Por sua causa escrita por Elie


Capítulo 26
Cactos




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Felipe está tão nervoso que todas as pessoas na sala estão percebendo. Ele é o primeiro a se apresentar no sarau devido ao sorteio que a professora Amélia realizou um pouco antes. A sala de aula está lindamente decorada. Balões coloridos e cartazes estão espalhados pelo local. Todos estão animados com o fim das aulas.

— Sentem-se, por favor. Vamos dar início ao nosso sarau, mas antes quero dar uma palavrinha a vocês.

A professora está animada com o sarau, pois ela é dessas pessoas que passam horas lendo poesias. A sala está organizada num grande círculo para que todos tenham a oportunidade de assistir quem está se apresentando no centro. Felipe está tão nervoso que limpa sua mão suada várias vezes na blusa, tentando disfarçar.

— Foi um prazer ser a professora de vocês nesses últimos anos. Não preciso nem dizer que sentirei muita falta de cada um de vocês. Obrigada por ter me dado a oportunidade de ensiná-los algo. Para cada pessoa que me procurou seja para pedir uma dica de português seja para falar comigo como uma amiga, muito obrigada. Sei que você devem ter ouvido isso por aí, mas é verdade: ser professor não é só ensinar, ser professor é aprender diariamente com vocês. Hoje, todos estamos presentes, com exceção da Bia...

— Não chora, Felipe – Flávio grita, interrompendo a fala da professora e fazendo todos rirem.

— E eu queria falar que estou muito feliz. Claro que sentirei saudades de vocês quando irem embora, mas o meu orgulho em saber que sairão daqui melhor do que entraram já é suficiente para mim. Espero que continuem falando comigo sobre qualquer coisa quando se formarem, porque continuarei aqui torcendo por vocês. Saibam que vocês nunca deixarão de ser meus alunos – a professora termina seu discurso emocionada. Aquela era uma de suas turmas favoritas em muito tempo.

A sala inteira a aplaude, fazendo um barulho que pode ser ouvido por todo o colégio Milano. Amélia agradece e vai se sentar. Felipe, no centro da sala, prepara-se para iniciar sua apresentação. Ele arranha a garganta algumas vezes, pois sente que sua voz está falha. 

— Pode começar – Amélia avisa.

Com este sinal, Felipe mexe no computador em que o projetor está conectado. Ele coloca o pendrive no aparelho e busca por um arquivo. Ao selecionar o que está procurando, uma imagem gigantesca de um parque é refletida no quadro branco.

— Oi, pessoal. Meu nome é Felipe e...

— Dã! Quem não sabe disso? – Tiago comenta, fazendo alguns rirem e outros se irritarem.

— Bem... Vou apresentar um curta que fiz sobre a Beatriz, minha dupla no trabalho – a voz dele está trêmula, a sala ainda está barulhenta.

— Silêncio – a professora ordena.

Quando todos se acalmam, Felipe dá o play no vídeo e se inicia um mini-filme no qual a trilha sonora é uma versão instrumental de "Hey jude". A voz do narrador, o próprio Felipe, se sobrepõe à música em alguns momentos. Todos estão ansiosos pelo vídeo e alguns dos garotos já planejam as piadas para depois.

Há exatos dezessete anos, cinco meses e quatro dias, uma médica chamada Emília passeava por este parque quando começou a sentir as primeiras contrações. Segundo a mulher, foi um dia de muita celebração. Emília planejou aquela gravidez por anos e já não aguentava mais a dor nas costas que estava sentindo diariamente. Beatriz estava se preparando para vir ao mundo.

Tainá, que assistia tudo do lado de Amélia, percebeu que os olhos da professora estavam cheios de lágrimas. A menina também estava um pouco comovida com o trabalho de Felipe e imaginou que Amélia deveria gostar mesmo de Bia para se emocionar tanto. Talvez fosse o efeito da linda música, a aluna pensou.

Após horas de trabalho de parto, a garotinha nasceu às sete horas da noite. Todos no hospital ficaram apaixonados por ela, afinal de contas, ela era linda. 

Um aluno aos fundos solta um "fiu-fiu" quando uma foto de Beatriz tomando banho na banheira com meses de idade é mostrada.

Quantas coisas Emília planejou para aquela garotinha. "Você terá um futuro brilhante", ela dizia para sua pequena. Eduardo, seu esposo, se exibia para todos os seus amigos. A menina era seu maior orgulho. 

Ela cresceu se mostrando cada vez mais inteligente e determinada. Sonhava em ser tão incrível quanto sua mãe. Mal sabia ela o quanto sua mãe mudou por sua causa. 

Nesse momento, aparece uma foto de Beatriz quando visitou a sagrada família na infância. Ela está com um enorme sorriso na imagem, o que faz Felipe ficar contente sempre que olha para a foto.

Essa garotinha era muito feliz, mas algo muito triste aconteceu com ela: seu pai ficou muito doente. Mesmo com o cuidado e amor incondicional que recebeu, Eduardo acabou tendo que se despedir da sua família mais cedo do que todos poderiam imaginar.

Uma imagem de Beatriz de pijama abraçando seu pai, deitado na cama, faz com que todos fiquem comovidos. Elisa fica muito emocionada, pois o pai de sua amiga era como se fosse seu tio. Ela lembrou de quando ele a levava com Beatriz para tomar sorvete, escondido de Emília, que sempre dizia que deveriam fazer dieta. 

Mas claro que isso não é suficiente para derrubar nossa heroína. A cada ano que se passou, ela foi ficando cada vez mais forte. Era resiliente como um cacto.

As fotos abruptamente  deixam de ser mostradas no vídeo para dar lugar a vídeos de cactos. Alguns alunos dão risadas tímidas com isso, sem saber onde Felipe queria chegar.

Sim, um cacto. E antes que achem estranho, esta teoria será explicada. Cactos são plantas que conseguem sobreviver em ambientes áridos por sua capacidade de se adaptar. Devido aos seus espinhos no lugar de folhas, conseguem reter água e sobreviver por muito tempo em lugares quentes. Cactos conseguem viver por duzentos anos!

Cecília leva sua mão ao peito. Ela também está comovida, apesar de tentar esconder. Aquelas palavras a fizeram desejar desenhar um cacto.

E vocês já pararam para observar os cactos? A princípio podem parecer chatos, espinhosos e todos iguais, mas prestem atenção.

A imagem vai se aproximando até focar em apenas um cacto rodeado por pequenas flores roxas.

Cactos têm belas flores.

Várias imagens de flores lindíssimas de cacto são mostradas. Aos poucos, fotos de Beatriz são inseridas até que só imagens dela aparecem.

Aquela pequena menina se tornou mais do que seus pais poderiam prever. Ela se tornou alguém capaz de buscar seus sonhos. Alguém que deixaria de conhecer qualquer pessoa para ter mais cinco minutos de conversa com o seu pai. E quando ela vê que rosas ao seu redor estão murchando, ela as ensina a pensar como um cacto.

Sensível como sempre, Vera soube na mesma hora que aquilo era sobre ela, o que a faz apertar os lábios tentando segurar a emoção.

Beatriz sonha em ser psiquiatra para ajudar outras pessoas. Ela sabe que isso é seu caminho e descobriu isso sozinha. E vai conseguir. Mas não achem que são tudo flores...

Uma foto de uma lesma num cacto é subitamente exposta, fazendo todo mundo dar gargalhadas. Depois disso, algumas fotos de Beatriz em poses feias que Felipe tirou sem que ela percebesse são mostradas. Mesmo as fotos não sendo as melhores, ninguém se importa.

A parte da música em que os Beatles cantam "na, na, na, na" inicia. Agora são exibidas imagens atuais de Beatriz com sua família e amigos, incluindo alguns que estão assistindo ao filme.

Hey Jude.

O filme termina com a foto de Beatriz recém nascida. Todos aplaudem por um longo tempo. A professora Amélia está mais emocionada do que previa, mas ela tem seus motivos.


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Notas finais do capítulo

https://youtu.be/Pex4LTVjFow



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