Final Destination - Desastre em O'Reoy escrita por FrancaLuke


Capítulo 13
Sobre Perdas


Notas iniciais do capítulo

Voltando a ativa haha



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Era manhã de terça-feira e Katherine Russel balançava o pé, impaciente, no banco de trás de um táxi. Estava indo para mais uma entrevista de emprego e duvidava muito que fosse gostar do trabalho: uma empresa de papéis: Pressage Paper. Até o nome soava péssimo.

  O taxista, um homem latino bigodudo, parou bem em frente ao prédio. Parecia bem antigo, como várias construções de Nova York.

  Katherine pagou pela corrida e saiu do carro amarelo, sendo engolfada por um fluxo mediano de pessoas apressadas. E, enquanto caminhava em direção ao prédio da Pressage Paper, a mulher sentiu mais uma vez um arroubo de saudades do antigo emprego em O’Reoy.

  Na recepção, atrás de uma mesa em forma de meia lua, uma mulher jovem e ruiva digitava vorazmente em seu computador, os olhos verdes fixos na tela. Estava tão concentrada que Katherine teve que pigarrear suavemente – para não parecer tão arrogante – e atrair sua atenção.

  - Bom dia – saudou Katherine, com um sorriso forçado.

  - Bom dia – a moça ruiva também sorriu, descansando as mãos furiosas. – Em que posso ajudá-la?

  Katherine aproximou-se um pouco mais da mesa.

  - Eu tenho uma entrevista marcada com o Sr. Lapman às sete horas – anunciou, ainda com o sorrisinho superficial.

  - Ah, sim – a moça alvoroçou-se, mexendo em alguns papéis. – O Sr. Lapman me disse que viria, Srta. Russel. Mas, infelizmente, ele ainda não chegou. A senhorita pode subir até o sexto andar e aguardá-lo, por favor? O elevador fica no fim do corredor, à sua esquerda.

  Katherine teve de ser muito determinada em manter o sorriso no rosto.

  Então, Richard Lapman era um chefe que chegava atrasado? Ah, pelo amor de Deus!

  - Obrigada – disse Katherine cordialmente, antes de virar-se para entrar no corredor à esquerda.

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Bethany Cassey já estava muito atrasada, quando finalmente atenderam ao celular de Patrick. Foi uma mulher.

  - Alô? – a voz era cansada e baixa.

  - Ei, o Patrick está, por gentileza? – começou Bethany, colocando a bolsa por sobre o ombro, prestes a sair do quarto em que o filho estava internado.

  Houve um silêncio incômodo do outro lado da linha.

  - Alô? – insistiu Bethany Cassey, tirando o celular da orelha e olhando para a tela. Não havia desligado. – Alôo?

  - Quem está falando? – agora era a voz de um homem, embora, decididamente não fosse a voz de Patrick. Parecia de um homem mais velho.

  - Sou a mãe de Tyler Cassey – disse Bethany, impaciente. – É que ficou combinado de o Patrick vir para o hospital, ficar com o meu filho, enquanto eu estivesse no trabalho, e até agora... Bem, eu estou atrasada, e acho que não há problema eu deixar Tyler sozinho um pouco. Só queria que o Patrick não demorasse, porque, como ele sabe, Tyler agora depende muito das outras pessoas para fazer a maioria das coisas, então...

  - Sra. Cassey – interrompeu-a a voz do homem. – Meu filho faleceu ontem à noite.

  Bethany franziu o cenho, atordoada.

  - Seu filho?

  - Patrick.

  A mulher loura boquiabriu-se, chocada. Olhou por sobre o ombro, e viu que Tyler a observava, de olhos semicerrados.

  - Patrick... – começou ela, em voz baixa. – está morto?

  - Sim, senhora – a voz do homem falhou um pouco. – Se não se importar, eu preciso desligar. Temos mais um velório pra cuidar...

  E o telefone ficou mudo.

  Bethany ficou estática por alguns segundos, o choque da notícia roubando-lhe qualquer reação. Podia sentir os olhos do filho em sua nuca, aguardando. Só que Bethany Cassey não sabia como encará-lo.

  - A senhora não devia ficar importunando o Patrick assim. – começou Tyler, às suas costas. - Sabe que eu acho desnecessário ele ficar aqui o tempo todo. As enfermeiras são pagas para fazer isso, então... Mãe?

  Bethany Cassey limpou a garganta, arriscando uma olhadela por cima do ombro, antes de virar-se totalmente.

  - O Patrick não vem hoje.

  - Tá tud... – Tyler interrompeu-se, percebendo o semblante perplexo da mãe. – Pera aí, aconteceu alguma coisa com ele?

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A manhã de terça-feira em McKinley estava úmida e ensolarada. O orvalho cobria os gramados e a copa das árvores, refletindo a brilhante luz dourada do astro rei, que se erguia no céu cada vez mais.

  Philip King corria pela calçada, com os fones no ouvido, óculos escuros, vestindo short e uma camiseta encharcada de suor. Estava acordado desde muito cedo, e decidira que não ficaria em casa até dar a hora do treino para os Jogos de Verão. Precisava muito arejar a cabeça e se desligar um pouco de tudo o que estava acontecendo. Queria voltar a se preocupar apenas em jogar bem, para ganhar a bolsa de estudos; numa maneira romântica de pedir Jessica em casamento, antes de irem para a faculdade; ou qualquer outra preocupação de um garoto comum de dezessete anos. Não queria pensar mais como alguém que estivesse prestes a morrer.

  Por isso, Phil corria desde as seis da manhã, ouvindo o seu programa de rádio favorito. As músicas o deixavam mais calmo e distraíam sua mente para outras coisas. No entanto, o locutor do programa, Brandon Lane, o levou de volta a sua terrível realidade, após uma música agitada do David Guetta.

  “Galera... acabo de receber mais uma triste notícia. Todos nós podemos notar que uma série de tragédias sobreveio em nossa cidade, nos últimos meses. Na noite passada, vimos nos noticiários a morte de mais um jovem de McKinley. Patrick Jackson, aquele garoto de ouro, cujo velório acontecerá às onze horas dessa manhã. E, acaba de chegar aqui pra mim que... uma das garotas mais populares da nossa cidade também faleceu na noite passada, num acidente horrível. Nossos pêsames à família e aos amigos de Brenda Grigori. Essa vai pra você, Brenda. Descanse em paz”.

  Phil parou de caminhar, sentindo um gelo no peito, embora estivesse suado e com algum calor. Uma música lenta e melancólica começou a tocar. James Morrison. Sabia disso porque Jessica gostava daquela música. Era romântica, mas, naquele momento, não era mais do que uma canção lúgubre que o fazia sentir-se mal por Brenda, pelos outros e por si mesmo. Estava acontecendo muito rápido... E, mesmo se quisesse, não havia como ignorar. Em breve, anunciariam também a sua morte e não havia nada que pudessem fazer.

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Say those words

Say those words like there's nothing else

Close your eyes and you might believe

That there is some way out, yeah

 

Open up

Open up your heart to me now

Let it all come pouring out

There's nothing I can't take

 

And if there's love, just feel it

And if there's life, we'll see it

This is no time to be alone, alone

Yeah, I won't let you go, uh

 

If your sky is falling

Just take my hand and hold it

You don't have to be alone, alone

Yeah, I won't let you go, uh

 

Jessica estava diante do espelho do banheiro, enrolada numa toalha, quando ouviu a notícia da morte de Brenda, e começaram a tocar aquela música.

  Seus cabelos úmidos escorriam ao redor do rosto magro e macilento. Estava feia. E não era por causa da falta de maquiagens ou porque o cabelo estava molhado... Estava feia porque parecia doente, sem luz... Era como se toda sua beleza e luminosidade tivessem sido ofuscadas por seu sofrimento. E, ouvindo aquela notícia, aquela canção, fitando seu reflexo apagado no espelho, o choro incontrolável veio à tona.

  Jessica apoiou as mãos na pia e curvou a cabeça, chorando como nunca chorara antes. Seu corpo todo sacudia, e o ar fugia de seus pulmões. Mas ela não se preocupou com isso. Não estava mais preocupada em sofrer em silêncio. Na verdade, sua vontade era de gritar... Mas não o fez.

  Sua mãe entrou correndo pela porta, vestida num roupão e com uma expressão sobressaltada.

  - Querida... – a mulher disse, enlaçando seus ombros com um braço. – Querida, o que foi?

  Jessica não respondeu. Apenas virou-se para a mãe e abraçou-a com toda sua força e amor. A mulher retribuiu o abraço, embora ainda estivesse nitidamente confusa e assustada com aquela situação. E ficaram assim, abraçadas uma a outra, como se a vida dependesse disso...

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Liu Wong estava no ginásio do Colégio McKinley e, apesar de ser muito cedo, já vestia o uniforme azul do time de futebol. Era o goleiro do time, então, não havia muito sentido ir para lá treinar sem outra pessoa que pudesse chutar enquanto ele defendia. No entanto, ele não fora mais cedo para treinar. Ele estava lá porque sabia que morreria e queria estar fora de casa quando isso acontecesse. Não queria acabar como Claire ou o professor Jamie Shawn. Não era um mero capricho. Apenas não queria que a mãe estivesse por perto.

  Liu deixou a bola no chão, diante de seu pé, e deu-lhe um chute frustrado, sem qualquer intenção de que ela alcançasse o outro gol. No entanto, ela quicou algumas vezes no chão e fez uma curva acentuada, rolando lentamente para entre as traves. Em outra época, aquilo o faria pensar o quão sortudo havia sido. Mas, naquele momento, tudo o que ele pôde sentir foi medo e a certeza de que não estava sozinho. Olhou ao seu redor, sentindo um formigamento na nuca. Ela estava lá.

  A Morte já estava à espreita.

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Estar sentado em uma cadeira de rodas passou a ser, para Tyler Cassey, a lembrança física de que tivera um amigo fiel e leal, que o salvara da morte, mas que morrera por não ter ninguém que pudesse salvá-lo. Não era humilhante. Na verdade, era só angustiante, frustrante... Aquilo o limitava muito. Talvez pudesse ter salvado Patrick, se conseguisse andar. E aquilo ficara martelando em sua cabeça por horas, desde que sua mãe lhe contara que ele havia morrido.

  Ainda não sabia como aquilo aconteceu. Ele perguntou, mas a mãe não conseguiu responder. E, desde então, Tyler ficara em silêncio. Não disse mais nada, embora em sua cabeça e em seu peito as coisas estivessem a mil por hora.

  Não queria imaginar Patrick Jackson morto. Parecia muito errado e cruel imaginá-lo sem vida. Injusto. E era estranho, porque nunca se sentira mal de verdade pelas pessoas que morriam... Como Britany Gilbert, por exemplo. Ele não se sentiu tão mal por ela e aceitou rapidamente que não poderia mais sentir a boca dela em seu corpo. Foi triste, mas crível.

  No entanto, aquela era uma situação inacreditável. E dolorosamente inaceitável.

  Tyler desviou os olhos para a mãe, que conversava com uma das enfermeiras no vão da porta de seu quarto e teve de engolir em seco para que as palavras saíssem de sua boca.

  - Eu quero ir até ele – disse, despertando a atenção das duas mulheres.

  - O que disse? – Bethany Cassey aproximou-se de seu leito, parecendo um pouco aflita.

  - Eu quero ir até onde Patrick está.

  - Mas – Bethany olhou para a enfermeira, em busca de apoio. – Você não tem condições de sair do hospital...

  - Eu vou até lá – interrompeu-a Tyler, apoiando as mãos na cama para tentar se sentar. Sentiu uma dor aguda na coluna, mas não protestou. – A senhora vai me levar até lá.

  - Não, Tyler, você...

  - Mãe!— ralhou Tyler, sentindo os olhos marejarem. – O Patrick foi quem salvou a minha vida! Eu preciso ir até lá! Pelo menos para... – ele não soube terminar a frase, e fungou, levando uma das mãos a boca. – Eu posso ir. Estou bem.

  Bethany Cassey e a enfermeira se entreolharam.

  - Eu posso ver com o Dr. Crawford – disse a enfermeira, saindo do quarto apressadamente.

  Tyler manteve os olhos baixos, porque não queria que a mãe visse o quanto eles estavam marejados. Com ainda mais esforço, puxou uma das pernas para fora da cama. Bethany logo se apressou a ajudá-lo a sentar-se.

  - Eu preciso de uma roupa decente – murmurou Tyler, trincando os dentes por causa da dor. Teve que recostar-se no travesseiro, com as pernas para fora do leito. Sua mãe assentiu.

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O time de futebol do Colégio McKinley já estava reunido no ginásio. Quase todos. E aquilo era deprimente. Não só porque faltava o capitão do time, Tyler Cassey, ou porque Paul Jackson e outro integrante do time havia morrido em O’Reoy. É claro que havia essa tristeza – e essa fosse a maior tristeza. No entanto, Tyler e Paul eram os melhores jogadores que tinham e, sem eles, o time era mais fraco. Talvez não houvesse como ganhar os Jogos de Verão.

  E era sobre isso que o treinador Bucks estava falando no momento. Segundo ele, o diretor do Colégio queria cancelar a participação da escola nos jogos, por respeito às famílias dos alunos mortos nas últimas semanas.

  -... um ato de tremenda covardia – cuspia o treinador, gesticulando os braços gordos. – Será que Paul, Jensen e Tyler iriam gostar de nos acovardarmos dessa maneira? É claro que não. E eu disse isso ao diretor. Participar dos jogos será como uma última homenagem a três de nossos melhores atletas. Vamos dar o nosso melhor e ganhar esse campeonato...

  - Alguém devia contar a ele que, provavelmente, o time perderá mais alguns atletas – sussurrou Liu Wong para Phil King.

  Phil assentiu, sem emoção.

  Quando chegara ao ginásio, Liu já estava por lá. Na verdade, alguns outros jogadores também já haviam chegado. E, ao que parecia, Liu não sabia sobre a morte de Brenda e Phil não teve coragem de contar para ele, até o momento. Esperaria o fim do treino, porque sabia que o amigo ficaria mal – não só porque fora apaixonado por Brenda durante muito tempo, mas também porque ele era o próximo. Em todo caso, estaria atento a qualquer coisa que pudesse causar a morte de Liu. Poderia salvá-lo.

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A sala de Richard Lapman era pequena e aconchegante. Os móveis eram de muito bom gosto, e Katherine duvidava muito que tivessem sido escolhidos por um homem. Ainda mais por aquele homem.

  Richard Lapman era alto e corpulento. Não devia ter mais que vinte e poucos anos, mas exibia uma carranca digna de alguém que vivera o bastante para não gostar da própria vida. Dirigira a entrevista com profissionalismo e, ao fim dela, Katherine estava contratada. Começaria a trabalhar no dia seguinte, porque estavam precisando muito que a equipe de vendas aumentasse.

  - Ainda não é o nosso problema, mas acredito que chegará um tempo em que as pessoas deixarão de usar papéis – comentara Richard, com pesar. – O homem acredita que, com os avanços tecnológicos nossas vidas vão melhorar... Que nada. Com os avanços tecnológicos, muitos ficarão desempregados e seremos escravos da tecnologia. Eu peço a Deus todos os dias que eu não viva mais nesses tempos sombrios. A empresa é muito importante pra mim e pra minha família. E eu não quero vê-la desmoronar porque as pessoas preferirão escrever ou ler em telas de computadores super modernos do que em papéis.

  Katherine abriu um sorriso afetado.

  - Mas existe um papel insubstituível para as necessidades humanas – disse ela.

  - Acha que já não pensei nisso? – Richard olhou-a com severidade. – Mas, não vamos ficar nos lamentando por causa de problemas que ainda não temos. A empresa está indo muito bem. Consegui que ela reabrisse em nossa cidade, há dois anos. Tive que montar toda uma nova equipe e os meus superiores estão muito satisfeitos. E você veio apenas para somar e multiplicar... Seja muito bem vinda, Katherine. Nos vemos amanhã.

  Richard estendeu a mão e a mulher apertou-a, antes de levantar-se.

  Afinal, não parecia um emprego tão ruim. Já fora vendedora, antes. Não de papéis, é claro. No entanto, sabia convencer clientes como ninguém.

  Katherine desceu pelo elevador e passou pela ruiva de dedos furiosos mais uma vez, acenando para ela antes de sair do prédio. O movimento nas calçadas havia aumentado. Katherine esticou o pescoço, a procura de algum estabelecimento em que pudesse tomar café. E foi nesse momento que alguém esbarrou nela, fazendo-a cambalear um pouco.

  - Ei! – resmungou, irritada.

  Olhou ao seu redor, a procura do imbecil que fizera aquilo. As pessoas continuavam em sua correria, passando por ela completamente alheios ao que havia acontecido. Podia ser qualquer um. Suspirando, Katherine decidiu ir até uma pequena padaria que ficava do outro lado da rua. Estava prestes a atravessá-la, quando uma mão agarrou-lhe um dos braços e a puxou.

  - Está querendo morrer? – quis saber uma voz masculina.

  No mesmo instante, vários carros dispararam pela rua. Katherine desvencilhou-se do aperto, exasperada, e olhou para quem lhe fazia aquela pergunta. Era um homem muito bonito, de queixo largo e mãos fortes. Rapidamente, os xingamentos que se formaram nos lábios da mulher desapareceram.

  - O sinal de pedestres fechou – disse ele, apontando.

  Katherine fitou-o por um tempo, antes de desviar os olhos para onde ele apontava.

  - Ah, é – a mulher corou. –   Eu estava distraída.

  O homem sorriu, assentindo. Mas continuou ali, ao seu lado. Pelo visto, aguardando o sinal de pedestres abrir. E Katherine ficou ainda mais envergonhada com aquilo. Então, inclinou a cabeça e manteve os olhos fixos no homenzinho vermelho do sinal. Ele piscou uma vez, e, por uma fração de segundo, Katherine pensou ter visto a parte debaixo das luzes desaparecer. Franziu o cenho. E então, o homenzinho verde acendeu.

  - Agora sim podemos atravessar a rua – disse o homem ao seu lado, com um sorriso divertido.

  Katherine também sorriu, embora sentisse vontade de sumir. Ajeitou os cabelos escuros e pôs-se a atravessar a rua, xingando o estranho mentalmente.

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— Tudo bem, vamos parar por aqui! – berrou o treinador Bucks, depois de apitar. O time de futebol estivera treinando por quase duas horas, e já demonstrava sinais de cansaço. O homem percebeu que estavam bem abalados com a morte e os acidentes envolvendo os colegas e que isso atrapalhara muito seu desempenho, e que forçá-los a fazer mais do que podiam não era a melhor opção. – Pro chuveiro!

  Phil respirou profundamente, pondo as mãos nos quadris e inclinando a cabeça para trás. Já era tempo... Suas pernas latejavam, já que estava em movimento desde muito cedo. Desviou os olhos para Liu, que despia as luvas de goleiro, caminhando para o vestiário, e decidiu que era a hora de contar a ele sobre Brenda.

  - Ei, Liu – começou ele, aproximando-se do rapaz.

  - Eu fui uma merda, pode falar – resmungou Liu. – Deixei quase todas as bolas entrarem no gol... E eu sou bom, cara. Eu sou bom.

  - Sim, você é – Phil sorriu, sem emoção. – Não se preocupe. Acho que todos nós mandamos muito mal hoje.

  - É isso tudo que está acontecendo – Liu suspirou, cansado, enquanto sentava-se em um dos bancos do vestiário. – Eu nem consegui dormir direito... Pensando na Brenda, na Claire, nos vídeos... Cara, descobri que posso morrer por qualquer coisa. Atropelado, engasgado, durante o banho, afogado, eletrocutado, decapitado... Havia sinais por toda parte. E, não saber como a Brenda está só piora as coisas...

  Phil baixou os olhos, fingindo estar extremamente concentrado em desamarrar as chuteiras.

  - Brenda está morta, Liu.

  - Eu sei que é o que você e a Jessica acham, mas e se...?

  - Não, Liu – Phil olhou-o dessa vez. - Ela está morta mesmo. Brandon Lane anunciou em seu programa.

  Liu observou-o em silêncio por alguns segundos. Então, assentiu levemente, baixando os olhos. Phil viu o pomo de adão do amigo subir e descer e pôde sentir a sua tristeza. Tocou em seu ombro, afagando-o, enquanto os outros jogadores rumavam para os chuveiros.

  - Cara... – sussurrou Liu, num fio de voz trêmula. E foi apenas isso que ele disse. Mas mesmo assim, Phil compreendia o que ele queria dizer.

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Já eram quase onze horas quando Jessica finalmente decidiu que iria para o velório de Patrick. Ligou para o namorado, que ainda estava no Colégio McKinley, e pediu que ele tomasse conta de Liu.

  - Não quer me esperar? – perguntou ele.

  - Eu vou à pé mesmo – disse ela, descendo a escada. – Só tome cuidado, por favor...

  - Tudo bem, a gente se vê lá – ele disse.

  - Okay. Te amo.

  - Também te amo. Se cuida...

  Jessica desligou o telefone e saiu pela porta da frente, sentindo a luz do sol brilhando sobre si como não sentia há muito tempo. Colocou os óculos escuros no rosto e pôs-se a caminhar. A casa dos Jackson não era tão longe. Ficava numa rua íngreme, a algumas quadras dali.

  Enquanto caminhava, a voz de William Bludworth parecia ecoar em sua cabeça: Eu sinto muito. Não existe saída. Nem pra mim, nem pra vocês... Podem salvar a próxima vítima do esquema da Morte, mas ela virá depois. Podem oferecer uma nova vida em troca da sua, mas ela irá bater à porta, mais cedo ou mais tarde. Podem até mesmo tentar quebrar a lista, com um suicídio, mas ninguém vai antes da hora... Tudo o que fizerem, apesar de retardá-la um pouco, é em vão. Ninguém é imortal...

  Jessica não queria ser imortal. Só queria ter um bom futuro. Realizar seus sonhos. Estava disposta a trapacear a Morte mais uma vez para conseguir o que queria. Patrick mostrara que isso era possível, salvando Tyler...  Ela faria o mesmo por Phil e Liu.

         A garota estava tão submersa nesses pensamentos que não percebeu a picape marrom parada do outro lado da rua, cujo dono tinha toda a atenção nela. Sequer virou-se quando, minutos depois, o automóvel arrancou, barulhento, e disparou rua afora.

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Todos os olhares voltaram-se para Tyler quando ele chegou na cadeira de rodas, empurrado pela mãe. O rapaz usava, pela primeira vez, paletó e calças sociais pretas. Achou que Patrick merecesse aquilo.

  Ignorando todos os olhares indiscretos dos parentes e amigos dos Jackson, Tyler pediu que a mãe o levasse até onde estava o caixão do melhor amigo. Ela o fez respeitosamente. As pessoas iam abrindo caminho à medida que avançavam... E Tyler ia ficando cada vez mais tenso. Com um aperto maior no peito. Com um nó indescritível na garganta.

  E então, lá estava o caixão castanho escuro, lacrado, reluzente, com uma coroa de flores na cabeceira. Bethany Cassey deixou-o a menos de um metro dele. Mas Tyler queria estar mais perto... Vencendo as dores do esforço, o rapaz girou as rodas da cadeira até ficar a alguns centímetros de Patrick. Trêmulo, tocou a superfície lisa do caixão, incapaz de acreditar...

  Lá dentro estava a única pessoa que soubera lidar com ele. A única pessoa que estendera a mão, enquanto todos apedrejavam. Lá dentro estava a única pessoa que o visitava em seu apartamento, além da própria mãe. O seu melhor amigo. Patrick Jackson. A pessoa que salvara sua vida... A única pessoa que, descobrira, amava de fato.  

  Curvando a cabeça, Tyler encostou a testa na madeira lisa do caixão. E esse foi o ápice de sua dor...

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Jessica chegara a casa dos Jackson em tempo de ver Tyler Cassey num choro sofrido e incontrolável, a testa encostada no caixão do melhor amigo. Ninguém ousava se aproximar, embora muitos observassem a cena com lágrimas nos olhos. Principalmente os pais de Patrick.

  A própria Jessica não conseguiu observá-los por muito tempo sem que lágrimas rolassem por seu rosto. Desviou os olhos e notou que um rapaz familiar a encarava, limpando os óculos com um lenço branco, enquanto falava alguma coisa pra uma mulher baixinha de aspecto presunçoso. Desconfortável, estava prestes a virar as costas, quando um desconhecido ofereceu-lhe lenços de papel.  

  - Jessica Holden, não é? – perguntou ele, em voz baixa.

  Jessica assentiu e aceitou um dos lenços.

  - É uma pena tudo o que está acontecendo – continuou o homem.

  Jessica observou-o mais atentamente. Não o conhecia, mas sua voz não era tão estranha assim.

  - Sou George Keller – apresentou-se o homem, como que lendo os pensamentos da garota. – Sou repórter da ABC.

  - Ah – Jessica assentiu.

  - Eu sei que não é o momento propício, mas eu queria muito entrevistá-la. Estamos trabalhando em um documentário chamado “A Maldição de Sobreviver”, que aborda todos os acidentes bizarros que vem acontecendo nos últimos anos, e existem...

  - Olha, eu sinto muito, mas não vou poder ajudá-los – Jessica enxugou as lágrimas dos olhos e começou a se afastar. Era só o que faltava...

  - Jessica, por favor – o homem a seguia, enquanto a moça caminhava por entre as pessoas vestidas de preto. – Aqui está cheio de repórteres fuxiqueiros disfarçados. Olha só... aquela ali é Karen Foster, do canal 8. E aquela baixinha ali é redatora de um jornal de fofocas, que vem entrevistando vários de seus colegas nos últimos dias, só pra te difamar. E eu não vim até aqui pra fazer fofocas e dizer que você é um anjo da morte, nem nada do tipo. Meu documentário é sério... todos estão chocados com tudo o que está acontecendo. Existem várias teorias e notícias sensacionalistas, mas eu quero depoimentos de pessoas que estão vivendo esse pesadelo.

  Jessica suspirou, sentindo-se enojada. Estavam na sala de visitas quase que completamente vazia. Persianas escuras bloqueavam a luz do sol, e havia alguns abajures acesos.

  - Me desculpe, não é algo que eu queira expor – disse ela.

  - Vamos, Jessica – George Keller parecia desesperado. – Eu vim de tão longe pra isso! E até dei um jeito de trazer Eileen Blackwell comigo.

  Jessica estava prestes a retrucar, mas estancou, com a menção do nome de Eileen Blackwell. Por algum motivo, sentiu as entranhas gelarem. Uma das lâmpadas dos abajures piscou. Uma corrente de eletricidade perpassou por seu corpo, arrepiando os pelos dos braços e da nuca.

  - Ela está aqui? – balbuciou Jessica.

  - Sim – George disse, num tom contido, embora parecesse assustado com os abajures. – Quero dizer, não aqui no velório. Está em um hotel. A viagem deixou-a exausta, mas ela está disposta a ajudar.

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Phil e Liu desciam a rua para a casa dos Jackson a pé, já que nenhum dos dois havia ido para o Colégio McKinley de carro. Não estavam vestidos de preto, como mandava a ocasião, mas também não usavam trajes que desrespeitassem os familiares ou o morto.

  Vários carros estavam estacionados nas proximidades, e algumas pessoas jaziam do lado de fora da casa. Um caminhão baú subia a rua íngreme lentamente. O motorista parecia beber alguma coisa num copo de plástico.

  - O que acha que é? – perguntou Liu, enquanto o caminhão passava por eles, subindo a rua.

  - Água? – sugeriu Phil.

  - Como você é inocente.

  - Bem, seria muito imprudente da parte dele beber alguma bebida alcóolica no volante, por mais que não esteja na rodovia – comentou Phil.

  Liu meneou a cabeça, indignado. Olhou o caminhão, por sobre o ombro. Ele continuava subindo a rua. Virou-se para frente mais uma vez, e foi quando o telefone de Phil tocou.

  - Alô? – atendeu Phil. Liu observava-o atentamente, enquanto continuavam descendo a rua para a casa de Patrick Jackson. – Já estamos chegando, amor. Por quê? Quem?

  Liu sentiu uma brisa fria e antinatural soprar em sua nuca. Às suas costas, ouviu o som familiar das engrenagens de um veículo de grande porte. E se aproximava...

  Prendendo o fôlego, Liu virou-se em tempo de ver o caminhão baú descendo a rua de ré, em alta velocidade e desgovernado, com um zumbido assustador. Não havia nada que pudesse fazer para impedir. Já estava próximo demais e vinha em sua direção.

  Soltou uma exclamação mínima e colocou uma das mãos no peito de Phil, tentando afastá-lo para que não fosse atingido. Fechou os olhos. Pôde sentir o cheiro de poeira e o deslocamento de ar quente do metal. O coração parecia um colibri em seu peito. Esperou pelo choque e pela dor... Contudo, o caminhão passou por eles sem tocá-los, numa distância perigosa de poucos centímetros. Para sua surpresa, ao abrir os olhos, estava bem.

  Ofegante, Liu observou o caminhão continuar a descer de ré, invadindo a calçada. O motorista ainda estava lá dentro e parecia apavorado. Mas antes que o caminhão atingisse alguma casa ou o carro mais próximo – que era uma velha picape marrom –, chocou-se contra um dos postes com um estrondo ensurdecedor. O poste inclinou-se precariamente devido ao choque, fazendo com que vários fios se arrebentassem, com estalos e faíscas.

  Tudo acontecera tão rápido que o raciocínio de Liu não conseguia acompanhar os fatos. Ainda mantinha os olhos fixos no caminhão batido, boquiaberto e perplexo demais pra fazer qualquer coisa. Phil ergueu os olhos e percebeu o que aconteceria...

  - Liu! – gritou, enquanto alguns fios arrebentados caíam de encontro ao rapaz.

  Liu desviou os olhos para Phil, atônito. E, nessa fração de segundo, entendeu o que estava acontecendo. Não morreria atropelado...


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Notas finais do capítulo

Pessoal, por favor, não me deixem desistir dessa história! Comentem! ♥



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