Amélia chega em casa muito cansada. O dia foi cheio, principalmente depois do sarau e de tudo que teve que organizar. Mas ela está feliz e seus alunos sempre valiam a pena. 

— Boa noite, meu amor — ela diz para Dário, quando o encontra assistindo o jornal no sofá.

— Boa noite, querida.

Amélia tira o desenho de Cecília e observa a disposição de seus móveis, encarando todos os ângulos possíveis até que decide que vai colocá-lo perto da televisão. Após alguns segundos observando se o desenho permaneceria ali, ela conclui que é uma boa opção.

— Que bonito — Dário elogia. — Ganhou de um de seus alunos?

— Lindo, não é? Foi uma aluna minha que desenhou.

— Pois ela é bem talentosa.

Amélia concorda e vai em direção ao seu quarto se preparar para tomar banho. Após tirar a camisa, ela nota que há um pequeno envelope guardado no bolso, então o retira de lá e se lembra de que era um presente dado por Vera. Curiosa, Amélia abre envelope e se depara com uma foto lindíssima, enchendo seus olhos de lágrimas no mesmo momento em que ela a vê.

É uma foto colorida de Phan Thị Kim Phúc nos dias atuais, expondo suas costas cheias de cicatrizes deixadas pela guerra do Vietnã. Só que a mulher da foto está sorrindo e segurando seu filho, um bebê, em seus braços. 

— Inacreditável — Amélia pensa em voz alta.

Nas margens da foto há um recado de Vera. A garota escreveu uma frase em letras cursivas com uma caneta azul, dizendo "Há sempre um motivo". Amélia logo entendeu o que Vera queria dizer: sempre há um motivo para se ter esperança. Por mais que Marcelo estivesse doente e não conseguisse enxergar, sempre há uma razão para lutar pela vida. Sempre há motivos para recomeçar.

Vera descobriu isso após ter que lidar com os próprios monstros, mas ela não sabia o efeito que aquela foto teria em sua professora. Ninguém na escola sabia o quanto Amélia sofreu com o abortamento que teve. Aquilo a fez desistir do sonho de ser mãe. Foi um grande trauma ter que lidar com suicídio de Marcelo e logo depois ter que passar pelo sofrimento de perder um bebê já tão amado e tão aguardado. Dário já tinha aceitado fato de que sua esposa jamais se recuperaria daquele trauma.

Por vezes, Amélia ficava vários minutos olhando a foto de Kim Phúc enquanto criança, queimada, maltratada pelo lado mais sombrio da humanidade. Naqueles minutos, poucas coisas no mundo faziam sentido, mas descobrir que aquela menina se tornou aquela mulher forte mudou algo em Amélia.

— Dário?

— Oi — ele estava prestando mais atenção nas notícias.

— Estou pronta.

— Vai sair? — ele permaneceu olhando para televisão.

— Estou pronta para tentarmos novamente.

Dário se perguntou se tinha entendido certo, mas quando viu Amélia sorrindo e derramando lágrimas, ele teve certeza.