Anjo escrita por Gabriel


Capítulo 4
Demônios interiores


Notas iniciais do capítulo

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1

O sorriso de Zaíra se desfez frente a Benedito. Ele se aproximou, afagando sua face branca e rosada. 
— Eu vou a trabalho meu anjo, não vou a passeio. – Falou ele, andando de um lado para o outro. – Passarei um mês fora.
— Um mês? – Zaíra replicou nervosa. – Mas para onde você vai? Não, porque ninguém que viaja a trabalho passa um mês fora! – Afastou-se do marido.
— Como? – Benedito olhou para ela, pasmado com sua reação. – Eu não estou te reconhecendo.
— Eu sei muito bem aonde você vai! Minha mãe já tinha me alertado sobre isso. – Sentou-se no sofá, cobrindo o rosto com as duas mãos. 
— Isso o que? – Benedito indagou fazendo-se de vítima.
— Adultério! Ficou de pé, olhando nos olhos de Benedito. – Um homem como você, não nasceu para ter uma só mulher. Assume!
— Não, eu não vou afirmar uma coisa que não é verdade. Eu seria incapaz de deixara minha esposa sozinha, grávida, para traí-la com outra mulher.
— Então me fala... Onde você estava no dia do nosso casamento para ter atrasado mais de uma hora? Eu não perguntei antes, pois não queria atrapalhar o dia mais feliz da minha vida, entretanto agora eu quero saber: Onde você estava?
— Eu estava na empresa...
— Mentira! Não minta pra mim Benedito!
— Eu juro! Eu não sou um canalha. – Pôs a mão em seu ombro. 
— Se você me vê como uma coitada, inútil, está muito enganado!
— Eu não te vejo como nada, apenas como a minha esposa. A mulher com quem eu casei por amor... A luz da minha casa, da minha vida! A minha viagem é realmente a trabalho. Mas eu te prometo, tentarei voltar o mais rápido possível.
Em anos de envolvimento com mulheres, Benedito nunca havia passado por tal situação. Se submeter a uma mulher não era sua vocação. Casou-se com Zaíra para compor sua imagem de empresário conceituado e por achar que ela não lhe encheria de perguntas quando ele quisesse fazer uma de suas “viagens”. Mas as aparências o enganaram. O feitiço voltou-se contra ele.

2

Anita abriu os olhos, há muitas horas cerrados, adormecidas devido ao efeito do sedativo. Estava confusa. Mexeu-se, já não sentia tantas dores como antes. Lembrou-se do bebê. Julia, ao ver a amiga agitada, tentando retirar a agulha da qual recebia os medicamentos, tentou acalmá-la.
— O meu bebê Julia, o meu bebê... – Anita puxava o braço de Julia que estava de pé, ao seu lado.
— Não se preocupe minha amiga. Está tudo bem com seu bebê. – Julia sorriu olhando para a barriga de Anita. – Porque não me contou? 
Anita, mais calma, hesitou em falar.
— Eu não podia. Não contei nem para minha mãe.
— Você em... Realmente me surpreendeu! – Julia disse, ainda com o sorriso malévolo no rosto. – Se fazia de santa e acabou grávida. Grávida e sem teto.
— Me respeita Julia! As coisas não foram bem assim! – Anita respondeu irritada. Calou-se: Voltou a sentir fortes dores.
— Só o que está faltando é dizer que foi uma gravidez, concebida por Deus e que esse baby que você carrega na barriga é o salvador. – Continuou sarcástica. 
— Eu me apaixonei! Foi isso que aconteceu. Foi por amor.
— Amor... Que desculpa mais estúpida para justificar uma gravidez. E convenhamos você não tem onde ficar. Teria sido bem melhor se tivesse perdido essa criatura que está dentro da sua barriga.
— Você escutou o que disse? – Perguntou indignada.
— Não seja tão burra! Já pensou o que as pessoas vão falar sobre você, sobre os seus pais? Eles serão massacrados pelo resto da vida deles. Escute o meu conselho, ainda tem tempo de fazer a coisa certa. Minha mãe conhece uma senhora, ela é discreta. Vamos tirar esse feto de dentro de você e logo ele estará dentro da privada. 
— Cale-se! – Exigiu Anita furiosa, quase se levantando da cama. – Se for para continuar falando estas asneiras, é melhor ir embora. 
— Tudo bem. – Julia pegou a bolsa e foi em direção a saída. – Se você prefere assim. Só espero que não guarde ressentimentos, até porque eu só falei verdades. E a propósito, onde está seu grande amor? – Voltou-se frente à Anita, ainda na porta. – Aposto que te abandonou.
— Aonde você quer chegar Julia? Eu já mandei você ir embora! – Nervosa com os horrores ditos por Julia, Anita voltou a contorcer-se. A pontada em sua barriga era mais intensa e mais forte que a sentida anteriormente.
Julia, sem comover-se com a cena, saiu. “Espero que o diabo leve essa criança para as profundezas do inferno!” Desejou lhe em pensamento. Uma enfermeira, junto com a equipe médica, entrara no quarto. No fim, felizmente, tudo correu bem. A caminho de casa, Julia entrou em um beco. Caminhou até o final, sem saída e ali ficou. Veio em seu pensamento a conversa que tivera com Anita.
— Por amor, - Falou com ela mesma. – Por amor! – Gritou. – Essa surra que você levou foi muito pouco comparado ao que você deveria ter sofrido! Se soubesse a raiva que eu tenho de você... - Olhou para um pedaço de espelho que estava no chão. Apesar das roupas simples, modéstias, Julia possuía beleza de princesa. Admirou-se. A mina de ouro que ela tanto procurava estava diante de seus olhos, ou melhor: Diante do espelho. Ansiosa, foi para casa. Ficou de frente ao casebre, observando-o. Só pensaria em si mesma a partir daquele momento. Entrou e foi até o quarto de sua mãe, Francisca. Estava deitada, sua aparência era alarmante. Um mau cheiro empesteava o ambiente.
— Filha... Filha... – Francisca implorava quase sem voz. – Vem me limpar filha.
— Nossa, que horror! – Julia a ignorou. – Eu já disse que não vou te limpar! Se quiser que tudo esteja limpo, você mesma vai limpar.
— Eu não consigo você sabe.
— Eu não sei de nada sua velha porca! – Interrompeu-a. Descontrolada, tampou-lhe a boca e o nariz com as mãos. – A única coisa que vou fazer, é livrar-me de ti! 
— O que vais fazer? – Tremeu de medo temendo pelo que a filha fosse fazer.
Foi até a cozinha, abriu uma das portas do armário e tirou um pequeno frasco, cuja descrição era apenas um desenho de uma caveira. Preencheu uma xícara com chá e em seguida pingou cinco gotas do frasco nela.
— Mãezinha... – Empurrou a porta devagar com o quadril, pois estava com as mãos ocupadas carregando a bandeja. – Eu pensei muito enquanto preparava este chá para si. Sei que não fui uma boa filha e para me redimir, decidi que vou arrumar o quarto. Vou deixá-lo brilhando, um colosso. 
Pôs a bandeja em cima da velha cômoda e em seguida ajudou a mãe a sentar-se na cadeira de rodas. Limpou o quarto, cobriu a cama com lençóis novos e acendeu um incenso em baixo da cama para eliminar o mau odor. Levou a mãe até o banheiro, deu-lhe um banho. O cenário agora era outro, totalmente diferente do anterior, impecável. Com Francisca já deitada, ofereceu a xícara de chá. 
— Está frio. – Disse Francisca com dificuldade. 
— Frio? Queres que eu vá esquentar o chá para ti, eu suponho?! A senhora não perde a mania de ser abusada. Não só isso... Chega a ser sarcástica mesmo doente, fraca. O chá está ai. Se quiser vai beber ele do jeito que ele está.
— Então eu não quero. – Respondeu virando o rosto.
— Ah, você não quer? – Perguntou com tom violento. 
Levantou-se. Voltou à cozinha e abriu uma das gavetas e retirou um funil e um pedaço de mangueira.
— Vamos ver se não vai beber o chá sua maldita vagabunda! 
Julia se aproximou da mãe com o funil em mãos. Estava possessa de raiva, fora de controle. Odiava discussões e tinha mais ódio quando era contrariada. Não pensou duas vezes: empurrou-lhe a mangueira garganta abaixo a unindo ao outro instrumento. Derramou todo o chá para que Francisca o engolisse. A mãe debatia-se à medida que o liquido ia descendo. A cena de Anita falando-lhe de amor e expulsando-a do quarto de hospital, sendo que ela quem havia lhe prestado socorro, não saíra de sua cabeça, aumentando ainda mais a sua ira. 
— Você não vai tomar o chá mamãe? – Perguntou segurando os braços da mesma com uma das mãos, para que não tentasse impedi-la. 
Francisca não tinha como se defender. Ingeriu todo o chá. Sem nenhum tipo de delicadeza, Julia puxou a mangueira para fora. O choro da mãe misturado com suas tossidas pós engasgue não a comoviam. Pegou os instrumentos utilizados na tortura e saiu trancando a porta com chave. Atordoada, deslizou até o chão. Lágrimas escorriam de seu rosto. 

 O amor... Um sentimento envolvente, suave, entretanto, descontrolado. Nunca sabemos quando iremos senti-lo. A tristeza apesar de intensa, ás vezes pode ser convertida para algo tranqüilo, feliz, pleno. Já a ira, é completamente impulsiva. Justifica suas atrocidades com mil e uma desculpas. Sentimento dono e manipulador de todos os outros. Devastador como um furacão, possui a chave de onde ficam todos os nossos medos. Libertador de nossos demônios interiores.


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Notas finais do capítulo

Repetindo, se gostou, favoritem e deixem comentários. Será muito importante. Obrigado.