Algo me fazia ficar acordada. Mesmo que eu ficasse de olhos fechados, estava consciente e atenta a todos os barulhos possíveis. A chuva caindo do céu na cidade parecia abafada dali de dentro. O quarto era quentinho e meu corpo já começara a relaxar.
De olhos fechados e imóvel, quase prendendo a respiração, ouço a porta do quarto se abrir cuidadosamente. Não me movo mas abro um milésimo dos meus olhos e vejo Matt no quarto. Sinto minhas bochechas esquentarem ao perceber que ele está com uma toalha enrolada na cintura e sem camisa. Não é cono se desse pra ver mais do que uma silhueta escura, não tinha como reparar em cada detalhe do seu corpo ainda mais porque eu estava de costas para o guarda-roupa, contudo, por um momento,não pude deixar de pensar que ele entrar daquele jeito fora proposital. O apartamento era dele, claro,mas ele sabia que eu estava ali e talvez poderia estar acordada quando ele entrasse,o que era a situação naquele momento.
Não me mexi na cama e nem atrevi-me a abrir mais os olhos. Ouço a porta do guarda-roupa se fechando e então fecho os olhos. Sinto ele se aproximando da cama e por um instante apavorante, acho que ele vai deitar ali também. Meu coração dispara. Continuo fingindo que estou dormindo e só abro os olhos quando ouço os passos de Matt deixando o quarto.
Estou sozinha novamente. Sento-me na cama e passo as duas mãos no rosto. Talvez não tenha sido una boa ideia ter ido para lá.
Acho que fico quase vinte minutos sentada com as costas encostadas no travesseiro quando começo a sentir sede. Decido me levantar e ir até a cozinha de fininho para beber um copo d'água.
Levanto-me da cama e com as meias abafando meus passos, abro devagar a porta do quarto. Sinto-me aliviada pela porta ser silenciosa e não fazer nenhum ruído,mas me surpreendo ao ver que Matt não está dormindo. Ele está parado em frente a janela da sala,há uma brecha grande aberta e ele está fumando, olhando para algo na escuridão da cidade. Não posso deixar de notar que ele está usando apenas uma bermuda escura -que parece preta - e mais nada. Acho que estou paralisada. Aquela situação toda é tão estranha e ainda me sinto bêbada.
Por fim ele olha para mim e eu sinto minhas bochechas corarem pela quadrigésima vez durante aquelas pequenas horas que passamos na companhia um do outro. Ele parece surpreso ao me ver ali, mas não fala nada; continua fumando enquanto olha para mim.
–Eu... - começo a falar e pigarreio. - eu estou com sede. Vim pegar uma água.
–Claro, tem água na geladeira se quiser gelada. Eu só bebo água gelada, então... - dando de ombros ele não termina a frase.
Olho para os meus pés e entro na pequena cozinha, muito parecida com a minha e pego um copo para beber água. Sei que ele está me olhando.
Estou de costas para a janela, para ele, e olho para a pia de inox. Ouço ele fechando a janela e seus pés se moverem no chão de taco.
Viro-me e vejo-o se debruçar no balcão branco de granito. Não quebro o contato visual enquanto bebo água.
–Por que está me olhando assim? - pergunto num tom de voz baixo e vacilante.
–Assim como?
Sorrio de lado com o copo ainda na boca. Então ele é cínico. Sento-me na banqueta preta. O que está entre nós é o balcão, mas ainda assim seu rosto está numa distância consideravelmente muito perto do meu. Todas as luzes estão apagadas mas de certo modo, posso ver os traços do seu rosto com clareza.
–Assim. - respondo sua pergunta.
Matt suspira:
–Você não faz ideia das coisas que estão passando por minha cabeça agora, Alice. - ele dá de ombros. - Estou tentando... ser um cara legal e não fazer algo que possa fazer você se arrepender ou prejudicar sua moral.
Engulo em seco e torno a beber o restante da água no copo.
–Eu sinto muito. - digo com sinceridade.
–Acredito em você. Mas... é difícil.
Franzo o cenho e pouso o copo do balcão.
–O que é difícil?
Matt respira fundo e fecha os olhos tombando a cabeça para trás. Ainda assim, ele diz:
–É difícil você estar aqui e eu não poder... -ele para de falar e balança a cabeça. - Olha é muito mais do que uma atração física. A atração física que eu sinto é inevitável para qualquer um que te veja.
Me sinto constrangida.
–Você fala como se eu fosse uma deusa. - digo em tom divertido. Mas na realidade estou me sentindo muito constrangida e ansiosa.
Ele olha para mim e dá de ombros.
–É difícil você estar aqui e sei que está chateada com Kyle mas sei que você vai sair daqui amanhã, ele vai perguntar onde você estava e ele vai querer me bater e você, como é uma boa garota, vai implorar para ele não fazer isso. Vocês vão brigar mas, apesar de tudo, apesar de você está aqui, você gosta dele. Você só está aqui porque perdeu a chave do seu apartamento.
Olho para minhas mãos em minhas pernas.
–Matt eu...
–Eu sei que você não faz eu sofrer de propósito. Já percebi que você não é uma vadia sem coração,mas é difícil e estressante porque isso acaba me dando esperanças.
Respiro fundo. Ele está sendo tão franco comigo...
–Posso te perguntar uma coisa?
–Sim.
–E você promete ser franca comigo?
Os seus olhos azuis - que sempre foram um tom esverdeado para mim - fitam os meus com incrível e demasiada intensidade.
–Sim. - minha voz falha.
–Você não sente nada, absolutamente nada por mim?
Paro para pensar naquela pergunta. Eu posso falar que não? Estaria sendo franca com ele?
–Eu não sei. - é a minha resposta. - Nunca parei para pensar no que eu sinto por você, Matt. Acho que... não te conheço muito bem, não é? - faço uma pausa e passo a língua pelos lábios. - Eu... sempre tive a impressão de que você não gostava de mim, você fez da minha vida um tremendo inferno e sabe disso.
Ele arqueia um pouco as sobrancelhas e coça a cabeça com um sorriso de lado. Eu também sorrio.
–Ainda não me perdoou pelo brownie?
–Você sabe que não foi só isso e olha, tudo bem, eu te perdoei por todas as coisas. Todas.  - enfatizo para ele saber que estou me referindo ao acidente de carro e o tapa na cara. - Mas você sempre me passou uma imagem sua que parece que você construiu como um muro E eu não gosto dessa imagem que você me mostrou. Essa é a verdade. Eu não sei se sinto algo e... talvez eu venha a descobrir. Mas não queria que você ficasse tentanto destruir meu relacionamento com o Kyle porque ele já está bem conturbado e, se tiver que acabar, que acabe por um motivo que eu e ele sejamos culpados e não porque tem um dedo seu no meio.
Matt não fala nada e eu respiro fundo para manter as forças para continuar.
–Eu queria que... eu não estivesse entre vocês e já falei isso para Kyle. Odeio estar entre a amizade de vocês porque sei que vocês eram muito amigos e vocês têm uma banda juntos. Odeio essa... briga estúpida e odeio ele ter se afastado do meio de convívio dele, que era a fraternidade, por minha causa. Odeio isso! Estou cansada.
Paro de falar e sinto como se tivesse tirado um grande peso das minhas costas.
–Você parece mais leve. -Matt diz.
–Um pouco. - concordo. - Mas ainda há muitas coisas que pesam nos meus ombros. Não quero que você sofra por mim. Nunca quis fazer isso com ninguém e ainda não quero. Não quero Matt. - balanço a cabeça negativamente devagar. Dou de ombros. -Acho que era tudo o que eu precisava falar.
Ele assente.
–Você só me mostrou o que eu já havia concluído.
Não falo nada.
–Que você é uma pessoa de quem eu não posso desistir e não vou.
Matt pega minha mão em cima do balcão e a segura.
–Matt...