Johanna escrita por Maga Clari


Capítulo 4
Plenamente só e amada


Notas iniciais do capítulo

Alô, alô, vocês sabem quem sou eu?
Eu sei que eu sumi por (muito) algum tempo, mas é que eu fui desclassificada, e isso me fez ter menos gás e mais preguiça pra escrever, sabe. Aí vieram os trabalhos da faculdade, etc e tal.
Mas como prometido, o capítulo (não tão assim) baseado na citação de Clarice Lispector:

"Que minha solidão me sirva de companhia.
que eu tenha a coragem de me enfrentar.
que eu saiba ficar com o nada
e mesmo assim me sentir
como se estivesse plena de tudo"



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/698586/chapter/4

Sentir-se só na Amizade é um ato egoisticamente absurdo.

No entanto, eu já havia me mostrado subversiva desde o dia, aquele grande dia em que respinguei meu sangue na tigela errada, ou melhor, na tigela certa para a verdadeira Johanna Reyes.

E embora eu entenda e compreenda a máxima “facção antes do sangue”, eu também descompreendo a razão pela qual não podemos ter nossos momentos de prazer em que deixamos que nossa essência escape por entre os dedos e surja como uma velha amiga.

Estou pensando nisso enquanto choro atrás de uma grande macieira dos pomares.

Lúcia, uma doce amiga, dá tapinhas em minhas costas, e tenta me reconfortar. Ela diz:

— Não chore, querida. Você tem tantos amigos aqui!

Mas por algum motivo, o comentário me irrita.

Eu não era da Amizade, eu nunca pertenceria a Amizade.

E muito menos Brian.

Por falar em Brian, ele foi julgado numa assembleia, e nossa porta-voz, depois de ouvir nós todos, decidiu que ele continuaria conosco, mas sob eterna observação. Além disso, não permitiria que ele encostasse um dedo em mim.

E eu fiquei extremamente satisfeita com isso.

Brian nunca será Amizade porque ele é Audácia.

E eu nunca serei Amizade porque sou Franqueza.

É assim que nós somos, e precisamos aceitar a verdade. A grandiosa verdade!

Brian e eu nunca daríamos certo, nem como amigos ou amantes, e menos ainda como membros deste lugar.

Apesar disso, surpreendo-me com a notícia:

— Johanna — minha amiga Lúcia diz de repente — Você tem que se levantar. Estão à sua espera.

— Minha espera? Mas onde?

Lúcia sorri e estende a mão para que eu me levante.

— Ora, Jojo — esse era meu apelido entre amigos — O que seria das surpresas se disséssemos tudo?

E aí vamos até o pátio onde acontecem as assembleias sempre que algo importante está para ser decidido.

Um garotinho corre em minha direção, todo sorrisos, e puxa minha saia vermelha:

— Johanna, Johanna! Vai ser você, vai ser você! Diga que sim, por favor!

Fico confusa e boquiaberta quando as demais crianças brincam ao meu redor, como uma ciranda em que eu sou o centro.

— Johanna, Johanna, Johanna!

As crianças gritam e eu continuo sem entender nada. Meus olhos buscam por algum conhecido que possa me explicar o que está acontecendo.

De repente, vejo Brian sentado no chão, brincando com flores brancas e amarelas entre os dedos. Ele não olha para mim de jeito nenhum.

Então eu grito:

— Brian!

Ele finalmente dirige os olhos para mim, em hesitação. Brian se levanta vagarosamente e junta todas as flores. Num pequeno arranjo feito com os próprios caules, Brian as coloca no decote de minha blusa.

— Por favor, me perdoe.

Meu rosto pega fogo quando Brian beija minha bochecha rapidamente. Ele vai embora, deixando-me ali, ainda procurando por respostas.

Como costumava sempre acontecer conosco, o tempo para. É difícil entender o que está acontecendo.

As crianças continuam rodando, e me sinto sozinha. Como se aquilo fosse mais um adeus do que havia sido na assembleia que o mandou ficar longe de mim.

Brian era como eu.

Ele nunca poderia descumprir as ordens de seu coração.

Mas Brian nunca mais voltou a falar comigo. Somente agora, quase um ano depois, e eu percebo verdade em seus atos.

Apesar disso, ainda estou sozinha.

Sinto-me mais sozinha do que nunca, então volto a chorar.

É como se eu estivesse dentro de um redemoinho de memórias, e o vento levasse tudo de amor e amizade que um dia eu já senti.

As crianças continuam gritando:

— Johanna! Johanna! Johanna!

E eu coloco a cabeça entre as mãos.

O vento balança meus cabelos crespos e cheios para o lado, minha saia vermelha dança pelos ares.

De repente, tenho uma revelação.

Preciso aceitar-me do jeito que sou.

Preciso aceitar minha nova vida.

Preciso aceitar minha solidão interior, a saudade dos amigos da Franqueza, a saudade de Marcos e Brian.

Limpo as lágrimas, um pouco desajeitada, e então começo a dançar.

Rodo como uma bailarina, ou quem sabe uma cigana. Só sei que rodo, rodo, rodo. O cabelo fica emaranhado em meu rosto, e meus pés, descalços, deslizam facilmente pela grama.

Meu riso se junta aos risos das outras crianças, e arrisco-me a fechar os olhos para envolver-me mais ainda naquela celebração estranha que tive medo de perguntar o que era. E se fosse sonho? E se fosse alucinação? Escolhi, pois, permanecer no que quer que fosse.

Eu me sentia livre.

E plena de tudo.

Eu estava feliz.

Em algum momento, um grito me traz de volta:

— Johanna — escuto a voz do primeiro menino que veio até a mim. Ele tira as flores da minha blusa, uma a uma, e coloca entre nossas orelhas e as de todas as outras crianças — Por favor, seja nossa porta-voz.

E então, o tempo dá um looping tão rápido que me controlo para não cair.

— A nossa antiga porta-voz disse hoje de manhã que quer descansar — ele continua.

— Queremos você, Johanna — todas gritam.

Olho para as crianças. Sinto-me num jardim com flores sorridentes e coloridas.

— Vo-vocês querem... a mim?

As crianças balançam a cabeça, animadas.

— Quem me nomeou? Como funciona isso?

Nesse momento, Lúcia surge da multidão que nos observava desde que eu havia começado a dançar:

— Aqui na Amizade, há uma nomeação. Depois, se todos concordarem, damos as opções nomeadas para as crianças, e elas escolhem.

— Quem me nomeou? — repito, completamente atordoada.

Mas Lúcia sorri levemente e encaixa meu braço no dela:

— Só houve uma opção neste ano. O primeiro que a nomeou, em assembleia, teve cem por cento de concordância. Uma pena você ter saído à francesa antes da votação.

— Quem me nomeou, Lúcia?! Me diga logo!

Fico nervosa com todo o suspense.

Odeio suspense.

Odeio, odeio, odeio.

— Me diga logo — insisto — De uma vez!

Lúcia sorri, simplesmente, e pisca seus longos cílios em direção ao outro lado do pomar, onde um rapaz de nossa idade continua catando flores brancas e amarelas. De lá, vejo-o fazer uma coroa de flores.

— Foi Brian, Jojo. Foi Brian que nomeou você.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!