Amy Tokisuru em Earthland escrita por AJ


Capítulo 10
Capítulo 10 - Delecom




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/700419/chapter/10

JAU

Chegar à cidade de Sofia não foi tão difícil. Tudo o que Jau teve que fazer foi pegar uma carona com os cavaleiros do vilarejo que exportavam e importavam itens de vila em vila. Esses trabalhadores aceitavam levar passageiros em suas carruagens desde que fossem devidamente recompensados com algumas moedas de bronze. Jau possuía algumas destas já que vez ou outra ajudava Berto com os feridos que vinham até ele.

A viagem fora um pouco longa e cansativa. O sol de meio-dia fazia o rosto de Jau escorrer gotas de suor, e não adiantava muito passar o braço na testa para remover o excesso do líquido como o rapaz fazia. O lugar onde estava sentando era o pior. Era uma parte apertada da carroça feita de carvalho, atrás do cavaleiro de chapéu que segurava as rédeas de dois cavalos marrons e saudáveis. Jau tinha que encolher as pernas para caber ali. Elas já estavam começando a ficar dormentes.

Felizmente, eles finalmente chegaram. Jau desembarcou logo na chegada, pagando ao senhor dos cavalos com suas moedas de bronze. Este ainda tinha que entregar sua mercadoria — alguns vegetais diversos — para as feiras da cidade de Boa Ventura.

As casas desta cidade eram bem maiores e bem mais elaboradas que as do vilarejo onde Jau vivia. Algumas possuíam telhados triangulares feitos com telhas alaranjadas, e paredes pintadas em diversas cores, assemelhando-se bastante com as casas tradicionais do planeta Terra. Até mesmo o solo era diferente. Não era um amontado de terra como o do vilarejo, mas sim um enorme pátio liso formado por areia cinzenta, quase como uma rua asfaltada.

Havia um problema em potencial no plano de Jau em encontrar Sofia. Apesar dele saber qual era a sua cidade natal, não fazia ideia de onde a garota morava, ou onde ela poderia estar. Resolveu então ficar passeando pela cidade. Talvez tivesse sorte e encontrasse Sofia por acaso em alguma rua em que estivesse passando.

Jau passou por diversos lugares. Havia uma praça bem grande, repleta de árvores belas com folhagens rosadas, onde pássaros das mais variadas espécies e cores vinham para fazerem seus ninhos. Também existia nessa cidade uma grande feira, com vendedores de frutas tropicais e outros alimentos por todos os lados, gritando para todo mundo ouvir que em tal barraca havia as frutas mais gostosas e baratas. Algumas destas frutas Jau reconheceu, tais como bananas, maçãs e abacaxis. Outras ele nunca vira na vida. Ao se aproximar de uma das barracas, por exemplo, vendia-se lá um fruto azul-celeste, em formato de lua minguante, bem bonitos por sinal. Jau ficou tentado em pagar por um daqueles. Foi quando uma senhorinha muito simpática de cabelos grisalhos aparecera em sua frente, oferecendo-lhe, com um sorriso, dois dos frutos por apenas uma moeda de bronze. Jau não teve como recusar e acabou levando-os consigo, dando à velha seu pagamento, que lhe agradecera com outro sorriso. Antes de se retirar, Jau perguntou a ela qual o nome da fruta que ele estava levando, e a velha lhe respondeu que se chamavam delecom.

Jau guardou uma das delecons na sacola de pele de animal que estava carregando consigo (onde estava guardada também a luva que ganhara de Berto), e deu uma mordida na outra enquanto se afastava da feira. A delecom era como uma maçã, porém extremamente mais doce e mais suculenta. A fruta era tão saborosa que Jau a devorou em dois minutos, com uma gota do suco da delecom escorrendo pelo canto da boca, a qual ele limpou com o dedão.

Quando terminou de saborear seu alimento, Jau percebeu que havia chegado em um grande campo verdejante, rodeado por uma extensa cerca branca que cobria uma boa parte da área da cidade. Dentro daquele campo estavam sobrevoando várias espécies de aves de rapinas, tais como gaviões, harpias e até mesmo corujas, que voavam numa velocidade e com uma precisão impecáveis, como se tivessem treinado por muito tempo para chegarem nesse nível.

Jau se aproximou mais, ficando a dois passos de distância do cercado. Então ele viu algo surpreendedor. Um dos gaviões que estavam voando começou a ir em direção ao chão, abrindo suas asas para amortecer a aterrissagem. Quando estava prestes a tocar o chão, a ave simplesmente deixou de ser uma ave, para se transformar em um ser humano. Um rapaz alto e loiro que fez um “toca aqui” com outro garoto, que estava observando o show aéreo de longe.

Metamorfos. Sofia havia falado deles para Jau, e de como existiam vários deles na cidade de Boa Ventura, principalmente aqueles que podiam se transformar em aves. Entretanto, Jau nunca tinha visto algum tão de perto.

— Você é a última pessoa que eu esperava encontrar aqui.

O garoto levou um susto. Ele olhou para trás e viu que Sofia estava se aproximando dele, com uma expressão meio surpresa, e esboçando um sorrisinho, que Jau não pôde deixar de retribuir.

— Sofia — ele expressou. — Estava procurando por você.

— Veio ao lugar certo então. — Ela parou do lado dele e começou a observar as aves como Jau estava fazendo segundos atrás. — Este é meu lugar favorito em toda a cidade.

— Deu para ver o porquê. Esses caras são incríveis — Jau falou, enquanto observava uma das harpias girar e fazer rodopios no ar como uma broca de uma furadeira, fazendo o rapaz sorrir de admiração.

Entretanto, quando olhou para Sofia, tudo o que ele viu no rosto da garota foi nostalgia. Imediatamente, Jau se lembrou de Sárius.

Sárius era o marido de Sofia. Ele era um metamorfo, que podia se transformar em uma enorme águia-real. Ele quem ajudara Sofia a chegar até Amy e Walter. Havia sido, porém, uma tarefa forçada já que, enquanto Sofia não obedecesse às ordens de TR, Sárius jamais poderia retornar à sua forma humana. Infelizmente, as coisas deram erradas para eles no final, uma vez que o marido de Sofia acabara sendo morto por Bart, com o objetivo de se vingar. Essa história toda quem contara para Jau fora a própria Sofia.

Claro que a garota estava triste. Aquele lugar onde estavam no momento provavelmente era frequentado por Sárius. Talvez fosse até mesmo o local onde os dois poderiam ter se conhecido.

Jau começou a se sentir desconfortável com aquela situação, e decidiu desviar a atenção de Sofia para outra coisa. Ele abriu sua sacola e tirou de lá a delecom que comprara na feira minutos atrás.

— Dá uma olhada nisso. Nunca tinha experimentado uma antes — ele disse, estendendo o fruto para Sofia no intuito de que ela pegasse.

Ela olhou para a fruta e depois para Jau desconcertada.

— Obrigada, mas eu odeio essas coisas. São doces demais para o meu gosto.

Corando, Jau guardou o fruto de volta à sacola fingindo estar decepcionado, o que arrancou uma risada de Sofia. Ótimo. Agora o clima estava bom o suficiente para que Jau tocasse no assunto que estava confundindo a sua cabeça desde o dia anterior.

— Sofia, queria te perguntar uma coisa.

A garota permaneceu calada, encarando a cerca branca à sua frente, ouvindo ao que Jau tinha a dizer com atenção.

— Lá no porão, quando você disse que gostava de mim...

— Quis dizer como amigo — Sofia respondeu imediatamente, antes mesmo que Jau pudesse terminar a pergunta.

Ele afirmou com a cabeça, e tinha que admitir a si mesmo de que estava aliviado. Jau não saberia dizer se ela estava mentindo ou não. Era estranho, mas seu dom de detectar mentiras não funcionava muito bem com Sofia.

— Ainda está com aquela ideia ridícula de entrar no torneio? — ela perguntou então.

— Bem — Jau respondeu, alguns segundos depois. — Eu e Berto tivemos uma conversa ontem e eu tomei uma decisão.

— Ótimo. Então ele colocou juízo nessa sua cabeça e disse para você não fazer isso.

Jau não conseguiu evitar rir.

— Na verdade ele me incentivou a entrar, e é exatamente o que eu vou fazer.

Sofia soltou um longo suspiro.

— Homens — murmurou.

— Sofia, eu preciso da sua ajuda — Jau suplicou. — Não vou conseguir sem você.

A garota ponderou por longos segundos enquanto olhava para o chão, até finalmente encarar Jau e responder:

— Está bem, seu doente. Mas vamos fazer um trato. Você vai obedecer a tudo o que eu disser. Se eu falar que seu adversário é poderoso demais e que você vai morrer, você desiste, entendeu?

Jau confirmou com um “sim, senhora”. Sofia tinha toda a razão afinal. Não iria adiantar mesmo se Jau jogasse sua vida fora lutando contra alguém que ele sabia que iria derrotá-lo, ou coisa pior, como a garota disse.

 — Acho bom — Sofia disse, em tom severo. — Ah, sim. Vem. — Ela pegou na mão de Jau. — Quero te apresentar a alguém.

Jau já ia perguntar à garota como iriam atravessar a cerca que possuía uma altura de quase três metros, quando sentiu um enorme impulso puxando-o para longe do chão. Por alguns segundos, ele se viu suspenso no ar, o que lhe causou vertigens, segurado por Sofia, que apertava sua mão com força enquanto sobrevoavam o cercado. Ela pousou suavemente no gramado, mas quando Jau tocou o chão, perdeu o equilíbrio e teria caído se Sofia não o tivesse segurado. Infelizmente, os óculos do garoto não tiveram tanta sorte e acabaram caindo de seu rosto.

— Droga — Jau resmungou. Se seus óculos tivessem quebrado, ele seria obrigado a enxergar tudo embaçado até conseguir um par novo.

Sofia usou os ventos para levitar o objeto do chão e entregá-lo de volta ao rapaz. Para sua felicidade eles continuavam intactos. A grama fofa do campo devia ter amortecido a queda.

De repente, uma enorme harpia cinza-claro começou a pousar e, assim como o falcão que Jau vira antes de Sofia chegar, esta ave se tornou um humano quando tocou o solo. Desta vez era uma jovem mulher. Ela tinha a pele bem branca e lisa. Seus olhos eram bem bonitos, de cor azul-celeste, como uma fruta delecom. Os cabelos escuros da garota eram longos, não tanto quanto os de Sofia, claro, chegavam até a altura da cintura. Usava um vestido tão cinza quanto a harpia que era antes de se transformar.

A jovem então começou a se aproximar, e Jau notou que ela estava sorrindo para Sofia. Elas eram amigas, portanto.

— Sofia, há quanto tempo. — A menina harpia deu um abraço em Sofia, que retribuiu o mesmo.

— Olá, Sarina. Saudades também. — Elas se desgrudaram, e Sarina olhou para a amiga da cabeça aos pés, como se estivesse analisando se Sofia estava bem.

— Que bons ventos a trazem aqui? — ela perguntou. Nem parecia ter notado a presença de Jau.

— Queria te pedir um favor. Uma carona na verdade. — Sofia olhou para ele, e Jau imediatamente soube que ele teria que voar mais uma vez, já não gostando nada da ideia de antemão. — Se não for um incômodo, é claro — ela completou.

— Do que está falando? Você sabe que pode me pedir o que quiser — Sarina respondeu prontamente. — Para onde você quer ir?

— Distrito Central de Gaia.

Sofia já falara deste lugar à Jau. Ela lhe dissera que era lá onde viviam os cidadãos e magos de mais alto nível do território de Gaia, em Portland, e isso incluía a família real. A rainha Cristina, mais conhecida por toda a população como Tina, era quem representava a realeza em assuntos importantes, e quem ditava as leis para todos os habitantes. Aparentemente, era lá também onde ocorria o torneio no qual Jau estaria prestes a entrar.

— O centro? Nessa época do ano? Não me diga que está pensando em entrar no Torneio de Magos — Sarina disse, oferecendo um palpite parcialmente certo.

— Bem, eu não. — Sofia apontou para Jau. — Mas meu amiguinho aqui vai.

E então finalmente Sarina havia notado que Jau estava ali, ouvindo a tudo atentamente. Ela o analisou de ponta a ponta, assim como fizera com Sofia, deixando o garoto um pouco desconfortável.

— Não sabia que tinha um novo amigo — Sarina falou, ainda olhando para Jau. Talvez ela estivesse pensando que ele e Sofia tivessem uma relação maior do que só amizade, pelo menos fora essa a impressão que Jau tivera por um breve momento. — Então pretende entrar no torneio? Deve ser um mago forte então.

— Na verdade o Jau apenas utiliza magia limitada — Sofia respondeu pelo rapaz depois que ele ficou calado por alguns segundos.

— Ah, entendo. — A expressão de pena de Sarina ficou bem visível. — Bem, talvez você consiga passar da primeira etapa, se tiver sorte — ela completou, num tom de escárnio, fazendo Sofia sorrir um pouquinho, porém Jau não achou graça alguma. — Enfim, posso levar vocês até lá num instante, só preciso recarregar minhas energias.

— Nos encontramos aqui de novo em uma hora, tudo bem? — Sofia sugeriu.

Sarina concordou, e então se transformou em uma harpia novamente, dessa vez menor, voou por cima da cerca e perdeu-se de vista após isso.

— Ela é bem... simpática. — Jau queria ter dito outra coisa, mas a palavra lhe fugiu da mente na hora.

— Não se chateie com ela. Só estava sendo sincera — Sofia o encarou, com humor nos olhos novamente. — Já eu acho que não vai nem passar da primeira etapa.

— Ah, para com isso, Sofia.

Apesar do comentário maldoso, os dois acabaram rindo juntos. Eles sempre terminavam uma conversa assim, era o que fazia Jau se convencer de que eles realmente eram amigos.

Uma hora se passou. Jau e Sofia nem sequer saíram do campo. Era interessante para os dois ficar observando as aves dali onde estava, sentados usando o cercado atrás de si como apoio. Enquanto assistiam ao show de acrobacias dos metamorfos, os dois ficaram conversando sobre variados assuntos. Jau perguntou a Sofia sobre sua família.

— Eu nunca tive uma família propriamente dita — foi o que ela respondeu. — Eu sempre fui sozinha até conhecer Sárius e a família dele me acolher. Sarina, inclusive, é irmã dele.

Após isso, os dois ficaram calados. Era difícil para a garota falar sobre aquilo então Jau decidiu não fazer mais perguntas. Mas ele sentiu algo estranho dentro de si quando Sofia respondeu a sua pergunta, como se soubesse muito bem a sensação de ficar sozinho. Talvez o motivo fosse ele não se lembrar de nada sobre sua família quando vivia na Terra.

Sarina se atrasou alguns minutos para chegar, mas finalmente apareceu. Ela os chamou para uma parte mais afastada do campo, para não correr o risco de nenhuma ave desavisada trombar nela quando se transformasse em uma enorme harpia.

O processo de transformação de Sarina em uma ave gigante era tão rápida que os olhos de Jau nem conseguiram acompanhar. Em um segundo, estava vendo uma garota, aparentemente inofensiva, e em outro, uma harpia de mais de três metros de altura, com uma penugem cinza bonita ao redor da cabeça, penas negras nas costas e nas asas, e brancas na parte do abdômen. Seus olhos eram os mais ameaçadores, negros e profundos, pareciam enxergar até o fundo de sua alma.

Para subirem nela, Sofia usou o mesmo truque de antes para atravessarem a cerca. Pegou na mão de Jau e os puxou para cima com a força dos ventos. As costas da harpia eram mais confortáveis do que aparentava. Suas penas negras eram macias e brilhantes à luz do sol.

— Não puxe nenhum pelo — Sofia advertiu. — Sarina não vai gostar disso.

E então, guinchando alto, Sarina abriu suas enormes asas. Era incrível o tamanho da envergadura. Jau calculou que deveria ter no mínimo uns oito metros de comprimento. Quando estas começaram a bater, o impulso criado foi enorme. Parte da grama fora arrancada do chão, e Jau achou que iria cair. Porém, não se segurou nas penas da harpia, como Sofia disse que não era para fazer. Ao invés disso, ele se segurou na garota que, de alguma forma conseguia se equilibrar muito melhor do que ele.

Sarina levantou voo, e Jau fechou os olhos para não sentir tanta vertigem. O rapaz tinha muito medo de grandes alturas, e a ave não parava de subir, ficando cada vez mais alta no céu. Quando ele tomou coragem para desunir as pálpebras, viu que Sofia estava sorrindo. Ela aparentemente gostava muito de voar, o que era de se esperar de uma garota que dominava os ventos. Vendo a garota assim, Jau perdera um pouco o medo e começou a olhar à visão do céu ao seu redor. Era magnífico, estavam quase na altura das nuvens, e Jau ficou tentado a levantar os braços para ver se podia tocá-las, porém não ousou se soltar de Sofia. A única coisa que não fez foi olhar para baixo. Ele sabia que se fizesse isso o resto do trajeto se tornaria insuportável.

A viagem, para a felicidade de Jau, durara apenas alguns minutos. A velocidade de Sarina fazia jus ao tamanho de suas asas. Se eles tivessem ido de carroça, como Jau fizera para chegar em Boa Ventura, provavelmente teriam levado longas horas até finalmente estarem no centro de Gaia, e já teria anoitecido.

A primeira imagem que Jau teve da cidade foi a enorme torre de um castelo feito de pedras de cor bege ornamentadas com desenhos circulares. O resto da cidade foi aparecendo aos poucos, quando Sarina começou a perder altitude e Jau finalmente teve coragem de olhar para baixo. As casas eram bem maiores que as de qualquer outro lugar que o garoto já havia visitado. Algumas delas chegavam a ter dois andares. Mesmo assim, nenhuma delas se comparava ao gigante palácio real.

— É o castelo da rainha Tina — Sofia informou, vendo que Jau não tirava os olhos desse castelo. — Se tiver sorte, não vai topar com essa mulher.

Quando ouviu isso, Jau imaginou uma rainha terrível, alta, esnobe e impetuosa, que jogava qualquer um que a olhasse de maneira estranha nas masmorras mais profundas de seu palácio.

Sarina aterrissou em outro campo, que era um pouco afastado deste castelo. Este campo não era tão grande quanto o que havia na cidade de Sofia, mas era do tamanho certo para um pouso agradável e sem turbulências.

Jau desceu com a ajuda de Sofia — terceira vez no dia. Quando ele olhou para trás, já não havia mais nenhuma harpia, apenas Sarina de volta em sua forma humana.

— Obrigada, Sarina. Sempre posso contar com você — disse Sofia, agradecendo à garota com um abraço.

— Sim, você pode. — Sarina deu leves tapinhas nas costas de Sofia. — Bem, já que estou aqui vou aproveitar e passear um pouco. Quem sabe não acho minha alma gêmea rondando por aí. — Ela piscou e Sofia riu.

— Boa sorte, então.

— Obrigada, e — falou, voltando-se para Jau — boa sorte para você, queridinho. Vai precisar mais do que eu. — E após dizer isso, transformou-se em uma harpia pequena, levantou voo e em menos de um minuto já havia sumido mais uma vez.

— Mais sinceridade — comentou Jau, aproximando-se de Sofia.

— E um pouco de realidade também — a garota respondeu, olhando duramente para ele.

Jau começou a se sentir incomodado com o jeito que estava sendo tratado. Ele só queria que alguém lhe dissesse que tinha alguma chance, mesmo que fosse mínima, de ganhar aquele torneio, para poder se sentir um pouco mais confiante. Até agora, o único que mostrara um pouco de fé no garoto fora Berto.

— Qual é a próxima parada? — ele perguntou, deixando de lado os pensamentos anteriores.

— Lembra-se do castelo que vimos quando estávamos no céu?

— O castelo da rainha Tina? — Jau respondeu, lembrando-se da enorme construção que havia visto antes de qualquer coisa no centro de Gaia, e também do que Sofia havia comentado. — Por que falou aquilo sobre a rainha?

— A rainha Tina é uma mulher totalmente egocêntrica. — Sofia então olhou ao redor para ver se não tinha alguém os ouvindo. — Bem, eu não deveria estar dizendo isto em voz alta. — Ela abaixou o tom de voz. — O fato é que não vou com a cara dela.

— E por que não? — Jau insistiu.

— Jau, sabe há quantos anos este evento que está prestes a entrar ocorre?

Ele balançou a cabeça negativamente, sem saber ao certo o que isso tinha a ver com Tina.

— Dez anos. E sabe há quanto tempo a rainha Tina está no poder?

Jau não precisou pensar muito para saber onde Sofia queria chegar.

— Então foi a rainha quem criou esse torneio?

— Exatamente — Sofia respondeu, secamente. — Este joguinho foi só uma ideia insana para mantê-la entretida uma vez por ano, uma vez que o ouro que ela gasta com isso, poderia ser útil para a população de Gaia. Entende o que eu quero dizer?

O rapaz fez que sim e, realmente, olhando por esse lado, imaginar que a rainha só pensava em seu próprio divertimento e não no bem-estar do seu reino, era lastimável. Porém, Jau não iria fazer aquilo para divertir Tina, e sim para conseguir a energia necessária para voltar para casa e rever Amy. Sofia sabia muito bem disso, pois lançou-lhe um olhar de desesperança e começou a caminhar, fazendo menção para que Jau a seguisse.

Minutos depois, eles chegaram ao grande palácio. Só a entrada daquela estrutura já era enorme, com no mínimo uns cinco metros de altura. Poucas pessoas entravam e saíam, em sua maioria homens robustos e bem vestidos. Jau imaginou se eles também iriam entrar no torneio. Pareciam-se mais com gladiadores e não com magos.

Ao passarem pelo portão, os olhos de Jau brilharam ao ver o esplendoroso castelo. Era mais bonito visto de frente do que de cima, pois os desenhos feitos nas paredes claras ficavam mais realçados em conjunto com as janelas, que eram compostas por belas vidrarias coloridas com todas as cores do arco-íris. Entretanto, o destino dos dois era outro, algo bem menos entusiasmante.

Em frente à porta principal do castelo, um pouco mais afastado, havia uma grande tenda feita de madeira, onde logo atrás, sentados em prováveis cadeiras (não era possível ver), havia um casal, que anotava coisas em papéis com pincel e tinta, sobre uma bancada.

— É bem ali. — Sofia apontou para a tenda. — É lá onde você vai dar o seu nome para a inscrição.

— Parece bem simples — Jau observou. O local sequer possuía uma fila. Quando ele soube do torneio, imaginou algo bem maior, como uma legião de magos fazendo um tumulto para se inscreverem.

— Sim. O evento perdeu bastante a sua fama, o que não é ruim para você. — Sofia olhou para Jau. Finalmente um resquício de confiança. — Então, vamos?

Os dois se aproximaram da tenda. O homem — bastante acima do peso por sinal — que Jau achara antes que estava escrevendo, na verdade estava cochilando sobre a bancada, e soltando leves grunhidos desagradáveis. A jovem e franzina moça parecia simpática. Olhou para eles com seus orbes claros e sorriu.

— Olá! Bem-vindos ao castelo real de Gaia. Meu nome é Lisa. Como posso ajudar vocês?

— Viemos para a inscrição do torneio de magos — foi Sofia quem respondeu, o que era bom para Jau, já que ele não sabia o que falar.

— Certo! — A voz de Lisa era aguda, e o seu sotaque puxando o r das palavras exageradamente fazia dela um pouco irritante. — Qual de vocês vai fazer a inscrição? Ou os dois irão?

— Eu vou — dessa vez foi Jau quem finalmente falou.

— Nome e sobrenome, por favor — Lisa pediu, introduzindo a ponta de uma pena em pote de vidro pequeno de tinta preta.

Jau ponderou sobre aquele pedido. Ele não tinha um sobrenome, pelo menos não um do qual se lembrasse. Desde que chegara em Portland jamais precisara de um, até agora.

— Senhor? — Lisa chamou, percebendo que Jau ficara calado por tempo demais.

— É Jau... — Ele precisava inventar um sobrenome na hora, mas qual?

— Jau — Lisa repetiu, escrevendo o primeiro nome do garoto e aguardando o resto da resposta.

— Jau... Delecom — ele deixou escapar então, dizendo a primeira palavra que lhe veio à cabeça. Ele pôde ouvir Sofia segurando uma risada ao seu lado. Lisa apenas terminou de escrever com letras grandes.

— Certo, senhor Jau Delecom. — Quando Lisa disse o nome em voz alta, Jau se deu conta do quão bobo soava. Deveria ter escolhido um sobrenome melhor do que uma fruta. — Que tipo de mago o senhor é? — Mais uma pergunta da garota, a qual Jau também não sabia como responder.

— Ele é um mago classe F, usuário de magia limitada. — Sofia respondera por ele mais uma vez, deixando-o grato. Ela o ensinara certa vez sobre os diversos tipos de magos, porém ele estava nervoso de mais agora para se lembrar de qualquer coisa.

— Muito bem. Agora tenho que saber de que parte de Gaia o senhor é.

Essa pergunta Jau sabia como responder. O vilarejo onde vivia com Berto, que possuía o belo nome de Vila Glacial, o que parecia ser um exagero, já que o inverno ali não era nem um pouco rigoroso.

Lisa então guardou a folha na qual fizera as anotações sobre Jau e pegou outra que estava sobre a bancada onde ela escrevia, anotando alguma coisa nela. — Desejo uma boa sorte ao senhor. — E com outro sorriso entregou a ele o papel que acabara de pegar.

Jau recebeu o papel. E leu as palavras que estavam escritas ali, um pouco trêmulo.

“Saudações, caro mago do reino de Gaia. A rainha Tina lhe deseja uma boa sorte e um bom divertimento enquanto estiver sobre a arena real. As regras do torneio serão apresentadas no dia da abertura que ocorrerá no dia quinto do mês Estelar, e as mesmas estarão sujeitas a mudanças no decorrer do jogo. Porém lembre-se, em nosso torneio, é permitido o uso de quaisquer artifícios desde que estejam dentro dos padrões de sua classe de mago, não sendo proibido, portanto, o homicídio”.

O texto se estendia por todo o papel, todavia, Jau parara de ler ao chegar nesta frase. Sofia já havia lhe dito que o assassinato no torneio era permitido, porém, ler aquelas palavras que foram escritas pela própria rainha o fez estremecer. De repente, ele se deu conta do erro que havia cometido ao entrar naquele jogo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Amy Tokisuru em Earthland" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.