— Peeta não acha que esta exagerando ao fazer esse mistério todo?

— De maneira nenhuma doutora Everdeen, e não seja tão estraga prazer, você prometeu-me que seria uma boa cobaia hoje, e o mistério esta incluso no pacote.

— Só prometi, porque não sabia que seria obrigada há ficar tanto tempo nessa expectativa e de olhos vendados, além disto, esse cheiro maravilhoso esta acabando comigo, sabe desde que hora eu não ponho um alimento sólido na boca? Estou morrendo de fome.

— Espere só mais um minutinho moça curiosa, vamos subindo... Cuidado com o degrau... E que fique bem claro, eu preciso de sua opinião sincera sem a influência da fome ok? Pronto... Então... O que achou? – As semanas foram passando, e apenas hoje me dei conta de que faz mais de um mês que Peeta e eu estamos morando juntos, soa estranho quando eu falo assim, “morando juntos”, mas neste tempo que dividimos o mesmo espaço nossa amizade só fez crescer e solidificar, é como se eu já o conhecesse há muito tempo dada nossa empatia, no começo sua presença era assustadora e até incômoda para mim,  agora  o que eu sinto é   justamente o contrário,  sua presença me deixa  em paz  e menos triste  e em nada   me é inconveniente.  Nos últimos dias tem sido raro vê-lo feliz, mas hoje ele está radiante, e eu também por tabela, descobri que cozinhar é como uma válvula de escape para ele, o seu refúgio, Peeta anda muito deprimido,  ainda não viu as filhas desde que elas foram arrancadas dele  no abrigo, fora proibido por uma determinação judicial de se aproximar delas, Snow  abriu um processo contra ele por conta da agressão sofrida  no Belle Mason,  e de quebra o velhote ainda conseguiu a guarda provisória das netas alegando que Peeta representa um risco ao desenvolvimento físico, psíquico e social das três meninas,  há  dias eu venho tentando reverter  a decisão judicial em favor dele pelo menos para que ele possa em fim visita-las, porém não obtive nenhuma resposta positiva, em compensação, Johanna  deu uma chance ao loiro, ela o contratou como auxiliar de cozinha no Belle Mason, sei que minha irmã faria isso de qualquer maneira, não por pena ou simplesmente para ajuda-lo, durante este último mês eu tenho visto o quanto ele é talentoso no que diz respeito cozinhar, tão bom quanto minha irmã na verdade,  tenho sido sua “cobaia” quando ele cozinha para fazer seus deveres de casa, Joh me disse que para se trabalhar  num restaurante de alta culinária como o Belle Mason só as habilidades e o talento bruto de Peeta não eram o suficiente, então ela rapidamente  o matriculou num curso intensivo de gastronomia, a senhora Abernathy me confidenciou que ele tem potencial para ser um grande chef por isso ela esta financiando a tal formação, disse também que  ela  e meu cunhado estão Investindo nele para um projeto  secreto, e que na hora certa eles me dirão que projeto tão secreto é este, fiquei furiosa e até cheguei a brigar com os dois, porém mesmo assim eles não  me entregaram nada.  

— Ual, Peeta isto aqui está incrível! – Peeta estava inseguro e queria minha opinião sobre um prato que havia criado recentemente e apresentaria para Johanna, ele iria sugerir que ela o incluísse no cardápio do restaurante, e como essa noite o loiro também queria comemorar por ter recebido o primeiro salário uniu o útil ao agradável e resolveu preparar sua criação para que eu a avaliasse.  

— A mesa, a decoração, está tudo tão perfeito... Agora me diz uma coisinha moço, minha tarefa aqui não era só para avaliar o cordeiro com molho de frutas? Então pra que toda essa superprodução? Você deve ter gasto muito dinheiro nesse jantar sr. Mellark.– virei-me para ele e fiz a pergunta  fingindo  indignação.  Quando  me comunicou que faria um jantar especial eu jamais imaginaria que Peeta prepararia algo tão requintado, ele havia arrumado todo o terraço enquanto eu estava na B&Gs, o lugar estava simplesmente perfeito, a apresentação da mesa, os arranjos de flores naturais, as velas, fiquei simplesmente fascinada, valeu a pena ser vendada antes de chegar ao terraço, a surpresa ao abrir os olhos e ver como ele tinha transformado aquele ambiente não teve preço.

— A principio sim, mas eu queria fazer algo que manifestasse toda minha gratidão por tudo que você tem feito por mim; Tenho vividos dias terríveis sem minhas filhas, não sei o que eu faria se você não estivesse comigo passando por todo esse turbilhão, e não falo só da sua assessoria jurídica, falo da amiga que tem se tornado para esse esquentadinho aqui, sei que já teria feito alguma bobagem sem você ao meu lado... Katniss eu agradeço tanto a Deus por Ele ter trazido você para minha vida, só gostaria de ter te encontrado em um momento diferente. – todo o discurso de Peeta me deixou um pouco emocionada, eu estava realmente feliz com a surpresa.

— Eu também gostaria ter te conhecido em outro momento, mas como minha mãe sempre me dizia quando criança, “Tudo tem seu tempo”  vamos comer logo  antes que essa belezinha aqui esfrie –  já estava ansiosa para comer, Peeta puxou a cadeira para mim,  porém permaneceu muito tempo  de pé e em silêncio apenas me olhando.

—Você não vai se sentar e jantar comigo? – perguntei divertida,  Peeta estava muito engraçado, vestia um de meus aventais, e na cabeça tinha uma bandana colorida, estava parecendo até a  Johanna só que de calça, fiquei imaginado ele jantando comigo vestido daquele  jeito.

— Vou sim, mas é que você me surpreendeu, eu pensei que demoraria mais para se arrumar, hum...  Espera só um minutinho, que eu já volto – fiquei confusa com a explicação que ele me deu, e mais ainda quando ele saiu rapidamente em direção ao lavabo social que ficava no terraço, fiquei comendo algumas torradinhas com orégano que se encontrava em uma cestinha sobre a mesa, tentando amenizar um tiquinho a fome que eu  sentia.

— Pronto agora estou a sua altura senhora advogada? – voltei-me em direção a sua voz e engasguei levemente ao me deparar com um Peeta  totalmente diferente trajando um terno escuro, gravata, sem a bandana que a pouco usava na cabeça,  e com os cabelos perfeitamente alinhados; Ele estava muito bonito e perfumado,  não pude deixar de pensar  no quanto ele  havia  gasto para  fazer o jantar e comprar o terno que  usava.     

—Nossa! Isso vai ter de ser analisado também?– perguntei enquanto o apontava de cima abaixo com o meu dedo indicador.

— Não será necessário Doutora Everdeen, ademais eu tenho medo da sua analise sobre a minha pessoa. – acabamos rindo, ele puxou a cadeira a minha frente e se sentou, em seguida abriu uma garrafa de vinho que descansava no gelo num balde ao lado da mesa.

— Você é sempre tão perfeccionista moço?– falei notando como a garrafa estava bem arrumadinha no balde de gelo.

— Perfeccionista?

— É, você sempre pensa em tudo senhor Mellark, um mês e alguns dias de convívio e já notei essa sua qualidade, é detalhista e gosta de tudo nos seus devidos lugares, arrumou muito bem a mesa, pensou no vinho, nas velas, nas  flores,  na louça, guardanapos combinando, etc, pequenos detalhes que nem eu pensaria.

— Qualidade? Delly sempre reclamava desse meu jeito, ela achava que esse era meu maior defeito, não uma qualidade... – Peeta suspirou e ficou pensativo quando falou da esposa, ele nunca tocava no nome dela, só  falava das filhas e da falecida mãe, me sentia mal em tanto falar de Gale com ele, não sei,  às vezes eu queria que ele me falasse um pouco sobre ela, sobre o casamento deles na verdade.

— Peeta por que nunca fala da sua esposa? – ele engoliu em seco, e se serviu do vinho, e logo em seguida encheu meu prato com um generoso pedaço de cordeiro com molho agridoce de frutas, e um pouco de arroz com ervas, se serviu também e logo enfiou uma colher cheia na boca.

— Desculpe, não pretendi ser inconveniente... Esquece o que eu disse, eu só fiquei um pouco curiosa. – Notei que ele além de demorar muito para responder ficou bastante cabisbaixo, Peeta bebeu mais um gole do vinho, e começou a falar.

 —  Delly foi à mulher que eu escolhi quando eu ainda era uma criança para ser minha companheira, a mãe de meus filhos, no caso minhas filhas, entende? – Ele disse e então deu um sorriso tímido como se alguma lembrança boa tivesse passado por sua mente.

— Foi meu primeiro amor, minha melhor amiga, é muito difícil lembrar-me dela sem ficar triste, ela partiu tão precocemente... Queria ao menos que ela tivesse conhecido a Primrose... Minha esposa tinha tanta coisa ainda para viver.

— Desculpa, Peeta eu não queria te trazer lembranças ruins, você não precisa falar mais nada se não quiser.

— Tudo bem Katniss, é natural que queira saber sobre ela, sobre mim, sei que você tem instinto investigativo, não estou triste, antigamente era mais difícil falar sobre minha falecida esposa, não que hoje seja  fácil, é que  hoje eu já consigo fazer isso sem chorar, eu aprendi a lidar com a saudade que sinto dela.  

—Por que não se casou de novo?– perguntei tão rápido e enfiando uma colherada cheia de cordeiro na boca, tenho tido essa curiosidade há muito tempo, ele era tão jovem quando a esposa morreu, geralmente para os homens é mais difícil ficar sozinho por muito tempo, principalmente quando se tem crianças pequenas.

— Eu nunca pensei em me casar de novo, e acho que nem teria como com as filhas ciumentas que eu tenho,  Amber e Primrose nem tanto,  porém Melissa nunca deixaria nenhuma mulher chegar perto de mim – Peeta que até aquele momento estava cabisbaixo levantou os olhos e sorriu para mim ao falar nas filhas, sempre era assim quando ele se referia as três, e eu adorava isso nele.

— Talvez seja porque ela é a  que mais se lembra da mãe, quando Del faleceu ela já estava com cinco aninhos, mas uma coisa é certa, com aquelas três seguranças no meu encalço... Katniss você não esta nem tocando na comida, o que foi não esta gostando? – senti que ele não queria mais continuar o assunto esposa morta, então dei o mesmo por encerrado.

— Esta uma delicia e parece que você adivinhou, eu adoro cordeiro, e essa mistura de doce com salgado ficou simplesmente divina.

— Eu não adivinhei, Johanna me confidenciou que você adora cordeiro...  E eu queria preparar alguma coisa que você gostasse, e caso você aprove essa receita quero te pedir permissão para dar seu nome ao prato. – Peeta sorriu, aquilo só podia ser uma piada.

  – Nem pensar, seu louco! – o jantar estava delicioso, o vinho então, nem se fala, conversamos bastante, contei para ele como estava sendo voltar a rotina no escritório, e quais seriam meus próximos passos para tentar um acordo com os advogados do governador,  ele me contou como estava se adaptando ao trabalho e o quanto adorava o curso de gastronomia que Johanna o matriculou, a noite fluía com bastante tranquilidade, a muito tempo que eu não me sentia tão bem ao lado de alguém.

— Agora você fica quietinha aqui que eu irei buscar a sobremesa– fiquei  um pouco zonza por conta do vinho, e meio sonolenta também, estava tendo  muito trabalho por causa de meu afastamento da B&Gs e isso me deixava bem cansada, mas Peeta estava tão feliz que até parecia um menino,  não queria ser estragar prazer naquele momento, e a companhia dele estava me fazendo tão bem que resolvi adiar um pouco minha hora de ir deitar.   Assim que ele saiu do terraço fui em direção à mureta para admirar as luzes da cidade, sempre gostei da vista que eu tinha do meu terraço, esse foi um dos motivos de eu e  Gale termos escolhido a casa. Comecei a sentir um pouco de frio, só vestia um vestido preto de alças finas, cruzei os braços em frente ao corpo e não sei por que raios comecei a me balançar suavemente como se estivesse sob o som de uma melodia,  sempre gostei de dançar, muitas vezes eu e meu marido dançávamos aqui olhando as luzes da cidade e as estrelas... Não queria pensar nele, por isso comecei a me mover  em silêncio, sentindo a brisa suave e fria da noite em minha pele, fechei meus olhos e simplesmente comecei lentamente a dançar sozinha. 

— Eu não sou tão perfeccionista como você disse mais cedo... Devia ter pensado nisso. – me assustei com a voz de Peeta e me desequilibrei, parando instantaneamente de dançar.

—Desculpa o que disse?

 – Que não sou tão perfeccionista, eu devia ter pensado em colocar um som ambiente – Peeta deixou a bandeja com a sobremesa na mesa e se encaminhou até mim, pegando em minha mão e me puxando para dançar,  não tive reação.

— Vamos senhora Everdeen, não vai me deixar no vácuo, vai?

—Mas não temos musica Peeta.

— Isso não estava sendo um problema para você, por favor vamos, prometo que não pisarei no seu pé. – aceitei a sua mão estendida, após alguns segundos de hesitação, assim que Peeta pegou em minha mão começou a sussurrar de forma suave e lenta uma musica, de início não a identifiquei pelo modo arrastado e firme com que ele pronunciava as frases da canção, só alguns instantes depois comecei a reconhecer a letra, Ed Sheeran, Fall. Fechei os olhos curtindo o timbre suave da voz de Peeta em meu ouvido,  deixei-me guiar por ele, encostei minha cabeça em seu  peito, senti seu coração acelerado como no dia  que ele me abraçou no estúdio, uma sensação estranha invadiu meu corpo ao sentir o cheiro bom de colônia masculina que o corpo dele exalava, Peeta soltou minha mão e envolveu minha cintura com os braços, prendendo meus braços entre nós,  um frio bom  percorreu minha espinha, a muito tempo eu não me sentia assim, senti que precisava me afastar do corpo dele, mas não conseguia, Peeta me afastou um pouco para olhar em meus olhos, ele fez um breve silêncio e só então cantou o refrão da música:  

And I will fall for you

And I will fall for you

If I fall for you

Would you fall too?

E eu vou me apaixonar por você

E eu vou me apaixonar por você

E se eu me apaixonar por você

Você se apaixonaria também?

 Sei que era a letra da canção, mas parecia que ele estava me fazendo realmente àquela pergunta, parei de dançar e fiquei presa em seu olhar e em seus braços, Peeta colocou a mão em meu rosto e o acariciou com a ponta do polegar.

— Você e tão linda Katniss, é a mulher mais linda que eu já vi... Peeta aproximou seu rosto do meu e por um segundo eu desejei muito que ele me beijasse, me apavorei com tal sentimento, senti uma brisa gélida entre nós, e foi impossível não trazer a mente meu marido e sentir como se eu  o estivesse traindo  em sua própria casa.  

—D- desculpa Peeta, eu não posso, eu não consigo – exclamei enquanto levava as mãos ao peito  dele para afastá-lo, em seguida comecei a chorar e corri em direção a meu quarto sem ao menos olhar para trás.