Dimensional Adventure escrita por Projeto Alex


Capítulo 1
Além do Que Existe


Notas iniciais do capítulo

Numa terra distante,
Duma explosão impactante,
Além do que separa o vento
E o que existe somente no pensamento.
Outrora esculpida sob a cúpula radiante,
Embora fosse deveras importante,
O próprio tempo removeu o acontecimento
Afugentando todo conhecimento.

Arbitrária prova que tenho
São estas estrofes que desenho.
Por meio delas resisto
E de me auto-afirmar não desisto.
A negação desdenho,
Em me arrastar me empenho.
Veja minha história, insisto:
Eu existo!



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Acima das cidades frenéticas, sobre as cabeças atarefadas daqueles que andam apressadamente a pé ou em seus carros, indo daqui para ali, seguindo com suas vidinhas, empregos e preocupações, um rasgo formou-se em certo ponto do céu, deixando um filete iluminado passar por através dele. Um estrondo ecoou no ar. O som como de um trovão, parte de cima, muito embora seja dia limpo e sem nuvem de chuva. Apesar disto, como que fosse algo imaterial ou mesmo inexistente, ninguém pode ver ou ouvir coisa alguma.

[...]

—PAI, O SENHOR VIU ONDE EU COLOQUEI A MINHA FARDA? —Uma garota de cabelos e olhos negros chafurda desesperadamente um balde de roupa suja na área de serviço, enquanto deixa dependurado na boca, um pedaço de torrada.

O homem coberto de pelos, sentado a mesa gritou desde lá, para não precisar levantar-se: —RAPAZ!  TU VAI COM ESSE MOLAMBO DENOVO? CADÊ A OUTRA FARDA QUE TU LAVOU?

—Ainda não secou. —A menina responde com cara de choro, chegando perto do pai.

A verdade é que estava já acostumada com esse tipo de coisa. Com a mãe trabalhando o tempo todo, desde a infância foi cuidada quase que exclusivamente pelo pai. Assim, era normal viver como um menino do interior: roupa suja, brigas, correria na rua, joelho ralado, descarregar a velha caminhonete quando viajavam... Não sabia viver de outra maneira.

—Vai assim mesmo, é o jeito... taca perfume pra vê se disfarça essa catinga de braço. Você está fedendo demais ultimamente, deve ser a puberdad-...

—ECA! Será que dá pra não falar isso? —Ela o interrompe, envergonhada com o comentário vexante, afinal, querendo ou não, ela ainda era uma garota.

—Táh bom. —O homem ajeita o óculos, virando a cabeça pro outro lado. —Quer dinheiro pra merenda?

—Macaco quer banana?  —A jovem raciocinou tentando parecer engraçada.

Ninguém riu.

Ela vestiu a roupa, não tão limpa quanto gostaria, mas não dava pra faltar, hoje era um dia especial, queria encontrar a galera pra saber de umas coisas. Claro que com internet em casa, poderia pesquisar e descobrir sozinha, mas entre tantas notícias falsas, era melhor contar com o pessoal, afinal, os amigos sempre podem dar informações mais precisas. Era a primeira vez que ficara tão animada desde os mascotes colecionáveis de plástico que acompanhavam o guaraná.

Sentou no sofá, calçando o tênis preto surrado e depois, colocou o celular entre a virilha e a calça. Nunca fora assaltada, mas como pra tudo tem uma primeira vez, ela queria adiar isto o máximo possível.

Eu realmente preciso de um All Star, mas sapoha é cara demais...

Ao passar pela sala e pegando a chave de casa que estava largada na mesinha junto ao espelho, aproveitou a oportunidade para observar seu reflexo e arrumar com os dedos, a franja mal cortada. Bufou indignada.

—DEPOIS DA AULA, DIRETO PRA CASA. SE EU DESCOBRIR QUE VOCÊ FOI PRA OUTRO CANTO, EU TE PEGO! —O pai advertiu-a de dentro da residência, enquanto a garota saia de casa apressadamente e trancava o portão indo para rua rapidinho, para ter a desculpa de não ter ouvido a recomendação do patriarca.

Será que é hoje? Caraca, não vejo a hora de fazer download e começar a jogar!

Andando pela avenida, na calçada da sua sorveteria favorita a caminho do colégio, mantinha-se tão entretida com seus pensamentos, que nem percebeu o amigo chegando atrás sorrateiramente e puxando-lhe a mochila: —SELYEEE!

—FILHO DA MÃEPRAASSUSTAROSOUTROS!!! —Ela exclama gritando, de olhos arregalados pelo susto, totalmente surpreendida pelo amigo.  Selye olha o garoto rechonchudo, com uma cara de desgosto, ao passo que segura o peito para impedir que o coração saia para fora da caixa.

—Qual o problema Selye? Quando você brinca tá tudo bem, mas quando é o alvo, fica com essa horrorosa.. —O outro faz bico, enquanto se pendura no pescoço dela.

—Me largue, Lucca, seu pervo! —Ela diz, procurando acalmar a respiração devido o susto, encostando-se no muro a fim de ter algum apoio. —Mudando de assunto, você tem notícias “daquilo”?

—“Daquilo”?

Sério que ele não está entendendo?

—É, seu burro, “daquilo”! —Ela estava mesmo ficando impaciente. Também pudera, passaram dois meses na espera, falando e sonhando com o dia, quase morrendo de tanta expectativa e de repente o cara não sabe do que estão falando? Tenha dó...

—Ahhh, “aquilo”! —Levanta as sobrancelhas, finalmente entendendo o que Selye falara. —Sai só em Setembro. —Lucca começa a limpar as unhas, sem olhar a expressão de desolação que causara na morena.

—QUÊÊÊ? EU NÃO ACREDITO! O CHAN JÁ SABE DISSO? —Ela indaga bradando e cerrando os punhos. —Esse jogo foi lançado em quase todos os países, por que é tão difícil ser lançado aqui?

—O que você esperava? —Lucca retrucou, pondo a mão no ombro de sua colega, na vaga esperança de animá-la. —Esse é o nosso país, o resto do mundo todo o detesta.  Isso é injusto, eu sei, mas ficar aqui reclamando não vai fazer com que a empresa sinta pena da gente. —Ao ver a expressão cabisbaixa da morena, o amigo a chama: —Vem Selye, vamos embora, depois da aula, a gente vai na locadora do Jardel pra eu te dar uma surra em Dragon Ball...

O gordinho puxou-a pela mão, guiando a garota desolada pela rua.

Chegando na escola, a Selye procura um lugar do jeito que a agrada, ou seja, não tão na frente, que impedisse ela de conversar os garotos, nem atrás, com os fumeiros. No fim, sentou-se próximo a parede oposta à porta de entrada, onde costumava esconder as colas das provas.

De repente duas garotas chegam na sala rindo alto, de nariz empinado.

—O Timmy nem chegou ainda, eu soube que ele tá trabalhando como modelo, eleétãogatoamoumbabboy...

A outra garota percebe que sua ex-amiga está na sala e espicha para a outra. —Olha ela lá, está cada vez mais esquisita.

A companheira olhando com o canto de olho concorda. —É mesmo, não vamos pra lá. —Desdenhando.

Selye se recorda de quando as duas eram suas amigas a algum tempo atrás e como era quando andava com elas. A jovem fez uma careta enjoada, olhando pro outro lado. Era justamente por isso que detestava ficar perto de outras meninas, tão falsas, sensíveis, cheias de frescuras e fobias, falando de coisas nada interessantes o tempo todo, como gloss de menta, sutiã com bojo, e garotos bonit-...

E exatamente naquele momento entrava na classe, Lex, deixando a garota com a mente bugada por uns 3 segundos. Não era nada bonito, na verdade as meninas até se afastavam dele por causa das marcas de espinhas e do jeito tosco dele falar. Mas ele era exatamente dos tipos que deixavam Selye balançada, tudo em um só: loiro, olho azul piscina e franzino. Só tinha um defeitinho...

—Ei Selye, você viu aquele clipe da Britney Spears? — Lex senta numa carteira próxima a ela, e tira do caderno um DVD, mirando-o faminto. — Que mulher gostosa! Ela pergunta “quem quer quem quer oh” e eu digo “eu eu eu”!

...Um completo idiota!

—Bora pessoal! —Franco, o professor de matemática entra na sala todo apressado, deixando cair pelo caminho um monte de papeis semi-amassados. —Hoje tem muita matéria pra vocês verem, então a gente vai ter que correr...

—Como correr se a gente acabou de chegar? —Um dos fumeiros lá do fundão tenta fazer graça, e depois recebe um high five do amigo debochado.

O educador esfrega o rosto com a mão, para impedir a sí mesmo de dar a resposta que o zombador merece. —Comecem abrindo o livro na página 47.

Oh que excelente! Matemática! A melhor matéria de todas! Blééhh —Selye diz em pensamento, sendo sarcástica, obviamente. Detestava a matéria desde que ficara ruim nela, quando saiu da escola particular, aos oito anos.

Olhando pelo cobobó, a morena permitiu que sua mente vagueasse como de costume. Estava cansada de como as coisas se encaminharam, cansada da franja torta que seu pai fizera ao lhe cortar o cabelo, cansada de seus próprios erros e incapacidades, de ficar sempre doente quando o clima mudava do nada, e mais cansada ainda daquelas pessoas ao seu redor, tão entretidas em coisas superficiais. As vezes sentia como se nada fosse real, que essa difícil transição para a idade adulta não passasse de um pesadelo terrível e ela acordasse com cinco anos de novo, chorando nos braços da mamãe.

Que chatisse. Por que tudo tem que ser assim? Não aguento mais. Eu queria gritar bem alto até meus pulmões caírem. Queria poder fugir, sair deste lugar e ir pra longe de todo mundo aqui...

Selye apoia o queixo no braço da carteira e desfoca intencionalmente os olhos fazendo a visão ficar turva. As cores começavam a se misturar, os rostos das pessoas, dos alunos, e seus corpos embaralham-se, criando um quadro único que somente ela podia ver. Costumava fazer isso quando estava entediada, mas dessa vez, quando tentou fazer a vista voltar ao normal...

O chão debaixo de sua cadeira começou a caír, desaparecendo por completo. Ela despencou de seu assento em uma cratera sem fundo, e o mundo ficou escuro. Mergulhava em queda livre, em algo que não sabia identificar se era fluido ou o próprio ar. Antes que a jovem se indagasse se sofrera algum acidente e se o chão da escola toda cedera matando a todos, por ela começaram a passar luzes coloridas, mechas de auroras boreais na forma de pequenos insetos alados. Curiosa, a menina tentou tocar neles com a ponta de seus dedos alvos, mas imediatamente, estes evaporaram-se como gelo seco ao sol.

Então pousou.

Uma luz fraca foi revelando o lugar onde estava: exatamente a mesma sala de aula em que estava a pouco, mas ligeiramente escura. Contudo, misteriosamente, todos a sua volta desapareceram. Lucca, os fumeiros, as ex-amigas, Lex, Franco haviam sumido... ela estava só!

Ao invés de se desesperar, ela abaixou a cabeça, deixando escapar um sorriso inundado de satisfação.

De repente, a garota percebeu que o celular vibrava. Como se seu corpo pesasse toneladas, Selye despencou de volta para sua cadeira, onde estava outrora, vendo-se novamente na sala de aula, junto as pessoas com quem ficava diariamente. Todos agindo como se ela estivesse alí o tempo todo.

Mas... o que foi isso?

Estática, ela tentava entender o que havia sucedido, criando instantaneamente inúmeras teorias, como buraco de minhoca, dimensões paralelas e outras coisas que para ela não fazia menor sentido.

—Pronto! Eu pirei de uma vez agora. Não há outra explicação! —Ela tenta disfarçar o nervosismo e a confusão, ao perceber que os outros alunos começavam a notar que ela estava mais estranha que o normal.

—Esquisita! —Alguém murmurou.

O celular insistente, continuava a dar o alerta silencioso. Selye tinha decidido ignorá-lo naquela hora, mas também era uma coisa nova, pois não esperava nenhuma ligação e também, a garotada não costumava incluí-la na habitual brincadeira de fazer zoação com o professor por meio de sms.

Que manhã louca é essa, pra rolarem comigo coisas estranhas todas ao mesmo tempo! —Pensou, ao retirar o celular da virilha com cuidado, para que o mestre não percebesse.

Mais louco ia ficar. A jovem, por baixo da mesa da carteira, ativou o display e ficou chocada em ver o ícone do jogo que ela tanto queria, pedindo para ser iniciado: um orbe vermelho que parecia cintilar. Contudo a porcaria só ia ser lançada no país, no próximo mês e Selye não baixara o game; nem tinha como! Como tortas de frango ele viera parar ali e ainda por cima, já instalado? Sem pensar, ela se levantou num pulo...

—Ah, que bom que você se habilita para iniciar a leitura do parágrafo cinco, Selye. Pode começar. —O professor limpa as grossas lentes com um paninho amarrotado e logo recoloca os óculos no rosto, praticamente impedindo que os demais visualizassem seus olhos miúdos. —Vamos, o que foi? Estava viajando de novo?

Toda a turma riu, deixando a garota desconfortável. Mesmo que sempre fosse tratada assim por causa de seu jeito estranho e desajustado, ainda não deixava de ser desagradável.

Chan, que costumava sentar atrás dela, disse baixinho, sem olhá-la diretamente:

—Página 49. —Sussurrou.

Como assim, página 49? Eu tenho quase certeza de que ouvi 47. Aquilo comigo não deve ter durado mais de trinta segundos. Quanto tempo se passou desde que o Franco entrou na sala? E quando foi que Chan chegou aqui?

Tantas coisas passavam pela sua cabeça que já estava se sentindo mais tonta e cansada que o habitual. Mas não tinha jeito, o professor continuava a olhando, aborrecido, esperando que Selye lesse ou que pelo menos reagisse. Ela pegou o livro e ligeiramente abriu na página indicada pelo amigo, iniciando a leitura em voz alta:

“Os conceitos relacionados com grandeza física são bastante genéricos. Entretanto há, além das óbvias diferenças históricas de nomenclatura e de magnitude de diferentes unidades de um mesmo tipo, outras diferenças entre os sistemas, como...”

Como o mestre voltara a atenção para o livro, era óbvio que estava lendo o lugar correto. Mas o que foi este lapso e como o ícone do jogo que ela tanto queria, foi parar no seu celular?


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Notas finais do capítulo

Demorou mas decidí finalmente como iria escrever esta história. Mudei tantas vezes, para poema, verso, parmesão a quatro... Não faço ideia de como isto vai se desenrolar, mas vai ficar esse formato mesmo. É oficial, 'Dimensional Adventure' vai ficar assim! Não pirem se vocês sacarem todas as referências. Isso daqui vai mexer com a cabeça de vocês.



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