Sabe, maninho, eu sempre soube que você era diferente dos outros meninos. Pelo menos, tendo como base os outros da família, os que estudavam na nossa escola e os da vizinhança.

Nunca vi nada de errado em você brincar de boneca e casinha comigo. Assim como não via nada errado em eu brincar de carrinho com você. O problema é que os outros membros da família viam como algo ruim e isso me incomodava. E o mesmo incômodo foi se elevando a cada ano que passava e eu via apenas a reprodução de ideologias sem o mínimo de julgamento sobre o que falavam.

Nossos pais mesmo não ligavam para as nossas brincadeiras juntos. Acho que foi a melhor coisa que ele fizeram por mim e por você: Viramos melhores amigos, além de irmãos.

Infelizmente, as palavras agressivas e incompreensivas também saiam das bocas de nossos genitores.

A gente foi crescendo, desencanados de qualquer relacionamento romântico. Tanto que eu fui namorar apenas com 16 anos. E você foi apenas ficar com alguém mais ou menos nessa idade também. Não tem nada de errado nisso! Alias, não tem nada de errado no amor. Ele é justo de qualquer forma. E amor fraternal existe, amizade é uma forma de amor também!

E eu realmente havia algo de diferente com você. Diferente de um “normal” imposto por uma sociedade que nunca entenderei nem que se passem cem anos.

Nunca foi preciso que me falasse. Na verdade, isso nunca me importou. Você é meu irmão e amigo antes de qualquer coisa!

Eu sempre tive medo do dia em que você contaria aos nossos pais, da reação deles em relação a isso, por conta de tudo o que já os ouvimos falar. Todo o preconceito e incompreensão enraizados desde a infância deles.

E errada, não estava! Até te deserdar fizeram. Não queriam um filho homossexual. Alguém que queria ser mulher, que beijava homens, que dava... Enfim... Ladainhas!

Então, te acolhi em minha casa, como sempre fiz, mas dessa vez para morar comigo, já que fora expulso de casa podendo apenas levar uma pequena mochila de roupas.

Lembro de quando bateu a minha porta e me contou tudo o que ocorrerá. Também teve medo de como iria reagir e eu só falei, te abraçando: Você é meu irmão! E pouco me importa que “tipo” de pessoa você se relaciona. Esse é só mais um detalhe que faz de você quem é.

Foi um chororô mesmo, mas tanto eu quanto você estávamos precisando disso. Porque a gente sempre foi muito rebelde, segundo nossos pais.

A filha “feminazi” e o filho “viado”! Nossos pais realmente ganharam na loteria da vida. Somos as melhores pessoas!

Na verdade, até a nossa relação como irmãos era fora do normal, a gente quase não brigava. Nem lembro direito de brigas nossas! A gente só acabava machucando um ao outro sem querer durante o desespero de jogar coisas ou correr. Afobação de criança e crianças se machucam, não é?

Não acreditam que somos irmãos, já chegaram até a dizer sermos namorados. Claro que por gente que não nos conhecia.

E eu adoro ser sua irmã, eu não podia ter pedido para ter um irmão do que você. Alguém que tem os mesmos pensamentos que eu, sempre entra na zoeira comigo e que é uma boa companhia sem precisar trocar uma palavra.

Assim como eu muitas vezes precisei desabafar contigo, você também precisou da minha proteção em um dos momentos mais difíceis da sua vida.

Posso ter certeza que podemos contar um com o outro. Somos uma dupla dinâmica!