Johanna escrita por Maga Clari


Capítulo 3
Ah! Insensato coração...


Notas iniciais do capítulo

Por alguma doidera do destino, ainda estou aqui. No concurso. hahahaha
O tema da rodada 3 é: um quadro de Rembrandt que tem sua própria interpretação da parábola do rico insensato.
No começo, fiquei boiando. Mas acho que dei uma boa interpretação.
Espero não ter viajado muito neste capítulo...
ps: gostaram do título? ~entendedores entenderão~



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Os caminhões da Amizade chacoalham ao enfrentar o terreno pedregoso. Estou dentro de um deles. Observo o sol iluminar meu ambiente de trabalho. O calor traz sombras bruxuleantes aos meus devaneios, deixando-me mergulhar em profunda reflexão.

Depois de dois anos, sinto-me finalmente em casa. Os risos são verdadeiros, os carinhos são verdadeiros, a vida é verdadeira aqui.

Aos domingos, minha função é levar a colheita à nossa sede, para depois cozinhar e entregar parte dela aos membros da Abnegação. Não é uma tarefa muito difícil. Colocar as mãos na terra é terapêutico, e digo o mesmo sobre ajudar quem precisa.

Entro numa rua cinzenta e comum. É algo que nunca entenderei sobre a Abnegação. Mas não posso julgar. Apenas me concentro em deixar o carregamento com o responsável por isso.

Quando estaciono, sinto meu coração parar. Marcus está acenando para mim e agradecendo pela carga.

— Não acredito! É você mesmo?!

Desço e ofereço-lhe um abraço. Marcus recua um pouco. Acho que os membros daqui não gostam de demonstrações de afeto.

— É você? O novo líder?

— Um deles.

— Isso é incrível! Parabéns, Marcus!

— Obrigado. A propósito, belo vestido.

Sorrio, olhando-me instintivamente. Numa outra época, eu nunca usaria vermelho. Agora, entretanto, precisamos esquecer nossa vida regressa. 

Facção antes do sangue.

Amizade antes da Franqueza.

Para quebrar o silêncio inoportuno, resolvo ajudá-lo a colocar tudo em pequenas sacolas, que serão carregadas por cada membro da Abnegação. Este é o trabalho deles. Levar alimentos e auxiliar os Sem-Facção.

Observo Marcus em seus movimentos contidos e sem emoção. Não sei o que o levou a um lugar como este. Aqui, sinto-me o único ser vivente, no meio de tanto cinza. Quando Marcus guarda o último mantimento, seus olhos fixam em mim.

— Preciso ir embora, Johanna. Foi um prazer revê-la — ele diz, inexpressivamente.

— Para onde você vai?

— Eu posso pegar um ônibus, não se preocupe.

— Por favor, eu insisto. Terei que voltar de qualquer jeito.

Vejo seu rosto vacilar por alguns instantes, até assentir e aceitar minha oferta.

Marcus realmente iria para minha sede, resolver qualquer coisa com nossa porta-voz. Não temos líderes na Amizade. Apenas um representante, escolhido por todos.

No caminho, observo a pobreza incolor da Abnegação e dos Sem-Facção, perambulando pelas ruas, esgueirando-se em marquises. Agora entendo o que faz algumas dessas pessoas sentirem-se na obrigação e no prazer de ajudá-las. Meu estômago dá uma volta completa ao pensar no assunto.

Fazemos o trajeto quase em silêncio. Marcus apenas responde quando pergunto sobre sua nova vida. Mas a verdade é que sinto falta dele. Éramos amigos na Franqueza. Quero poder ajudá-lo de alguma forma.

Quando desligo o caminhão e descemos, dirijo-me a ele com o mais baixo tom de voz que consigo:

— Posso te dar um presente?

— Não aceitamos pre...

— Por favor, Marcus — corto sua fala, seriamente — Não seja indelicado. Ainda tenho um estoque em casa. Não vou usar tudo aquilo. Leve, por favor.

Marcus respira fundo e me acompanha.

Quando entramos em casa, vejo Brian. Ele está rodeado de livros de receitas, realmente concentrado. Evito interrompê-lo sem necessidade.

Corro para a despensa e coloco tudo que posso numa sacola de pano para Marcus. Brian percebe a movimentação e grita:

— Está maluca?! Johanna, você vai dar tudo pra esse homem? Johanna!

Brian olha para nós, incredulamente. 

— Quem é este homem, Johanna? Vamos ficar sem nada! Olhe pra mim quando estiver falando com você! Johanna! Estava guardando para quando...

— Cale a boca, Brian! — berro em resposta, impaciente.

Cale a boca?! — seu tom é cortante. Não o reconheço mais — Vai brigar comigo por causa de um careta*?

Meu coração pulsa ao ouvi-lo falar como se ainda fosse da Audácia.

Marcus não diz nada.

— Peça desculpas! — grito.

— Por quê? É seu namorado por acaso?

Brian ri sarcasticamente.

— Foram dois anos de trabalho duro. E você quer desperdiçar tudo?!

— Talvez desperdício seja estar com alguém tão egoísta!

O tempo congela como de costume.

Antes que tenha consciência do ato, Brian me dá um tapa. O suficiente para que eu caia no chão de encontro ao baú de madeira.

Então, Marcus diz, ajudando-me a ficar de pé:

— Na vida, é preciso saber o que se valoriza.

E é tudo antes de meu amigo da Franqueza me tirar de lá.


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Notas finais do capítulo

*Gosto de pensar que Brian é transferido da Audácia... Ele tá se mostrando aos poucos... como agora, por exemplo, no acesso de raiva e em chamar Marcus de... careta. Que é a gíria da Audácia para os membros da Abnegação

Ah, eu queria tanto que essa fic fosse maior!