Livrando-me das mãos dela, me virei, sorrindo. Atrás de mim, Mel estava linda como sempre, apesar dos longos cabelos pretos desgrenhados, das roupas sujas e surradas, do olhar cansado, da palidez mais intensa que o normal, dos enormes círculos roxos em volta dos olhos. Pra mim não importava a aparência dela, ela estaria sempre linda, porque seria sempre Melanie White. Minha Melanie White, pensei contente.

  Eu a puxei pela cintura e a beijei, aproveitando aquela sensação que me fazia sair do chão, perder o sentido de tempo, esquecer de tudo e de todos e imaginar que eu e Mel estamos sozinhos no mundo, sem monstros, sem deuses, sem Ventos imbecis para nos separar, sem nada: apenas eu e ela. Eu nunca havia sentido nada daquele jeito, eu sempre pensei que fosse ficar solitário para o resto da minha vida, até ela aparecer, a única no mundo que conseguia me fazer feliz de verdade.

  Não faço idéia de quanto tempo ficamos nos beijando, até que ouvimos um pigarro.  Abrimos os olhos e vimos nossa pequena platéia. Melanie apenas mordeu o lábio vermelho para não rir, mas eu senti meu rosto quente. Percy e Thalia reprimiram um riso quando olharam para o meu rosto. Que droga, eu devia estar corando.

  Se havia algo que aqueles dois sabiam fazer, era constranger as pessoas. Mais uma vez, fitei nossos espectadores. Percy com um olhar malicioso pra cima de nós, com cara de quem mal agüentava segurar uma gargalhada, Thalia nos olhava com uma sobrancelha arqueada e um olhar que parecia de cumplicidade. E a garota ruiva...

  Peraí. Garota ruiva?

  Só então percebi nossa terceira espectadora. Ao lado de Thalia estava uma menina um pouco mais baixa que ela, com cabelos castanho-arruivados, uma franja reta cobrindo toda a testa e quase tapando os olhos castanhos delineados com lápis preto borrado. Ela nos encarava com indiferença, os braços cruzados sobre uma regata preta surrada.

  — Ah, sim. — Disse Mel, ficando ao lado da garota. — Pessoal, esta é Heidi. Ela é uma filha de Hécate que encontrei em Winnemucca. Ela tem treze anos e foi reconhecida quando tinha dez, quando passou um único verão no Acampamento Meio-Sangue.

  — Eu lembro de você! — Exclamou Percy. —Foi você quem brigou comigo porque queria mudar o nome da Sra. O’Leary.

  — Sra. O’Leary é um nome muito feio e comprido pra um cachorro. Morgana seria melhor. — Contestou Heidi baixinho.

  — Mas precisava ter ficado daquele jeito por isso? Nem dono dela eu sou!

  — Mas você era o favoritinho dela. Mas não vamos discutir sobre isso. Eu tinha dez-quase-onze anos, pensa em como era minha mentalidade, pelo amor de Hades.

  — Heidi também passou uns tempos com a mãe dela no Mundo Inferior, Nico. Talvez você já tenha visto ela alguma vez por lá. — Falou Mel.

  — Acho que já vi, sim. Você não era a garota que andava sempre atrás da Hécate e aquele séquito de monstros dela com um monte de velas na mão?

  Heidi fez cara feia, parecendo ofendida.

  — As velas são para os feitiços, senhor filho de Hades. E os monstros...

  — Ei, ei. — Falei levantando as mãos em um sinal de paz. — Calma aí. Não foi por mal.

  Mesmo assim, Heidi fechou a cara pra mim. Como se já não bastassem Melanie e Thalia, agora tinha mais uma garota estressada no grupo. Beleza.

  — Eu pensei na profecia — continuou Mel. — Sobre seis retornarem. E pensei no modo tão por acaso que encontrei Heidi. Acho que ela é nosso sexto membro.

  Percy e Thalia assentiram. Mel então começou a contar tudo o que havia acontecido desde a mensagem de Íris que terminava com Annabeth encarando-a com olhos vermelhos e a faca nas mãos. Percy não fez nada tipo surtar e começar a dizer que Mel era culpada de tudo, como na mensagem de Íris. Ele já havia entendido que ela havia feito o que era certo, além de eu ter assegurado que Annabeth não estava morta. Heidi não disse mais nada, ficou apenas nos observando, e depois de um tempo ela pegou no sono encostada em uma árvore. Depois que ela dormiu, Mel nos contou sobre o cachorro de Heidi e os desentendimentos dela com a mãe, e que ela não confiava no cachorro e por isso havia dito que Heidi o mandasse embora assim que não fosse mais preciso. Achei a atitude dela correta, apesar de que um cão infernal seria bem útil para chegarmos a Tífon, mas Melanie disse que Heidi ainda poderia chamá-lo, mas que só o faria em casos de extrema emergência.

  Nos acomodamos no meio de várias árvores próximas à estrada, e decidimos que Melanie seria a primeira a ficar de vigia. Ela subiu em uma árvore e subi com ela.

  — Hey. — Ela disse ao me ver ali. Lamentei por não podermos ficar um ao lado do outro devido ao espaço. — Pensei que você fosse dormir.

  — Não. — Estendi a mão e peguei a dela. Ficamos um tempo em silêncio, simplesmente olhando nossas mãos juntas.

  — Você não faz idéia de como fiquei preocupado. — Falei finalmente. — Depois daquela mensagem com Annabeth... Eu pensei que você fosse morrer.

  Mel me olhou com ternura, um olhar que trouxe uma sensação de calor e conforto ao meu corpo.

  — Não precisava ter se preocupado tanto. Você saberia se algo acontecesse. Pior era minha situação. Eu não tinha nem como saber se algo aconteceria a você.

  Pude sentir a verdade nas palavras dela, e puxei sua mão, trazendo-a para mim. Mel acabou em cima de mim. Por sorte aquele galho era bem forte.

  Sem falar nada, passei a mão em seu rosto por baixo do cabelo preto. Meus dedos contornaram a lua em sua testa, uma marca preta que contrastava intensamente contra a pele pálida dela. Ela colocou as mãos em meu rosto e se aproximou, me dando vários beijos leves, que apesar de suaves me deixavam doido. Passei um dos braços em sua cintura e a apertei forte contra mim, tornando aqueles beijinhos leves mais intensos. Minhas mãos passavam quase involuntariamente por suas costas, sua cintura, seus quadris, e às vezes subiam ou desciam demais. Ah, eu tentava me controlar, ok?

  Quando enfim nos separamos, arfantes, Melanie voltou ao lugar à minha frente onde ela estava sentada antes. O cabelo estava ainda mais desarrumado e as roupas ainda mais amassadas.

  — Você está me distraindo. — Reclamou ela enquanto alisava a camiseta. — Imagina se algum monstro se aproximasse e fizesse alguma coisa com eles? A culpa seria toda sua.

  Não pude evitar um sorriso. — Não seria não.

  — Claro que seria. E eu não vou discutir.

  Fiquei quieto, com um sorriso bobo na cara. Imaginei como minha aparência devia estar. Mas quem se importava?

  — Vai dormir, Nico. Você também vai ter seu turno de vigia.

  — Não estou com sono.

  — Just sleep well, my angel. — Cantarolou Melanie. Eu tinha a impressão de já ter ouvido aquela música. Provavelmente no iPod dela.

  — Ok então, você venceu. — Eu já ia descendo da árvore, mas percebi que a postura de Melanie havia mudado de repente. Ela estava tensa, a pele estava ainda mais pálida e as pupilas estavam dilatadas.

  — Pare. — Ordenou. — Está ouvindo isso?

  Apurei os ouvidos. A princípio não ouvi nada, mas então comecei a ouvir um ruído conhecido, que eu ouvia toda noite em meu chalé no Acampamento. Harpias.

  — Temos que acordar os outros. —Murmurei.

  — Sim. Faça isso. Rápido! Eu vou dar um jeito nelas.

  — Melanie, NÃO!

  Mas era tarde demais, pois ela já havia se tornado uma sombra e desaparecido.