Depois da Tempestade escrita por DrixySB


Capítulo 4
Capítulo IV




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Esperar que o tempo curasse as feridas não estava sendo nada fácil. Os pesadelos assaltavam seu sono constantemente. Vislumbres daquele lugar miserável que mais se assemelhava ao inferno. Da criatura maligna que a assombrava e perseguia. A fome, a desnutrição e a desolação assolavam seu corpo. Will sendo morto de forma violenta e brutal por aquele inumano. Fitz... Sendo morto de uma maneira ainda pior.

Ela acordava no meio da noite, geralmente ofegando e suando frio. Porém, nas últimas duas noites, as imagens eram tão perturbadoras que ela despertou com os próprios gritos que cruzaram a linha entre o sonho e a realidade, penetrando seus tímpanos e a resgatando do pesadelo.

Sobressaltada, Jemma abriu os olhos e sentou-se na cama, levando as mãos à cabeça ao mesmo tempo em que seus colegas de SHIELD adentravam seu quarto. Pela sua visão periférica, conseguiu identificar a figura de Fitz. Ele foi o primeiro a atravessar a porta, praticamente correndo em sua direção. Os outros vinham logo em seu encalço.

Ele sentou-se na beirada da cama, ao lado dela, tomando seu rosto entre as mãos.

— Jemma, o que houve?

Ela levantou a cabeça o suficiente para encará-lo e não passaram despercebidos por Fitz os olhos rasos de lágrimas da melhor amiga. Ele deu um suspiro cansado.

— Seus pesadelos estão se tornando constantes...

Jemma não queria preocupá-lo, de modo que tentou parecer o mais casual possível quando disse que essa era apenas a segunda noite.

— Segunda noite seguida que você tem pesadelos – ele tornou, enfático – e tem certeza que isso começou ontem? Ou estamos apenas ouvindo seus gritos desde ontem?

Ela abaixou a cabeça, desarmada. Não havia como argumentar e, de qualquer maneira, ela não tinha energia para isso no momento.

— Não se ofenda, Jemma – Coulson começou – mas você precisa procurar ajuda.

— Você vem negando seu stress pós-traumático por muito tempo...

— Eu não estou com stress pós-traumático – ela cortou Bobbi de modo rude, mas se deu conta disso já no minuto seguinte – me desculpe, eu não quis ser grosseira, eu só... – Jemma levou as mãos às têmporas, massageando aquela região.

Demorou algum tempo até que alguém resolvesse falar algo, mas foi Daisy quem quebrou o silêncio.

— Só estamos preocupados com você, Jemma. Todos nós...

— Eu sei disso, me desculpem...

— Mas, olha só – Hunter disse, tentando parecer tranquilo – procurar ajuda nessa situação não vai ser fácil... Eu quero dizer, Jemma precisa de um profissional que consiga entender tudo isso que ela passou e, bem, como explicar a ele que ela esteve em outro planeta com uma criatura que a gente desconhece a origem?

— Hunter! – Bobbi o recriminou.

— Não, ele tem razão – May que, até então estava calada, resolveu se pronunciar – nós tínhamos Andrew... – ela fez uma pausa após mencionar o nome do ex-marido que agora havia se convertido em um horripilante e maligno ser denominado Lash, um assassino de Inumanos – mas agora, como vamos encontrar outro especialista com quem Jemma possa conversar abertamente sobre o que aconteceu?

Todos baixaram a cabeça, refletindo por um momento. Mas Fitz já tinha a solução.

— Eu conheço alguém... Doutor Samson.

— Samson? Acha que seria conveniente? – Mack indagou.

— Para mim parece o mais ideal.

Jemma balançou a cabeça, desnorteada.

— Tá, espera! Quem é Doutor Samson e por que ele seria ideal?

— Bem – Fitz hesitou – ele é um psiquiatra renomado...

Jemma arqueou levemente as sobrancelhas

— Ele foi... Ou é o psiquiatra do Dr. Bruce Banner – Fitz falou de uma vez, já temendo o que viria a seguir.

Ela deu uma risada sem humor.

— Quer que eu veja o psiquiatra do Hulk?

— Jemma...

— Sério, Fitz! Acha que eu estou tão perturbada assim?

— Jemma, pare de falar um pouco e me escute – agora a voz de Fitz assumira um tom austero – ele foi o meu psiquiatra quando eu tive que lidar com as consequências do meu dano cerebral. Eu consultei com ele enquanto você esteve infiltrada na Hydra. Por isso eu o conheço e você não. E eu não o recomendaria se não soubesse que ele é excelente.

— Oh... – as faces de Jemma ruborizaram levemente, ela quis retirar suas palavras, mas era tarde demais – me desculpe, eu...

— Esqueça – ele disse, sacudindo uma mão no ar e levantando-se da cama. Os outros permaneceram imersos em um silêncio constrangedor – eu tenho o contato dele. Ligo para o Dr. Samson pela manhã. Nós... Vamos te deixar dormir.

Fitz virou as costas e acenou com a cabeça para que os outros fizessem o mesmo. Ele foi o último a sair, relanceando o olhar na direção dela antes de fechar a porta.

Jemma permanecia sentada sobre a cama. Um milhão de pensamentos correndo pela sua cabeça. Impossível conseguir dormir com tantos ruídos que seu cérebro fazia. Ela levantou-se e andou de um lado para o outro por algum tempo, antes de colocar o robe sobre o pijama que vestia e deixar o quarto.

Ela caminhou sorrateiramente pelo corredor, nas pontas dos pés, tomando cuidado para não fazer barulho e respirou fundo quando parou em frente à porta do quarto de Fitz. Relutou antes de bater. Fitz não demorou a atender.

— Eu... Posso entrar?

Ele não disse nada, apenas deu espaço para que ela passasse.

— Me desculpe por aquilo... Não queria parecer ingrata – ela disse nervosamente, agitando as mãos – eu não queria te preocupar, só isso. Por isso estava negando que precisava de ajuda...

Ele ergueu uma mão no ar, sinalizando para que ela parasse.

— Está tudo bem, Jemma. Eu te entendo. Também relutei em procurar ajuda daquela vez. Não queria admitir meu problema... Você só não quer incomodar ninguém. É um motivo mais nobre do que o meu.

Jemma retorceu levemente os lábios. Ela detestava aquela mania que ele tinha de se subestimar, de se sentir inferior aos outros. Seu pensamento foi interrompido quando percebeu que Fitz ainda trajava a camisa e a calça social com as quais ela o avistou no laboratório mais cedo. Eram quase duas horas da madrugada e ele ainda não tinha ido dormir.

— Você estava no laboratório até agora?

Ele assentiu casualmente. Um lampejo de súbita compreensão cruzou o rosto de Jemma.

— Não consegue dormir?

Fitz balançou a cabeça negativamente, sentando-se em sua cama e levando as mãos à cabeça. Jemma hesitou a princípio, mas então se aproximou, sentando-se ao seu lado.

— O que há?

Ele pareceu relutar, mas falou mesmo assim:

— É difícil dormir quando... Bem, eu estou sempre tão atormentado. Fico no laboratório até tarde tentando ocupar meu cérebro, me distrair para não pensar em nada do que aconteceu até me sentir cansado o suficiente, cansado até mesmo para parar e pensar no que fiz... Mas o sono não vem, somente a exaustão. Então eu venho para o quarto, me sento aqui e odeio a mim mesmo.

— Pensar no que fez? – ela estava genuinamente confusa.

— Ora, Jemma... Você sabe do que estou falando. Eu... – ele engoliu em seco antes de prosseguir – eu sinto muito. Queria que tivesse outro jeito. Eu te fiz uma promessa que não consegui cumprir e... O que eu fiz com Will...

— Fitz, aquele não era o Will – Jemma disse, o interrompendo de imediato, não conseguindo acreditar que ele se culpava por isso, que era aquilo que o atormentava – era a criatura que se apossou do corpo dele. Will morreu me salvando, o que você matou foi um... Um monstro. Você foi maravilhoso. Durante todo esse tempo. Você evitou que aquilo cruzasse o portal. Demonstrou uma coragem inacreditável e... Bem, antes disso, tudo o que fez, o seu apoio, a sua compreensão. Jamais vou conseguir retribuir tudo o que fez por mim.

— Não é necessário que retribua – ele disse, sem encará-la.

— Fitz – ela tocou levemente seu rosto, como se pedisse para que olhasse para ela – eu não estou aqui, nesse momento, porque sou grata a você. Bem, eu sou, mas não é por isso que continuo vindo até você. Quero estar do seu lado... Nós temos uma história e eu não quero que isso acabe. Uma vez eu disse a Bobbi que não conseguia imaginar minha vida sem você, pois bem... – ela tomou fôlego antes de continuar, percebendo que falava rápido demais – eu vivi isso. E não consegui suportar a ideia de nunca mais te ver. Eu não quero viver isso de novo. E quanto ao que você disse, antes de atravessar o portal, que não poderia viver em um mundo sem mim... – ela tocou a mão dele suavemente, segurando-a na sua – bem, eu também não. Eu não posso mais te perder.

Fitz ouviu cada palavra sem alterar a expressão de seu rosto, mantendo seu olhar fixado nela – aquela melancolia presente em seu semblante era devastadora.

— Você não vai me dizer nada? – a voz dela não passava de um sussurro cortante.

Fitz respirou fundo, desviando o olhar para um canto qualquer do quarto por um momento, antes de tornar a fitá-la – o que você sugere Jemma?

— Um novo começo.

Ela sorriu. Por um momento, Fitz se perguntou se ela queria continuar do ponto onde pararam antes de um infortúnio do destino afastá-los por seis longos e dolorosos meses. Isso significava recomeçar a partir daquele convite para jantar. Mas os planos de Jemma eram outros.

— Recomeçar?

— Sim, lembra-se do que costumávamos ser? Melhores amigos. Cúmplices, melhor dizendo. Sempre unidos.

Sempre unidos, mas nunca juntos de fato foi o pensamento que ocorreu a Fitz, mas ele não ousou verbalizá-lo. Fitz já estava conformado com aquela ideia, sabia qual era o papel que representava na vida de Simmons e não poderia e tampouco queria exigir mais do que isso. O coração dela ainda estava confuso com tudo o que havia acontecido e jamais ele desejou que Jemma ficasse com ele apenas por gratidão, que retribuísse seu amor como se estivesse pagando uma dívida. Se, um dia, ela ficasse com ele, teria que ser porque sentia o mesmo que ele sentia. E Fitz achava que esse dia estava longe de acontecer ou que talvez nunca fosse chegar. Que o coração dela pertencia a outro, afinal. Outro cujo coração já não batia mais, mas que ainda era o contemplado, o alvo de seu amor. Fitz tinha essa crença desde que ele soube de toda a história dela com Will. Mas não conseguiu evitar aquela dor aguda no peito quando ela proferiu as palavras melhores amigos.

O que ele não sabia era o que se passava pela cabeça de sua amiga. Jemma queria que eles voltassem a ter a relação que sempre tiveram, mas com algo a mais. Porém, por enquanto, precisava curar suas feridas e se livrar da culpa que sentia. Enquanto se sentisse culpada pelo que houve com Will, ela não conseguiria seguir em frente com Fitz. Jemma precisava de tempo para ordenar seus sentimentos, colocar todas as coisas em seu devido lugar dentro de si. E, acima de qualquer coisa, não queria que Fitz sentisse como se fosse uma segunda opção. De fato, ele não era. Nunca houve opções, mas se houvesse ele seria a primeira. Não havia o que escolher. O seu relacionamento com Will ocorreu por força das circunstâncias, fortemente guiado por um instinto de sobrevivência.

Will era sua última alternativa em um planeta em que só existiam duas pessoas.

Fitz era aquele que ela escolhera anos atrás em meio a outras sete bilhões de pessoas. Alguém com quem ela tinha um relacionamento que foi evoluindo gradativamente (até demais), o melhor amigo que se tornou seu verdadeiro e único amor. Mas, dar um passo além agora, o faria pensar que ela só estava com ele ou por gratidão (e ele jamais aceitaria isso), ou para esquecer o fim trágico de seu envolvimento com Will. E mesmo que ela dissesse o contrário, a insegurança de Fitz quanto aos sentimentos de Jemma sempre o envolveria em dúvida. E ele não merecia ser atormentado por essas dúvidas.

Fitz tentou sorrir. Algo havia se partido dentro dele, algo que demoraria a ser consertado, portanto seu sorriso soou triste. Jemma temeu por ele. Sentiu medo de que ele nunca mais fosse feliz como merecia e deveria.

— É isso o que quer?

Ela encolheu os ombros.

— Mas só se você também quiser.

Fitz a contemplou por longos segundos antes de tornar a falar.

— Claro – ele disse com simplicidade, completando a sentença mentalmente melhor ter algo a não ter nada, eu me conformo com qualquer sentimento que você tenha a oferecer.

Todos diziam que um poderia ler a mente do outro. Mas seus sentimentos eram tão complexos naquele momento, que nem eles mesmos conseguiam decifrar. Se eles soubessem realmente o que o outro queria, evitaria toda a dor que viria a seguir.

— Eu posso te pedir mais uma coisa... Quer dizer, se não for demais?

Ele deu de ombros e assentiu.

— Eu posso ficar aqui? – ela disse, meio sem jeito – é só que... Bem, desde que eu voltei... Desde antes de voltar de Maveth... Pra falar a verdade, deve fazer meses desde a minha última noite de sono tranquila. Mas naquele dia, quando você me resgatou e ficou ao meu lado no módulo de contenção... – Imediatamente, tornou-se vívida em sua mente a lembrança daquele momento em que ela despertou agitada de um pesadelo, saiu da cama e se dirigiu a Fitz, a fim de repousar a cabeça sobre seu colo, enquanto ele dormia sentado no chão – bem, foram as únicas horas de sono tranquilas que tive em todos esses meses.

Fitz ainda recordava do alívio e felicidade que lhe invadiram instantaneamente quando ele acordou e a encontrou adormecida em seu colo. Ele mal podia acreditar que ela estava viva e de volta.

Ele pareceu ponderar por um momento, mas concordou.

— Se não for incomodar, claro...

— Imagina, Jemma. Nenhum incômodo.

Fitz não se preocupou em trocar de roupa, dormindo com o mesmo traje que ele usara durante o dia todo. Ele deitou-se de costas sobre o colchão e sentiu o bem-vindo peso do corpo de Simmons sobre o seu. Ela adormeceu com um pequeno sorriso estampado em sua face e a cabeça recostada sobre o peito de Fitz, ouvindo os batimentos compassados de seu coração.

Era a primeira vez em meses que ela dormia tranquilamente durante toda a noite, sem que seu sono fosse entrecortado, sem que imagens perturbadoras invadissem sua mente, sem pesadelos.

Ele continuou sem conseguir dormir, no entanto. Permaneceu durante toda a noite, acariciando o cabelo dela e ouvindo sua lenta e profunda respiração. Como naquele dia, no módulo, quando a resgatou.


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