Sem Recurso escrita por Deisy Ferreira


Capítulo 3
Capítulo 3


Notas iniciais do capítulo

Galera mais um capítulo, tomara que vocês gostem!!!



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Capítulo 3

Como na sábia frase dita por Mahatma Gandhi: "Se queremos progredir, não devemos repetir a história, mas fazer uma história nova."

Devemos mudar algo que não pode ser mudado. Ás vezes a vida é injusta e nós, fracos, nos machucamos. A dor nos faz de covardes, porque somos imaturos para suportá-la abrir feridas na gente. Colocamos a culpa no destino e não em nós mesmos, embora sejamos nós quem o escrevamos. Por isso os erros vão sempre existir. Não tem como não se machucar, contudo tem como consertar os erros, afinal, a vida é contínua.

Sem Recurso, Cap. XI, pág. 23



Max desceu as escadas e durante um longo tempo ficou observando aquele lugar onde ele foi motivo de desconfiança. O palco onde foi exposto e julgado sem ter chance de se defender das acusações; embora, no fundo, ele não pretendesse se defender. Bibi estava certa, ele era um completo estranho a quem não deram o direito de questionar por motivos óbvios: ele devia se provar confiável, provar que não queria fazer nenhum mal para a família que o acolheu, e só então sua voz seria ouvida. Apesar disso, aquele lugar o fazia bem, era um âmbito familiar no fim das contas, e isso era mais do que poderia ter pedido.

Max se sentou no sofá da sala e observou o lugar, absorvendo os detalhes da casa. As paredes da sala eram da cor mais suave de verde que somado ao piso de madeira escura bem vernizada davam um ar de simplicidade ao lugar. Os móveis, por outro lado, eram bastante modernos. Rente ao sofá de couro marrom cheio de almofadas estava um tapete vermelho tão liso que parecia ter sido escovado centenas de vezes. Paralelo ao sofá um aparelho de som descansava sobre um rack, bem como um vaso de rosas amarelas e alguns porta-retratos com fotos da família. Na janela ao lado, uma cortina branca de renda deslizava ao sabor do vento, passando diversas vezes por sobre a estante ao lado coberta por vários livros, revistas e jornais. No canto da sala ficava uma pequena mesa de madeira e vidro, onde uma imagem de Nossa Senhora fora posta rodeada por algumas velas e terços. Em frente à sala estava a cozinha. Convenientemente conjugadas, a única coisa que separava os cômodos era uma bancada de granito preto onde alguns vasos de pimentas exalavam um cheiro picante. Max se dirigiu para lá assim que o cheiro de outra coisa invadiu seus sentidos. A pintura da cozinha foi feita em tons de castanho claro com pastilhas de marrom escuro. A um canto estavam um fogão de inox digital; um armário de madeira rústica, onde era possível ver o aço de algumas panelas, assim como embalagens de alimentos e um forno micro-ondas. Ao lado havia uma pia de granito preto, uma geladeira também preta e uma mesa rústica com dois bancos em madeira de tom castanho.

Max estava sentado num dos bancos, as mãos inquietas sobre a mesa, quando a porta da cozinha se abriu. Seu corpo entrou em alerta e ele se perguntou quem poderia ser, pois ainda eram umas 5 da manhã. Deisy entrou e viu a cara assustada de Max que parecia pronto pra correr a qualquer momento.

― Bom dia, Maxwel! ― ela falou, animada, se sentando no banco vazio.

― Bom dia. ― Max respondeu, relaxando visivelmente. Talvez só estivesse com medo que fosse Bibi, pensou Deisy.

― Nossa, você acorda bem cedo. ― Deisy comentou, dando um sorriso leve para Max. ― Nessa hora os outros ainda estão no segundo sono.

― Você também acorda bem cedo. ― Max apontou, sem saber o que dizer.

― Maxwel, fica tranquilo aqui todos são da família, inclusive você. Eu sei que é difícil... Mas você consegue. ― Deisy se inclinou como se fosse dizer um segredo. ― Vou te dar um conselho: seja você mesmo.

Em seguida ela se levantou indo até o armário e pegou um copo grande, encheu-o e água e colocou-o sobre o fogão.

― E aí. ― Deisy disse, chamando a atenção de um Max distraído. ― Você gosta de café doce ou amargo?

― Eu gosto de nem tão doce e nem tão amargo. Gosto de café no ponto. ― Max ofereceu a ela um sorriso largo.

― Boa escolha.

Deisy preparou o café e tirou um bolo que estava no forno assando ― então era daí que vinha o cheiro ― e o colocou sobre a mesa entre eles. Os dois conversaram enquanto tomavam o café e comiam do bolo de castanhas e frutas secas, que Max fez questão de deixar claro que era um dos melhores que havia comido. Depois foram lá pra fora e sentaram-se em cima da mesa de madeira para olhar o sol que já iria nascer. O sol nascendo era uma coisa linda de se ver, ele acalmava qualquer um que por algum motivo estava triste. Era o milagre de Deus brilhando no céu todos os dias que passavam.

― Então Max você ainda não conhece Emilly, né? ― Deisy franziu as sobrancelhas ao olhar para o rapaz sentado a seu lado.

― Não, só sei que ela é mais nova de vocês.

― É., ela tem nove anos. Ontem ela já estava dormindo quando pai e mãe te apresentou pra nós.

― É mesmo, já era muito tarde para uma criança. ― Max ficou alguns minutos em silêncio, então perguntou:

― E como é ela?

― Deixa eu pensar. ― Deisy colocou as mãos nas laterais do rosto apoiando os cotovelos nas pernas e adquiriu uma expressão pensativa. ― Ela tem 1,30 de altura, é, ela é bem nanica. Cabelo liso, longo, castanho dourado. Combina bem com os olhos castanhos claros, acho. Hm, ela é bem metidinha, também, adora atentar os outros o que significa que ela é uma pestinha. Gosta muito de vestir vestidos, de estudar e... ela é uma chatinha. ― Deisy ficou uns minutos em silêncio, então soltou uma gargalhada, como se tivesse se lembrando de uma piada que só ela conhecia. ― Na verdade ela é uma menina muito ativa, engraçada e parece uma princesinha. Você vai conhecê-la em breve.

Max assentiu e voltou seu olhar para o sol que já estava exibindo seu calor intenso. Pouco depois escutou os passos de alguém se aproximando, quando se virou para ver que era, viu Bibi com cara de sono, ainda bocejando, vindo na direção deles.

― Bom dia. ― ela disse num tom azedo característico de alguém que acorda de mau humor.

― Bom dia, sua preguiçosa. ― cantarolou Deisy, com uma cara de quem sabe muito. ― Dormiu bem?

― Essa hora da manhã e você já com suas brincadeiras sem graça. ― Bibi retrucou, com um olhar assassino.

― Bom dia, tudo bem? ― Max murmurou, tentando se fazer presente.

― Tudo e você? ― Bibi respondeu, pegando Max de surpresa.

― Estou bem também. ― Max respondeu cuidadosamente.

Bibi sorriu.

― Que bom que você está também, porque a partir de agora eu vou te treinar. E a primeira lição é como você deve se defender e atacar o inimigo. ― Bibi ficou totalmente séria novamente. ― Então, vamos começar?

Max fora avisado que seria treinado, mas não esperava que fosse tão cedo. Olhou para Deisy, mas ela apenas sorria para Bibi. Provavelmente já tinha uma bela ideia do que estava para acontecer.

― Sim, vamos. ― Max seguiu Bibi até o porta-malas na lateral do ônibus. ― É difícil acreditar que esse ônibus é uma casa.

― Concordo. ― Bibi falou. ― Foi difícil fazer esse ônibus virar uma casa, mas ficou do jeito que todos esperavam.

Bibi abriu o porta-malas, mostrando a Max o que tinha lá dentro. Maçu guardava um arsenal de armas de todos os tipos, desde facas a uma metralhadora e suprimentos para armas. Aquele porta-malas era muito valioso e Max ficou feliz por saber que Bibi estava começando a confiar nele a esse ponto. Ou isso, ou ela queria amendrotá-lo. Uma imagem de Bibi armada até os dentes passou por sua cabeça, mas ele decidiu ficar com a primeira opção. Sem conhecimento de seus pensamentos suicidas, Bibi pegou uma espingarda semiautomática e deu para ele.

― Ótimo. Vamos começar seu treinamento.

Bibi fechou o porta-malas e levou Max para o local onde iriam treinar. Não era muito longe na verdade, ficava em frente de casa há uns pouco metros da mesa em que Deisy estava deitada os observando.

― Você está vendo aqueles alvos ali? ― Bibi apontou para umas árvores secas há um três metros de distância deles marcadas com sulcos profundos. ― Tente acertá-los.

Max tentou acertar o alvo, mas seu tiro passou tão longe da borda da casca que ficou claro sua falta de experiência. Bibi furiosa, pegou a arma de sua mão e atirou contra a árvore da direita com precisão.

― Era assim que você deveria ter feito! ― exclamou, exaltada. ― O que você fez foi ridículo. Até uma criança de nove anos faz melhor.

― Desculpa se eu nunca segurei uma arma antes. ― Max respondeu, indignado.

― Bibi, fica calma, Max nunca usou uma arma. Como você quer que ele acerte o alvo se você nem ensinou a ele como se segura a arma de maneira correta? ― Deisy a encarou com um olhar descontraído. ― Você está aqui como uma professora, então o seu dever é ensinar corretamente sem reclamar.

― Aff. ― Bibi odiava quando Deisy falava com aquele tom condescendente. ― Tinha me esquecido que aqui tinha um enxerida dando palpite sem ser chamada. ― Bibi revirou os olhos para Deisy, mostrando que não se importava com o que ela tinha dito. ― E sei o que eu sou, você não precisa dizer. ― então virou-se para Max. ― Preste atenção, Max, e faça o que eu fizer com a arma.

Max registrou o fato de que ela tinha o chamado pelo apelido como um ponto positivo e mesmo meio embaraçado tentou fazer o que Bibi fez. No entanto, seus esforços foram inúteis. Ele não tinha habilidade com arma de fogo e sabia disso. Bibi ao ver o mal jeito dele, pegou a espingarda semiautomática e com o cabo da mesma desferiu um golpe no estômago de Max e logo que ele se curvou tentando puxar ar para os pulmões, ela o golpeou de novo nas costas fazendo com que ele caísse no chão. Max gemeu e ao se virar, os braços ainda envoltos no estômago dolorido, viu que Bibi apontava o cano da arma para sua cabeça. Max não imaginava que no fim, esse treinamento serviria pra acabar com ele. Em seus pensamentos deduziu que Bibi iria aproveitar a chance para matá-lo ali. Aquele golpe que ela investiu contra ele o deixou completamente imponente, ele nem conseguia se levantar. Não adiantaria também, porque tinha certeza que Bibi seria muito mais rápida que ele. O medo logo tomou conta de seu corpo. Bibi continuava o olhando daquele jeito ameaçador; realmente era seu fim.

― Eu estou perdendo a paciência, não me faça atirar em você. ― Bibi rosnou, o dedo no gatilho. ― Você é muito burro, já chega! Esse seu medo, ainda vai te levar a morte. Não seja covarde e, levanta daí. ― Bibi puxou Max pelo braço fazendo-o se levantar de onde estava caído.

Assim que ficou de pé, sua visão se tornou turva e ele não sabia se respirava ou tentava firmar as pernas que ameaçavam se dobrar a qualquer minuto. Apoiando as mãos sobre os joelhos, ele abriu e fechou os olhos de segundo em segundo até os seus sentidos finalmente voltarem.

― Espera um pouquinho aqui que eu vou buscar um pouco de água para você beber. ― Bibi falou, e se Max não estivesse delirando, havia uma pontada de culpa em sua voz. Ela foi até mesa em que Deisy permanecia deitada, pegou uma garrafa de água pela metade e voltou para oferecer a ele. Max bebeu o líquido em três goles, parando apenas pra respirar. Bibi jogou a garrafa de volta pra Deisy e viu se ele tinha condições de voltar ao treinamento. Ele ainda estava com a mão sobre o estômago, as bochechas um pouco rosadas e respirava fundo a cada três segundos. Concluiu que já estava melhor e que podia voltar a treiná-lo.

― Bibi, posso te fazer uma pergunta? ― Deisy levantou e sentou-se na mesa.

― Sim, pode.

― Como uma pessoa que nunca jogou sinuca pega num taco? ― Deisy perguntou.

― Eu não sei, nunca joguei sinuca para saber. ― respondeu indiferente, aquela pergunta não fazia sentido naquele momento, porém a deixou curiosa. ― Mas o que isso tem haver com ensinar o Max a usar uma arma de fogo?

― Tudo. Se você não sabe pegar o taco de maneira certa, você nunca vai fazer uma boa jogada. ― Deisy permanecia com aquela expressão confiante de quem sabia o que estava dizendo e se divertia com a reação do ouvinte. ― Pra jogar sinuca você tem que ter precisão, ter firmeza, ter sentidos bons, uma boa estratégia e um taco bom, é claro. Então Bibi, mostra como segura uma arma direito. Pega na mão dele, ensina como ter precisão para mirar o alvo. Ensina como ele deve impulsionar o corpo quando está com a arma. Mostre a ele que você sabe o que está ensinando.

Bibi expirou, dando-se por vencida.

― Eu te odeio, mas lá no fundo você tem razão. ― ela admitiu. ― E não fica se achando, só porque você está certa dessa vez.

Bibi olhou de volta para Max que tentava separar as pernas do mesmo modo que ela fizera minutos antes e suspirou. Posicionando-se atrás dele, e tentando manter a maior distância possível entre os dois, Bibi envolveu sua mão sobre o dorso da que Max empunhava a arma. Os dedos em volta do cabo estavam firmes, porém ele não conseguia manter o indicador da mesma forma sobre o gatilho. Bibi teve de se inclinar para conseguir colocar seu dedo de modo que exercesse força suficiente sobre o dele e isso acabou com a fronteira invisível que deveria existir entre ambos. Concentrada demais para pensar nisso, ela esperou que Max firmasse os pés e mirasse corretamente o alvo para apertar levemente o indicador dele. Um sinal que ele entendeu bastante bem, pois quando ela havia mentalmente contado três o dedo dele já apertava o gatilho e por puro reflexo, ela o fez também. Quando o coice veio, Max mal sentiu a força que o levava pra trás, tão bem posicionado estava. Não ousou olhar para o alvo, mas quando o suspiro de contentamento de Bibi atingiu sua nuca, ele soube que se não tivesse acertado, teria chegado perto. E estava certo. Por três centímetros não acertara o centro do alvo.

― Bibi. ― Deisy falou, com uma arrastada, desviando a atenção deles do tiro quase perfeito para sua expressão sapeca. ― Tirando uma casquinha, hein? E, olha, o Max está ficando vermelho.

Bibi se afastou ainda mais de Max, que como apontado por Deisy, estava bastante constrangido, mas ainda conseguia lançar olhares apreensivos para ela. Bibi, de saco cheio, pegou a arma e mirou na direção de Deisy que não parava de rir daquela situação. Sua irmã estava descaradamente tirando sarro da cara deles e isso Bibi não iria deixar por menos.

― Foi muito engraçado, né Deisy? Isso não vai ficar barato. ― Bibi segurou o gatilho, pronta para atirar na irmã.

― Bibi, você não sabe brincar, não? ― Deisy limpou algumas lágrimas que rolaram por sua face. ― Foi tão engraçado que até chorei de rir, mas não leve a sério não. Só fiz isso porque vocês estavam muito rígidos. ― ela deu de ombros como se não fosse nada. ― E a partir de agora eu quem vou treinar o Max. Dá para ver que ele não leva nenhum jeito para armas, e também você é uma péssima pessoa para ensinar. ― Deisy pulou da mesa, sorrindo como uma criança. ― Acho que o almoço já está pronto, vamos?





O sol batia em cheio em seu rosto fazendo com que não conseguisse divisar quem estava à sua frente. Sabia que era uma garota e era claro que estava posicionada de modo que pudesse vê-lo com clareza e não o contrário. Porém com muito esforço, pôde ver aqueles olhos castanhos profundos e, como se arrependia, todas as ameaças que eles continham.

O vento ia de encontro aos cabelos longos dela. Eram de cor chocolate maculados por fios dourados e estavam presos numa trança embutida, deixando apenas uma franja lateral solta em sua face seguir o ritmo do vento. A pele bronzeada contrastava bem com as roupas que usava: uma regata verde escura, justa o bastante para deixar transparecer a cintura fina, uma calça marrom em estilo militar e uma bota preta de cano curto. Ante ao olhar dele, ela se aproximou e o homem viu que a expressão dela era forte e soturna, do tipo que aparenta não ter medo de nada.

― Só vou falar mais uma vez: me passa a água que eu deixo você fugir. ― ela estava pressionando uma faca em seu pescoço de maneira bastante persuasiva. ― E não faça eu me arrepender disso depois.

Ela deve ter percebido algo na expressão dele ou no modo como cerrava o maxilar, porque logo acrescentou:

― Se não passar, os urubus vão ter um banquete hoje â noite.

Com os dentes latejando, ele levou a mão para trás, pegando a bolsa que estava em suas costas e dando a ela. Com agilidade a garota abriu a bolsa, dando uma rápida olhada no conteúdo e satisfeita, o largou, virando-se para partir. O homem continuava jogado no chão quando a viu ajeitar a bolsa nas costas.

― Posso pelo menos saber seu nome, garota? ― se iria deixá-lo ali para morrer, o mínimo que podia lhe dar era seu nome, certo?

― Desculpe, mas o que eu precisava de você eu já tenho e não vejo no que um nome poderia ser útil. ― ela se virou para olhá-lo. ― Só posso te desejar muita sorte, afinal, você vai precisar. Adeus.

Ela voltou a caminhar, sem qualquer preocupação. A bolsa escura balançando em suas costas.


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