Johanna escrita por Maga Clari
Notas iniciais do capítulo
Alô, alô, vocês sabem quem sou eu?
Eu sei que eu sumi por (muito) algum tempo, mas é que eu fui desclassificada, e isso me fez ter menos gás e mais preguiça pra escrever, sabe. Aí vieram os trabalhos da faculdade, etc e tal.
Mas como prometido, o capítulo (não tão assim) baseado na citação de Clarice Lispector:
"Que minha solidão me sirva de companhia.
que eu tenha a coragem de me enfrentar.
que eu saiba ficar com o nada
e mesmo assim me sentir
como se estivesse plena de tudo"
Sentir-se só na Amizade é um ato egoisticamente absurdo.
No entanto, eu já havia me mostrado subversiva desde o dia, aquele grande dia em que respinguei meu sangue na tigela errada, ou melhor, na tigela certa para a verdadeira Johanna Reyes.
E embora eu entenda e compreenda a máxima “facção antes do sangue”, eu também descompreendo a razão pela qual não podemos ter nossos momentos de prazer em que deixamos que nossa essência escape por entre os dedos e surja como uma velha amiga.
Estou pensando nisso enquanto choro atrás de uma grande macieira dos pomares.
Lúcia, uma doce amiga, dá tapinhas em minhas costas, e tenta me reconfortar. Ela diz:
— Não chore, querida. Você tem tantos amigos aqui!
Mas por algum motivo, o comentário me irrita.
Eu não era da Amizade, eu nunca pertenceria a Amizade.
E muito menos Brian.
Por falar em Brian, ele foi julgado numa assembleia, e nossa porta-voz, depois de ouvir nós todos, decidiu que ele continuaria conosco, mas sob eterna observação. Além disso, não permitiria que ele encostasse um dedo em mim.
E eu fiquei extremamente satisfeita com isso.
Brian nunca será Amizade porque ele é Audácia.
E eu nunca serei Amizade porque sou Franqueza.
É assim que nós somos, e precisamos aceitar a verdade. A grandiosa verdade!
Brian e eu nunca daríamos certo, nem como amigos ou amantes, e menos ainda como membros deste lugar.
Apesar disso, surpreendo-me com a notícia:
— Johanna — minha amiga Lúcia diz de repente — Você tem que se levantar. Estão à sua espera.
— Minha espera? Mas onde?
Lúcia sorri e estende a mão para que eu me levante.
— Ora, Jojo — esse era meu apelido entre amigos — O que seria das surpresas se disséssemos tudo?
E aí vamos até o pátio onde acontecem as assembleias sempre que algo importante está para ser decidido.
Um garotinho corre em minha direção, todo sorrisos, e puxa minha saia vermelha:
— Johanna, Johanna! Vai ser você, vai ser você! Diga que sim, por favor!
Fico confusa e boquiaberta quando as demais crianças brincam ao meu redor, como uma ciranda em que eu sou o centro.
— Johanna, Johanna, Johanna!
As crianças gritam e eu continuo sem entender nada. Meus olhos buscam por algum conhecido que possa me explicar o que está acontecendo.
De repente, vejo Brian sentado no chão, brincando com flores brancas e amarelas entre os dedos. Ele não olha para mim de jeito nenhum.
Então eu grito:
— Brian!
Ele finalmente dirige os olhos para mim, em hesitação. Brian se levanta vagarosamente e junta todas as flores. Num pequeno arranjo feito com os próprios caules, Brian as coloca no decote de minha blusa.
— Por favor, me perdoe.
Meu rosto pega fogo quando Brian beija minha bochecha rapidamente. Ele vai embora, deixando-me ali, ainda procurando por respostas.
Como costumava sempre acontecer conosco, o tempo para. É difícil entender o que está acontecendo.
As crianças continuam rodando, e me sinto sozinha. Como se aquilo fosse mais um adeus do que havia sido na assembleia que o mandou ficar longe de mim.
Brian era como eu.
Ele nunca poderia descumprir as ordens de seu coração.
Mas Brian nunca mais voltou a falar comigo. Somente agora, quase um ano depois, e eu percebo verdade em seus atos.
Apesar disso, ainda estou sozinha.
Sinto-me mais sozinha do que nunca, então volto a chorar.
É como se eu estivesse dentro de um redemoinho de memórias, e o vento levasse tudo de amor e amizade que um dia eu já senti.
As crianças continuam gritando:
— Johanna! Johanna! Johanna!
E eu coloco a cabeça entre as mãos.
O vento balança meus cabelos crespos e cheios para o lado, minha saia vermelha dança pelos ares.
De repente, tenho uma revelação.
Preciso aceitar-me do jeito que sou.
Preciso aceitar minha nova vida.
Preciso aceitar minha solidão interior, a saudade dos amigos da Franqueza, a saudade de Marcos e Brian.
Limpo as lágrimas, um pouco desajeitada, e então começo a dançar.
Rodo como uma bailarina, ou quem sabe uma cigana. Só sei que rodo, rodo, rodo. O cabelo fica emaranhado em meu rosto, e meus pés, descalços, deslizam facilmente pela grama.
Meu riso se junta aos risos das outras crianças, e arrisco-me a fechar os olhos para envolver-me mais ainda naquela celebração estranha que tive medo de perguntar o que era. E se fosse sonho? E se fosse alucinação? Escolhi, pois, permanecer no que quer que fosse.
Eu me sentia livre.
E plena de tudo.
Eu estava feliz.
Em algum momento, um grito me traz de volta:
— Johanna — escuto a voz do primeiro menino que veio até a mim. Ele tira as flores da minha blusa, uma a uma, e coloca entre nossas orelhas e as de todas as outras crianças — Por favor, seja nossa porta-voz.
E então, o tempo dá um looping tão rápido que me controlo para não cair.
— A nossa antiga porta-voz disse hoje de manhã que quer descansar — ele continua.
— Queremos você, Johanna — todas gritam.
Olho para as crianças. Sinto-me num jardim com flores sorridentes e coloridas.
— Vo-vocês querem... a mim?
As crianças balançam a cabeça, animadas.
— Quem me nomeou? Como funciona isso?
Nesse momento, Lúcia surge da multidão que nos observava desde que eu havia começado a dançar:
— Aqui na Amizade, há uma nomeação. Depois, se todos concordarem, damos as opções nomeadas para as crianças, e elas escolhem.
— Quem me nomeou? — repito, completamente atordoada.
Mas Lúcia sorri levemente e encaixa meu braço no dela:
— Só houve uma opção neste ano. O primeiro que a nomeou, em assembleia, teve cem por cento de concordância. Uma pena você ter saído à francesa antes da votação.
— Quem me nomeou, Lúcia?! Me diga logo!
Fico nervosa com todo o suspense.
Odeio suspense.
Odeio, odeio, odeio.
— Me diga logo — insisto — De uma vez!
Lúcia sorri, simplesmente, e pisca seus longos cílios em direção ao outro lado do pomar, onde um rapaz de nossa idade continua catando flores brancas e amarelas. De lá, vejo-o fazer uma coroa de flores.
— Foi Brian, Jojo. Foi Brian que nomeou você.
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