Pasárgada escrita por A Garden full of Stars


Capítulo 2
Capítulo ll




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/698170/chapter/2

Aaron

Tinha trinta minutos que havia acordado, mas ainda estava enrolado nos lençóis. A dor (não física, mas emocional) me consumia inteiro como uma chama. Em apenas trinta minutos do meu dia eu já sentia a tristeza, angustia, preocupação, raiva e mau humor de todo o reino. Todos os dias eram um desafio. Sabia que não chegaria a viver até meus 45 anos, pois se não morresse de angústia acabaria me suicidando. Só queria saber como é dar uma boa risada antes disso. 

Me desenrolei do cobertor fino e sentei na cama em movimentos lentos. Não enxergava direito, pois minha janela estava totalmente tampada pelas muitas cortinas que eu mantinha fechada. Acendi uma vela que tinha ao lado da cama para enxergar ao menos o caminho até o banheiro. 

Me pus de pé e uma pontada forte na cabeça me atingiu. Respirei fundo e continuei andando. Eram raros os dias em que não me sentia miseravelmente angustiado e infeliz e esses dias eram considerados uma benção para mim. Soube que já deveria estar na sala de reunião com os ministros, mas não me importava, fiquei na banheira até a água esfriar e então saí para o quarto. Fitei meu reflexo nu no espelho. Eu envelheci muito desde que assumi o cargo de Rei do reino de Pasárgada.

Meu maxilar largo e firme estava pontilhado da barba que começou a crescer, meus olhos estavam delineados por olheiras e até meu cabelo que me orgulhava de manter na linha do ombro parecia mais opaco. O dourado dos meus cachos já não era mais tão belo quanto me lembrava que era.

"Não é fácil ser rei de Pasárgada" pensei.

Coloquei as vestes reais e saí do quarto. Os empregados e servos do palácio continuaram seus afazeres alheios ao meu mau humor. "mas é claro, nenhum deles estava mau humorado", Alguns deles se curvaram ao me ver passar. Empurro as portas duplas da sala de reuniões e interrompo a conversa animada dos ministros. Piso firme até meu assento na ponta da mesa e me preparo para iniciar a reunião.

—Bom dia ministros. Qual a pauta de hoje Caio?

—Temos que discutir a reconstrução do lado oeste do reino que foi parcialmente destruído na última tempestade, o julgamento dos quatro criminosos e dos dois espiões encontrados e os preparativos para a distribuição das eamlas de acordo com a produção desse mês.- Caio o ministro mais novo que temos respondeu sorrindo.

— Micael me passe os dados recolhidos.- estendi o braço para ele que separou alguns papéis para me entregar.

Analisei todos os dados rapidamente sobre a produção do mês. Conferi as datas e novamente os valores.

—Esses valores estão incompletos?- pergunto preocupado.

—Não alteza. -Augusto, um dos ministros, respondeu.

—Isso não é suficiente. De acordo com os dados que temos, a produção equivale a 89 eamlas para cada cidadão. Isso significa um racionamento. A produção nunca foi tão baixa, senhores. algo está errado. Mas eu não entendo...- leio novamente o relatório com mais atenção.- Aqui diz que os fiscais encontraram redes de pesca rasgados e desgastados?

—Exatamente.- alguém disse, mas não levantei os olhos do papel para identificar quem foi.

—Mas eu autorizei verba no último mês para a troca e manutenção das redes de pesca.- continuei analisando o relatório.- Uma praga tomou de conta das lavouras de café, e um terço do trigo ficou mal armazenado e foi perdido. Além disso 17 Cabras e 45 Busões fugiram. - levantei os olhos do relatório e fitei os ministros calados em total indiferença. Suspirei, cansado.

—Caros ministros. Creio que saibam que temos um dos melhores sistemas de produção e trabalho. Durante um mês tudo que é produzido é entregue ao Estado. Aqui toda a produção é redistribuída igualmente para todos em eamlas. Armazenamos um terço da produção e o resto é para o povo. É um sistema bom? Sim. Infalível? Não - fiquei em silêncio para minhas palavras causarem um certo tipo de impacto, mas foi em vão.- É preciso que todos se esforcem e que a produção seja sempre boa para que não seja preciso realizar um racionamento. Para que o reino não passe fome. 

Suspirei ao perceber que era inútil todo o meu discurso. Os ministros assim como todos no reino menos eu são incapazes de sentir preocupação, pois eu sinto por todos eles.

—Manterei os dados comigo para preparar um discurso, pois farei uma proclamação real amanhã.

Os ministros arregalaram os olhos em espanto e descrença. Era de se esperar essa reação, pois eu nunca saía dos limites do castelo exceto para entrar no bosque.

—Sobre a reconstrução do lado Oeste, quero mais homens nessa área. Convoquem mais cidadãos para o trabalho. Quero tudo pronto antes do festejo do solstício de verão.

—Mas Alteza. Faltam apenas 2 meses para o solstício de verão. Não dará tempo de reconstruir tudo.- opinou o ministro Ian.

—Vai dar tempo sim, pois eu mesmo fiscalizarei as obras.- Os ministros novamente me olharam surpresos.- Quanto aos criminosos, lidaremos com eles amanhã. Mantenham-os presos no calabouço e tentem tirar a maior quantidade de informações dos espiões sem tortura-los. Com licença. 

Levantei-me e saí da sala rapidamente. Os espasmos de dor vinham e iam o tempo todo, mas sempre que algo ruim acontecia com alguém do reino eu sentia as emoções por essa pessoa. Geralmente eu identificava que tipo de sofrimento a pessoa estaria sofrendo, mas as vezes eu apenas sentia, como agora. Mantive minha compostura até chegar nos estábulos. 

Preparei o meu cavalo e montei. Saí a galope rumo ao bosque em busca de refugio e de solidão. Sabia exatamente o lugar para onde queria ir. 

Havia uma clareira no meio do bosque, perto do riacho. O lugar era incrível e eu sempre fugia para lá quando queria ficar sozinho com minha dor. Enquanto galopava fechei meus olhos e deixei as lágrimas escorrerem dos meus olhos. As lágrimas de dor de outra pessoa. As lágrimas que deveriam estar escorrendo de outros olhos. Meu cavalo foi acelerando quando alcançamos as altas árvores do bosque. 

Engoli o choro e concentrei em apreciar a sensação do vento batendo em meu rosto e secando o rastro úmido das lágrimas, apreciar meu cabelo esvoaçar atrás de mim e bater nas minhas costas. Fechei meus olhos e apenas senti. Quando Felicity meu cavalo, começou a desacelerar soube que estávamos perto da clareira. Ele parou ao lado da árvore em que sempre ficava me esperando e eu desci. Acariciei a crina dele em um agradecimento silencioso e segui a pé.

Porém parei ao ouvir uma voz cantarolando em um ritmo que não conhecia. Diminuí a velocidade dos meus passos entorpecido pela voz que vinha da minha clareira. Parei novamente no limite entre o bosque e a clareira e então eu a vi.

Sozinha no meio da clareira ela balançava os quadris em um ritmo que vinha apenas dela. os cachos balançavam conforme ela girava e a saia do vestido acompanhava os passos que ela dava. Ela balançava os braços e os ombros e parecia tão envolta em magia que podia até ser uma feiticeira. A voz doce dela ecoava na minha cabeça e eu estava tomado por uma vontade insana de enlaçar a cintura dela e sentir a textura dos cachos tão negros dela. 

Por fim ela jogou o tronco para trás de olhos fechados. balançou os braços e eu pude ver finalmente o rosto dela. Quando se reergueu e abriu os olhos finalmente me viu. Pareceu muito assustada e deu alguns passos para trás. Parecia pronta para correr então saí do limite das sombras devagar e sussurrei com a voz rouca.

—Continue.

Ela arregalou os olhos ao perceber que meu rosto era o mesmo pintado nos quadros que mostravam a família real. Seus olhos percorreram meu rosto e meu corpo e depois de instantes pareceu se lembrar da minha ordem. Franziu as sobrancelhas e murmurou meio incerta.

—Não.

—O que?- perguntei ainda em transe.

—Não!- falou firme dessa vez. Recolheu a capa que estava no chão e fitou meus olhos de longe.- Atrevido!

Disse e isso e saiu correndo da clareira para a direção do reino. Pisquei incrédulo. Uma plebeia negou uma ordem minha e ainda me chamou de atrevido?!

Eu nem pude ver sua face direito. Consegui apenas notar seus olhos levemente puxados e negros e seu corpo magro e esbelto. Sentei na grama macia e fechei meus olhos novamente. A dor esquecida enquanto a assistia dançar retornara, mas mesmo assim mantive a garota em meus pensamentos. Tão linda e... atrevida!


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Mais um capítulo. Comentem o que acharam e favoritem por favor ♥



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Pasárgada" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.