na ficha tem o número da casa dela, então achei que seria fácil achar. Como eu ia adivinhar que a maioria das casas não tinha número ao ponto de não conseguir nos orientar? — perguntou encabulada, sem perceber os arredores.

— Que desculpa é essa? Em que mundo você vive? Nunca olhou por aí? Uma boa parte das casas não tem número! — disse, irritado.

— Por que diabos eu ia ficar reparando no número da casa dos outros quando estou andando, Carlos? — perguntou sem entender.

— Não precisa, senso comum... — disse baixo.

— Vamos achar, não se preocupe! — ignorou e se manteve positiva. — Vamos perguntar para alguém... — A voz sumiu.

Não tinha ninguém na rua naquele momento, depois da quarta passada, as poucas pessoas que estavam ali entraram para suas casas.

— Acho melhor não — aconselhou — É melhor a gente voltar para a escola e mandar outra pessoa vir falar com ela...

— Mas por quê? — perguntou a ruiva sem entender.

— Só vamos, Gália — insistiu Carlos com certa impaciência com a situação.

— Você já tentou rastreá-la? — insistiu ela.

— Já e não achei, fica oscilando, parece que a magia ainda tá decidindo se fica ou não. Está por aqui, mas... Tenta você.

Gália tentou, mas o resultado foi o mesmo de Carlos. Recuaram para a calçada quase inexistente quando um carro apareceu no início da rua estreita. Do carro saiu uma mulher de cabelo preto segurando uma bolsa e uma sacola um pouco transparente com exames. Antes de saírem da escola, os dois olharam novamente a ficha de Moara, lá constava a foto da garota e a de seus pais. Não podiam errar, seria um problema.

— É ela! — apontou Carlos, aliviado, e não dando tempo para Gália pedir calma, não podiam chegar de uma vez. — Com licença, Tainá? — chamou, aproximando-se.

Viram a mulher arquear a sobrancelha, ela o conhecia de algum lugar? Estreitou os olhos parecendo pensar. Não, não os conhecia, não que se lembrasse.

— O que deseja? — perguntou vendo a outra se juntar a ele e o carro ir embora.

Quando Moara viu o carro chegando pediu muito que não fosse sua mãe, mas Deus não ouviu. Ficou preocupada vendo-a ser abordada e desceu as escadas correndo. Ao chegar na sala, abriu a porta, seguiu pelo corredor, passou pela casa do vizinho da frente e ficou perto do portão. Com isso, os olhos se voltaram para a garota revelando quem procuravam.

— Ótimo! — disse Gália aliviada — Precisamos conversar com vocês, podemos entrar? — perguntou afobada e olhou o portão ainda fechado.

Tainá observou os dois com muita incerteza, definitivamente não os conhecia e agora estavam se convidando daquela forma. Ambos viram a hesitação da mulher e perceberam que não estavam fazendo certo. Nunca tinha sido necessário um funcionário ir à casa de algum aluno para explicar qualquer coisa. Haviam ensaiado anteriormente e as coisas não estavam saindo como o planejando. Nas simulações, a mãe dizia “sim” e não olhava para eles com desconfiança e se afastava devagar achando que eles não estavam percebendo. Moara vinha rápido para abrir o portão. Sem olhar o casal, abriu-o e sua mãe pulou para dentro. A garota o fechou novamente e entraram sem dizer nada.

Gália se sentiu derrotada, olha quem Aisha mandava para dar as boas novas!

— A gente podia arrombar o portão... — sugeriu Carlos, olhando a ruiva ao seu lado suspirando.

— Podia... — concordou ela pensando na ideia, mas logo descartou.

— Mas não vamos, né — comentou ele desanimado esperando alguma ideia dela. — Estão olhando a gente, temos que ir logo.

— Comecei a perceber há algum tempo, não devíamos fazer isso, mas... Estamos sem opções — suspirou ainda mais derrotada.

Inspirou fundo e expirou com a boca entreaberta. Não dava para ver, porém um gás sonífero era expelido. Com cuidado e movimentos mínimos de direção com a mão, a mulher jogou concentrações do gás em cada porta que via, fazendo os moradores dormirem. Enquanto isso, Carlos saiu de perto para não correr o risco de ser pego e observava ao redor para ver se haviam mais pessoas olhando. Para ele, era uma tarefa mais difícil com a qual precisava contar somente com sua percepção instintiva e seus olhos.

— Vai ser quase um sequestro — comentou ele.

Gália fez uma cara azeda, não queria pensar no processo.

Quando mãe e filha entraram na casa, uma lançou para a outra um olhar assustado.

— Quem são aqueles dois? — perguntou Tainá.

— Já faz um bom tempo que eles estão andando para lá e para cá, pareciam estar procurando alguma coisa. Devem ser golpistas ou algo assim — considerou Moara, abaixada na janela para não ser vista, olhando os dois que conversavam. Não tinham cara de pessoas ruins, mas quem vê cara não vê coração, já dizia o ditado.

— Cadê seu pai? — perguntou colocando as coisas no sofá.

— Dormindo. Chamei para almoçar, mas não quis, disse que estava cansado.

— Não é para menos, chegou às sete, trabalhar à noite está acabando com ele.

— Deve ser falta de costume, começou semana passada...

— Pode ser — concordou a mãe. — Eles continuam aí?

— Sim...

— Vou chamar a polícia — avisou Tainá com o celular na mão.

Foi neste instante que começaram a sentir um cheiro adocicado. Sentiram-se um pouco zonzas, mas também uma calma interior que nunca tiveram. Para deixá-las mais propicias a ouvirem e a aceitarem. Do lado de fora, Gália começava a se culpar pelo que estava fazendo, havia adormecido dez casas e estava drogando as pessoas que tinham que convencer. Precisaria prestar contas depois? Carlos tentava animá-la.

— Vamos lá, veja pelo lado bom, vai causar menos problemas desse jeito. E se a garota surta na hora da revelação?. Nossa missão é levá-la, ninguém disse como deveríamos fazer... — informou, pulando o portão e sendo seguido pela mulher.

— Provavelmente confiando que nós faríamos do jeito certo! — contestou a ruiva — É errado usar seus dons para benefício próprio — continuou, modificando um pouco a voz para mostrar que repetia as palavras de outra pessoa.

— Não estamos usando para benefício próprio... estamos usando para... O trabalho ficar mais rápido — explicou. Recebeu um olhar da mulher que dizia “e isso seria?” — Aisha não precisa saber — declarou cansado com a mão na maçaneta, tentando abri-la.

— Não é bem com a Aisha que estou preocupada... — falou um pouco mais baixo.

Entraram na casa e viram as duas olhando os visitantes com olhar de dúvida, porém não se alarmaram. Estavam bem tranquilas, diferente de Gália, que deu um sorriso desconcertado. Percebendo que ela não falaria, Carlos começou.

— Boa tarde! — cumprimentou.

— Gália contava nos dedos quanto tempo de cadeia aquilo poderia dar.

— É... sentem-se, por favor — pediu ele apontando um dos sofá no meio da sala. Elas obedeceram de “bom-grado” e os dois visitantes também o fizeram de frente para elas — Meu nome é Carlos e esta é Gália, somos da Escola de Magia de São Paulo...

— Magia? — perguntou Moara em dúvida.

Carlos ficou mais aliviado, não haviam ficado tão lentas.

— Isso, magia. Recebemos um alerta de que havia um novo mago. Vimos o estrago que você fez naquele banheiro e é perigoso que alguém sem controle ande por aí, então a gente tá aqui para lhe... lhe... convidar para frequentar nossa escola, evitando que mais alguém se machuque. — explicou sem jeito e meio por cima.

Havia tomado o cuidado para não assustar, porém “convidar” não era bem a palavra, ela TINHA que ir.

— O quê? — perguntou a mãe, achando aquela história esquisita. Conforme falavam, a cabeça das duas ficava mais clara e o sono se esvaia um pouco. — Vocês chegam falando de magia e querendo levar minha filha? O que vocês estão pensando? Que tipo de golpe vocês estão tentando dar? Eu vou chamar a polícia!

— Não! Não, não é necessário — pediu Gália levantando e olhando nos olhos castanhos da mulher ao tentar impedir que se levantasse. — Junto com a sociedade comum convivem várias pessoas que podem usar magia em grande escala, ou em menor... — pensou melhor em quais informações dar, atrapalhando-se um pouco —, isso não importa. Essas pessoas despertam a magia aos doze anos...

— Moara não tem doze anos — interrompeu a mãe.

Por via das dúvidas Carlos já havia invocado o celular da mais velha para sua mão e o escondeu discretamente atrás de uma almofada atrás de si. Devia ter outros, mas pensaria nisso quando precisasse. Olhava ao redor com cuidado.

— Sim, sabemos. Não há casos de pessoas que despertam depois dessa idade. Talvez alguns dias depois ou antes do aniversário, algumas famílias têm exceções, sabe? Mas comumente todos despertam nesta idade. Temos meios para rastrear novos magos, nunca foi preciso estar atento a eles, por isso houve negligência e acabou escapando de nossos olhos esta ocorrência até explodir, como ocorreu no parque — informou olhando Moara, que de olhos arregalados lembrava do ocorrido, das pessoas machucadas do lado de fora.

— Aquilo... fui eu? — perguntou, colocando a mão na cabeça, assustada.

— Não se preocupe, sabemos que não foi por querer, mas magia também está vinculada às emoções, por isso é necessário treino e estudo, o que estamos oferecendo. Não sabemos por que seu despertar ocorreu somente agora e você não tem controle, então é perigoso que você continue aqui sem acompanhamento — explicou.

Moara não podia acreditar que podia ter matado todos naquele banheiro. Colocou as mãos no rosto e olhou para a janela que espiava anteriormente, aquilo era insano demais. Os filmes e histórias estavam virando realidade? Não, não podia ser.

— No jornal apareceu que havia sido um problema de construção — Moara avisou.

— No meio da parede, Moara? — perguntou Carlos, incrédulo, levantando uma sobrancelha.

Aqueles pensamentos e o homem a chamando pelo nome a assustaram. A janela que observava explodiu, provocando um estrondo e fazendo diversos cacos voaram pela sala.

O pai da garota, que até o momento dormia, acordou num pulo sem perceber a baba que saia de sua boca. De pé, sua visão escureceu, porém, continuou correndo até a sala e, descalço, desceu as escadas com um ferro de passar na mão, que pretendia usar como arma caso se necessário. Acabou cortando o pé e alguns cacos ficaram presos. Grunhindo de dor, continuou até estar no último degrau e fitou a janela destruída, vidro por toda parte e quatro pessoas de olhos arregalados na sala, duas delas ele não conhecia.

— O que está acontecendo? Quem são vocês? — perguntou, apontando o ferro como se fosse uma faca.

Estava assustado pela janela e não pelos estranhos.

Gália havia tido o cuidado de espalhar o gás sonífero por todas as janelas que via. Quanto aos cômodos que não podiam ser vistos, quando as pessoas que estivessem neles saíssem, seriam pegos e também dormiriam, até que os dois voltassem para a escola. No entanto, a casa de Moara fora invadida por um gás relaxante.

Gália logo começou a expelir mais gás, preocupada em convencer a família. mas acabou se distraindo da situação deles. Carlos achara que tinha tudo sob controle, então também não notou. Pensou rápido quando o vidro estilhaçado e algumas pedras começaram a ir em direção aos quatro, levantando uma barreira protetora que foi reforçada por Gália. Não que precisasse, mas era melhor prevenir. Moara agora estava mais calma e não causaria mais problemas, as pessoas machucadas começaram a sumir de sua cabeça. Carlos suspirou aliviado do susto. Que magia era aquela que explodia as coisas sem fogo?

Os dois sofás foram os únicos a não receberem vidro, o que seria a felicidade de Tainá, pois eram sofás novos. José, pai de Moara, se sentou ao lado da mulher e puderam ver o rosto cansado do homem que sentia dor e ainda não largara o ferro de passar. Os cabelos eram como os de Moara, preto-azulado, os olhos castanhos eram marcados por olheiras acentuando seu cansaço. Gália suspirou pensando “eu disse, eu disse!”.

— Espero que acredite em nós agora.

A ruiva levantou e foi até a janela destruída, arqueou a sobrancelha ao ver as partes de ferro da janela retorcidas.

“Foi as pedras?”. Olhou mais uma vez. “As pedras amassariam, não torceriam...”.

Balançou a cabeça afugentando aqueles pensamentos e fechou os olhos, visualizando uma janela semelhante. Levou as mãos para frente do corpo com a palma da mão virada para cima, e num movimento suave, levantando a mão até a altura do rosto, os destroços desapareceram e uma nova janela estava posta no mesmo lugar. O vidro, porém, não era mais como antes. Era um vidro mal feito, sujo e com várias rachaduras. A família olhava aquilo com espanto e não podiam acreditar no que viam, José mais ainda, pois viu e sentiu os cacos de vidro que ficaram preso em seu pé simplesmente desaparecerem. A mulher ainda limpou do chão o sangue e foi até ele.

— Vire o pé um momento.

Ele a olhou desconcertado, mas obedeceu. Gália aproximou a mão do corte e sem tocar o machucado, ele foi cicatrizando-se fechando, restando uma cicatriz que não demoraria a sumir. Voltou ao seu lugar.

“Sempre o pagar para ver”, suspirou de novo e perguntou:

— E então? Vão nos permitir a honra de ter sua filha na escola? — indagou com certa ironia, já estava ficando de saco cheio.

Aquilo era a convivência com Aisha? Estava pegando o mal humor dela ou a loira a testava tanto que sua paciência se esgotava cada vez mais fácil? Carlos riu, disfarçou com a mão e forçou-se a não fazer barulho.

Os pais olharam para a filha, que balançava a cabeça, afirmando atônita que iria. Algo, no entanto, a fez repensar por um instante.

— Mas... eu não posso... — disse Moara, baixo — Tenho que trabalhar, pagar o cursinho, estudar para fazer a prova de novo, não posso largar tudo e...

— Pode não ter novembro para você ou para sua família se não for. Você acabou de ver! — interrompeu Gália — Tivemos sorte que aquela janela não era um dos seus pais ou uma viga importante da casa.

— Mas vocês iam impedir que desabasse... Não iam? — perguntou a garota preocupada.

Carlos e Gália trocaram olhares para decidir se diziam a verdade ou não.

— Você pode descobrir se vier conosco — sugeriu Carlos com um sorriso com falsa animação.


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Notas finais do capítulo

O que acharam? Gostaram? Espero que sim, até mais!



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