A Filha da Noite escrita por sutekilullaby, izacoelho


Capítulo 20
Capítulo 20




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/70174/chapter/20

   Heidi morava em uma casa comum de dois andares, sem nada muito diferente. O pai dela não estava em casa, era uma terça-feira e ele estava no trabalho. Comemos sobras do jantar da noite anterior aquecidas no micro-ondas, o que me pareceu ótimo, considerando que eu não comia comida de verdade há um certo tempo. À tarde, saímos para conversar mais, e fui a uma praça onde tinha uma fonte para mandar a mensagem de Íris aos outros enquanto Heidi perambulava por aí com seu cachorro. Atirei um dracma em um dos diversos jatos de água da fonte com uma prece a Íris, e pedi que me mostrasse Nico de novo.

 

  A mensagem mostrou Nico sentado em um trem. Ao lado dele Percy dormia com uma expressão infeliz, parecia estar tendo pesadelos. Do outro lado de Percy, Thalia estava com seu iPod de sempre, cantarolando distraidamente uma música sobre Las Vegas. Nico estava visivelmente entediado e olhava em todas as direções em busca de alguma distração, então nem precisei chamá-lo.

 

  — Mel! — Sua voz era carregada de alegria e alívio. Não pude evitar um meio sorriso ao ver a reação dele quando me viu.

 

  — Nico. — Falei. Percebi como minha voz parecia tímida. — Onde vocês estão?

 

  — Estamos em um trem para Seattle. Por sorte Bóreas não havia nos mandado para longe, muito pelo contrário, havia adiantado nossa missão, nos mandando para o norte de Idaho. Acho que ele deveria saber por que estamos indo para o oeste, mas queria que sofrêssemos um pouco mais nas mãos dos monstros.

 

  — Monstros? Vocês enfrentaram algum monstro?

 

  — Lâmia. — Respondeu ele. — Ela tentou nos devorar. Mas isso não vem ao caso, porque Percy deu um jeito nela. Onde você está? Como você está?

 

  — Eu estou em Winnemucca, no norte de Nevada. E estou... — Não terminei a frase. Eu não sabia bem como estava. Estava cansada, estava triste por Annabeth, estava feliz por Nico estar bem, estava confusa com os últimos acontecimentos, estava com raiva por Bóreas ter nos separado, mas grata ao mesmo tempo por ter apressado o trajeto de alguns de nós, eram tantas emoções em conflito que eu não sabia qual prevalecia. Talvez nenhuma.

 

  — Você já sabe sobre Annabeth, certo? — Perguntei com a cabeça baixa, mudando de assunto.

 

  — Sim. — Nico assentiu com o tom semelhante ao meu. — Ela não está morta.

 

  Aquilo chamou minha atenção. Annabeth não estava morta? Levantei o rosto e fitei Nico com surpresa através da fina névoa da mensagem de Íris. Nem precisei fazer a pergunta, meus olhos falavam por mim: “Como assim, ela não está morta?”

 

  — Não sei direito o que aconteceu. — Explicou Nico. — Sinto que ela está no Mundo Inferior, sim, e está viva. Mas a presença vital dela é muito fraca. Não faço idéia do que aconteceu. Não sei como ela foi parar lá nem nada. Só sei disso.

 

  — Uau! Sério? — Nico confirmou com apenas um olhar. — Oh meus deuses, Nico, você não sabe como isso me alegra. Eu pensei... Eu pensei que tivesse matado Annabeth. Pensei que ela estivesse nos Campos de Asfodelos ou algo assim.

 

  Nico sorriu, mas seu sorriso logo desapareceu assim que ele olhou para Percy.

 

  — Ele está convencido de que ela morreu. Não entendo por que ele está tão pessimista.

 

  — Deve estar em um estado de choque ou algo assim.

 

  Ficamos alguns segundos em silêncio, até ele falar novamente.

 

  — Sinto tanto a sua falta.

 

  Minha vontade naquele momento teria sido abraçá-lo, beijá-lo, pegar sua mão. Mas infelizmente estávamos a centenas, talvez milhares de quilômetros, nos vendo apenas por um jato de água combinado a um feixe de luz. Tive que me contentar com um simples olhar.

 

  — Eu também sinto sua falta.

 

  Nico ia falar algo, mas então a mensagem começou a se dissipar, e vi Heidi chegando.

 

  — Nos vemos em Seattle? — Foi o que eu disse antes de a mensagem se esvair.

 

  — Nos vemos. — Nico concordou, a mensagem já bem fraca. Então, ela se dissolveu.

 

 

P.O.V Nico

 

  Horas depois de receber a mensagem de Íris de Melanie, chegamos em Seattle. Thalia estava com seu inseparável iPod, algo que ela guardava no bolso da calça jeans surrada, uma das poucas coisas que ela não havia perdido com o furacão de Bóreas. Percy estava mais infeliz do que nunca. Paramos em uma lanchonete para comprar algo para comer com o pouco dinheiro que tínhamos e ele não quis comer nada, nem sequer beber. Ele estava com uma expressão de dor no rosto, mas não uma dor física, e sim uma dor muito pior do que isso: a dor de perder alguém que ele amava, uma dor pela qual eu já havia passado uma, e quase duas vezes.

 

  — Percy. — Chamou Thalia antes de começar a devorar seu cheeseburger. — Você tem que comer alguma coisa.

 

  Percy apenas olhou para Thalia com os olhos com olheiras enormes trazendo uma expressão de cansaço, apesar de ele ter dormido a viagem inteira, praticamente. Mas eu sabia que ele não havia dormido bem. Às vezes ele sussurrava o nome de Annabeth durante o sono, ou falava frases como “A culpa é toda sua!”. Imaginei que ele deveria estar culpando Melanie por Annabeth ter ‘morrido’, apesar de ela não ter culpa nenhuma se tinha um daemon maluco atrás delas. A situação poderia ter sido muito pior, se Lissa tivesse incorporado em Mel. Melanie era indiscutivelmente mais poderosa do que Annabeth, já que era filha de uma deusa primordial. Se Melanie tivesse sido possuída, Annabeth sem dúvida teria morrido, então Lissa dirigiria Melanie para algum lugar distante e a largaria por lá, culpada e longe de seu destino. Afinal, era esse o trabalho do espírito: causar ira, enlouquecer, matar e deixar um peso como o do céu na cabeça da pessoa.

 

  — Vamos lá, Percy. Você ainda é humano, e nós ainda temos uma missão. — Eu sabia que Thalia estava muito abalada também, mas ela levava as coisas de um modo diferente de Percy.

 

  — Então é isso? — Ele falou, finalmente. Sua voz era arrastada e sem vida. — Sua amiga é possuída e provavelmente morre e você só se importa com uma droga de um cheeseburger e com uma porcaria de uma missão?

 

  — Ela não está morta. — Falei.

 

  Percy e Thalia me olharam, dois pares de olhos claros, um verde e um azul, me encarando arregalados de surpresa. Eu podia ver a esperança em seus olhos, mas também podia ver descrença. Por algum motivo, eles não acreditavam em mim por completo. Deviam achar que eu só queria que eles se sentissem melhor ou algo assim.

 

  — Estou falando sério. Posso sentir isso. Ela está no Mundo Inferior, mas não está morta. Deve ter sido a mesma coisa que aconteceu com sua mãe quando o Minotauro quase a matou, Percy.

 

  Os olhos verdes de Percy ficaram ainda maiores, e ele continuou me olhando sem dizer nada. Thalia largou seu lanche e também continuou me encarando. Aquilo estava me incomodando, aqueles dois me encarando como se eu tivesse acabado de dizer que Cronos estava de volta ou algo assim. A única diferença era que a surpresa deles era por algo bom, e se fosse algo relacionado a Cronos seria uma surpresa ruim.

 

  Dã.

 

  — Nico... — A voz de Thalia estava carregada de entusiasmo contido. — Não... Não brinque com isso, Nico. Este assunto é sério.

 

  — Desde quando eu brinco com vocês desse jeito? Pelo amor de Hades Thalia, você sabe que eu nunca falaria algo assim.

 

  — Então é verdade?! — Agora todo o entusiasmo que parecia contido segundos antes estava sendo liberado. Thalia estava com os olhos azuis enormes, as sobrancelhas levantadas de modo que sua testa ficava completamente enrugada, um sorriso gigante no rosto. Só faltava ela sair pulando e cantando pela lanchonete, mas como alguém poderia ligar para o hospício caso visse isso, ela não deveria arriscar.

 

  — Ah, não, não é. Eu só estou iludindo vocês. Caramba, Thalia, é claro que é verdade.

 

  Thalia olhou para Percy, o sorriso sem nunca deixar seu rosto. Ele parecia em estado de choque. Estava com os olhos fixos na mesa, a boca entreaberta. Tenho certeza de que impressionado com o metal do qual a mesa era feita ele não estava. Thalia soltou um “Obrigada, pai!” baixo e voltou a comer.

 

  — Acho que não é ao seu pai que você deveria agradecer...

 

  Thalia me olhou com uma expressão tão estranha que tive de me conter pra não rir. Os olhos, enormes, demonstravam que ela não entendia por que eu havia dito aquilo, uma das sobrancelhas estava completamente arqueada, a boca formava uma expressão de desgosto.

 

  — Ah. Valeu também, tio. — Disse ela para o chão. Aquela cena foi engraçada, ver Thalia fazendo aquela cara e depois agradecendo o chão. Mais uma vez reprimi um riso, enquanto um trovão soava ao longe.

 

  — Ah, por favor, não é hora de briguinhas de família agora. — Falei encarando as nuvens subitamente negras além da janela. Se alguém de fora visse nosso grupo, acharia que somos loucos. Um ficava encarando a mesa, uma chamava o chão de tio e o outro falava de briguinhas de família para a janela.

 

  — E aí, Cabeça de Alga. Vai passar o dia apreciando a incrível arte do metal da mesa ou vai comer alguma coisa? — Perguntou Thalia a Percy, mordendo o cheeseburger com vontade.

 

  — Acho que vou pedir alguma coisa. — Percy disse, finalmente levantando o rosto e sorrindo para nós. Sua voz ainda não estava normalizada, mas havia mais vida nela. Logo ele estaria fazendo brincadeiras idiotas e devorando algum lanche como se fosse morrer amanhã. Típico.

 

  — Ótimo. — Falei assim que pagamos e saímos da lanchonete. — Agora só temos que andar 160 quilômetros até o Monte Santa Helena. Coisa bem simples.

 

  — Não tem algum outro modo de irmos? Percy, não tem nenhum pégaso solidário passando por aqui?

 

  — Não, Thalia. A não ser que ele não esteja pensando absolutamente nada no momento. Aquela vez eu senti a presença dos pégasos porque, bem, você sabe que posso ler a mente deles. E não é sempre que um bolo de pensamentos sobre capim invadem a sua mente.

 

  Percy sem dúvida estava melhor. Até sua aparência parecia melhor. Apesar de eu saber que isso não tinha nada a ver.

 

  — Outro problema. — Falei, enquanto caminhávamos rumo à saída da cidade. — Quando chegarmos lá, o que vamos fazer? Vamos ter que entrar no Monte ou algo assim? E como vamos fazer isso?

 

  — A gente vê isso quando chegar lá. — Percy disse animadamente. Ele podia ser tão negligente quando estava feliz que chegava a irritar.

 

  Caminhamos por uma estrada ladeada de árvores e arbustos verdes cheios de insetos. Ao longe, víamos o pico do Monte Santa Helena. Teríamos de arranjar um modo de nos locomovermos mais rápido se quiséssemos chegar lá a tempo. Caminhar por 160 quilômetros não é algo que dê pra fazer em algumas horas. Caminhamos por horas falando daquilo, do quê poderíamos fazer para chegar mais rápido à prisão de Tífon.

 

  Já estava anoitecendo, nossas barrigas roncavam de fome, nós estávamos cansados. Estávamos pensando onde poderíamos nos instalar quando senti duas mãos tapando meus olhos, e ouvi os passos de Percy e Thalia cessarem.

 

  — Adivinha quem é. — Sussurrou a voz de Melanie em meu ouvido, me causando arrepios e fazendo meu coração dar uma parada brusca.  


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

ae, espero que tenham gostado. Tive tempo apenas pra postar, então nem revisei nem nada. Quando puder, lerei e responderei os reviews =)
Ah, notinha sem importância: a música que a Thalia estava ouvindo era Viva Las Vegas, do Dead Kennedys. rs
Reviews? Responderei assim que puder =D