Vazios escrita por Shalashaska


Capítulo 96
Zhelaniye


Notas iniciais do capítulo

17/05/2020
Obrigada por fazerem parte dessa fanfic.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/697672/chapter/96

Zhelaniye

"Saudades"

 

Após minutos apenas respirando o ar gélido da floresta - pois era uma chance para as três se recuperarem depois de cruzarem o inferno - seguiu-se um momento terno para… Apresentações, por assim dizer. Agatha teve a oportunidade de dizer como conhecia Natalya; contou brevemente sobre sentir a anomalia na Travessia da Bruxa e como tentou ajudá-la. Natalya agradeceu, embora parecesse ainda um tanto confusa, mais enrolada em pensamentos e memórias do que estava enrolada em seu manto vermelho. Não queria desgrudar da sobrinha adotiva, Wanda, e lhe cobriu de abraços e beijos estalados.

— Você está tão grande! Tão linda…

A Feiticeira agradeceu, cansada. Mesmo com a pele mais uma vez brilhando cálida pelo proteção feérica - já que a Lua jazia agora no céu sem nuvens - a jovem tinha dificuldade de acompanhar as perguntas de Natalya. Gostava de assistir seu rosto, porém. Suas expressões, a cor de seus olhos e uma tonalidade opaca de aura.

— Me perdoe, querida. — Ela enfim disse, segurando as mãos frias de Wanda. — Sei que está exausta e precisa de descanso. Ainda mora na mesma casa em Novi Grad? E onde está aquele seu irmão? Lembro-me que não se desgrudava dele.

A face da jovem foi resposta suficiente para que houvesse silêncio.

Natalya estivera fora por anos. Não sabia sobre a explosão que matou Django e Marya. Não sabia sobre Pietro.

Agatha limpou a garganta com um pigarrear discreto, tocou nos ombros de Natalya com delicadeza enquanto um portal mágico abria-se atrás de si, dando direto para a sala aconchegante de sua casa.

— Há muito o que conversar. — Ela disse, depois ajudou a outra a se locomover de maneira lenta, um tanto hesitante. — Vamos primeiro esfriar as ideias enquanto bebemos chá. Ninguém mais quer se manter nessa montanha mais que o necessário, sim?

Wanda permaneceu em silêncio, pensativa. A noite só respondia com costumeiros sons de insetos ocasionalmente voando, o farfalhar do vento nas árvores. Ela encarou a escuridão adiante, distinta da cena que tinha visto todas as vezes em que olhou a floresta ao sopé da Montanha Wundagore. Algo havia mudado. Não existia mais aquela vibração terrível, algo errado entre os galhos e folhas. Wanda sentia a ausência das criaturas de sombras, da seres e entidades vis, como uma certa coruja.

Era agora uma floresta normal, devolvida à natureza. A Montanha já não mais sangrava.

No entanto, algo dentro da Feiticeira Escarlate parecia não ter se curado direito.

Antes de atravessar o portal com Natalya, Agatha voltou sua atenção para a aprendiz, olhando breve por detrás dos ombros. Sua voz era gentil, sensível ao pensamentos silenciosos da jovem:

— Você vem, Wanda?

Sua boca esboçou uma resposta automática, mas levou um tempo a mais para que sua voz tomasse forma. Seu tom era tão frágil quanto um floco de neve, também carregado com facilidade pelo vento.

— Sim, eu… Eu já vou. Só me dêem alguns minutos.

A bruxa se convenceu após um miado de Ebony, parado ao lado da sokoviana. Fez um curto aceno com o queixo para o bichano e depois atravessou o portal brilhante junto com Natalya.

Em seguida, Wanda se pôs de joelhos naquele solo frio, sujo e ingrato. Encarou a luz da Lua com os lábios trêmulos, grata por Ebony lembrá-la que não estava sozinha - pois ele estava ali, esfregando carinhosamente seu diminuto corpo em suas pernas dobradas - mas ela ainda se sentia tão absolutamente só.

Toda aquela dor era dela e pesava demais em suas costas.

Quando deu-se por si, estava chorando. Não aquele choro quieto que costumava a chorar, não desejando ser um incômodo, um tormento inconveniente e demasiado sensível. Eram soluços incontidos no peito, uma respiração entrecortada e o rosto avermelhado, molhado, torcido.

Toda a jornada na montanha tinha craquelado suas barreiras até inevitavelmente Wanda chegar a tal ponto de exaustão emocional, em prantos pelo o que tinha acontecido e por coisas que jamais iriam acontecer. Segurando o rosto em mãos, ela sentia-se fraca e engolida por impotência e dor.

Murmurou baixinho:

— Pietro...

Ela queria seu irmão de volta. Pelos céus e pela terra, como ela queria ver aquele sorriso de novo, aquela cor azul tão familiar e volátil. Metade si. Era o que ela mais desejava na vida e Chthon sabia disso. E… Ela podia trazê-lo de volta.

Seu pai e sua mãe adotivos, tão queridos e há tanto tempo enterrados. Magda, sua mãe verdadeira. Lorna, a meia-irmã. Família, enfim. Sua e inteira, para sempre.

Poderia poupar todos que amava. Anular o sofrimento. Era fácil. Podia quase tocar aquela realidade, sentir seu cheiro e seu sabor doce.

Eles seriam felizes.

Wanda soltou outro soluço engasgado, seu tórax dolorido.

Era uma realidade perfeita e falsa. Nem bem entendia se ainda lembraria-se de sua vida de antes caso dobrasse o universo ao seu favor, mas… Wanda bem sabia que alterar a realidade tinha um custo. Seria jogar fora todo o esforço que seus amigos e conhecidos fizeram para superar suas dificuldades, problemas e passado; todo esforço para melhorar a própria vida e reparar erros. Crescer, amadurecer.

Ceder aos seus caprichos, à sua sede de alegria imaculada, era desprezar tudo o que ela mesmo tinha feito para chegar até ali. Não era natural, nem certo, ainda que doesse aproximar-se tanto de uma vida impecável e recusá-la.

Wanda já havia optado por muitas decisões erradas ao longo de sua história e sofrido as consequências na pele. Agora, abaixo do céu noturno e desfeita em lágrimas, mal acreditava que tomar a escolha correta a faria chorar tanto.

Existia a cor vermelha dentro de si, uma chama que jamais se apagava - por mais que diminuísse devido à desventuras inevitáveis. Ela sabia que tal fogo iria se acender exuberante de novo e tomar seu lugar de direito dentro de seu coração, mas naquele instante Wanda era apenas cinzas.

Sem peso, pálida e fruto de aniquilação.

Em certo ponto, Chthon estava certo. Ela poderia sim recomeçar mais uma vez, afinal...

Coisas crescem das cinzas. Tanto já havia surgido de seus vazios… Amizade. Amor. E ela cresceria e floresceria de novo, como já tinha feito.

Isso, no entanto, não a impedia de sentir saudades.

Ela inspirou fundo, enxugou o rosto com as costas da mão direita. Pediu desculpas à Ebony por passar os dedos molhados em lágrimas em seu pelo macio e preto, depois ficou a encarar um ponto adiante sem realmente enxergá-lo. Escutava o vento, uivos indistintos e tão distantes. E depois seu nome.

Uma, duas vezes. Três.

Wanda

Wanda

Wanda

Franziu o cenho e olhou por detrás dos ombros justamente quando uma figura conhecida se aproximou correndo, parecendo tão confusa quanto ela. Um homem. Ele parou, mal oculto pelos galhos. O olhar de ambos se encontrou e permaneceu assim, ancorado naquele instante eterno.

Boneca?

— James?

Ele disparou até ela, logo ajoelhando-se ao seu lado em um único movimento. Deu um breve “olá” à Ebony, sem comentar a estranheza do silêncio do bichano, e logo puxou Wanda para um terno e apertado abraço. Seu toque era delicado, apesar de seu braço metálico.

— Ah, Deus… — Deu-lhe um beijo morno em sua testa, em seus cabelos. Trazia-a para mais perto de si, segurando sua nuca e abafando alguns soluços emocionados da jovem. Ele estava preocupado e afoito, mas ela só conseguiu se concentrar no calor e no perfume de seu peito. — Você está ferida? Está chorando.

— Não, eu… — Wanda riu e chorou ao mesmo tempo, para o desespero de Bucky Barnes. — Eu tô feliz por estar aqui. Como…?

A jovem feiticeira derreteu quando ele colocou uma mecha de seu cabelo para trás, uma mecha fina que escapara da tiara. Sua mão relando em sua pele e em seguida segurando seu queixo com ternura. A expressão do soldado era aquela confusa e adorável que Wanda tanto amava.

Foi inevitável recordar-se do momento em que ela o enxergou na câmara de criogenia há meses, quando tivera o mesmo impulso de ajeitar o cabelo dele.

— Eu nem sei onde é “aqui”. Não sei o que diabos aconteceu. — Ele respondeu; depois continuou um tanto embaraçado, embora franco: — Eu só senti… Saudades.

Wanda lhe ofereceu um sorriso, seu coração agora calmo, afinal… ela estava inteira acolhida pela aura amena de James Barnes. Ele vestia uma roupa casual, confortável, a cor igual a de seu boné cinza escrito “White Wolf”. A jovem podia imaginá-lo vestindo essa roupa no apartamento dos dois em Bucareste, talvez durante o café da manhã no qual seriam servidas panquecas deliciosas.

Quis chorar mais, desta vez de súbito alívio. Ela não acreditava no sentimento que transbordava de si, gentil e sereno, quando pensava naquele homem. Também tocou em seu rosto, em sua barba por fazer e nas pontas de seus cabelos castanhos. Não havia como decidir o que lhe deixava mais chorosa: o fato de tal sentimento existir em seu peito ou tal coisa ser recíproca no coração do soldado.

Ela poderia pensar em muitas formas de descrever seu amor por Bucky sem bem chegar numa conclusão definitiva, mas outra coisa atraiu sua atenção.

— James. — Disse, de repente. — Essa é a última palavra.

— O quê? Que palavra?

— O código de ativação. — Ela apressou-se em explicar. Franziu a expressão enquanto raciocinava verbalmente, olhando para um ponto distante: — A HYDRA. Nossos sentimentos… Talvez tenham sincronizado de novo, mas você ainda fez algo sozinho. — Encarou de novo a imensidão dos olhos dele. — Você está livre agora, curado. Como se sente?

Ele olhou para baixo, procurando sinais que provavam o contrário. Amarras, grilhões e terapia de choque. Cantos de sua mente e de sua psique onde ainda haviam arestas pontiagudas e armadilhas. Em pesadelos, Bucky ainda caia em algumas delas. Nada. Não encontrou nada, em lugar algum. Nada, nada. Uma ausência duvidosa e absurda. Sorriu de lado, incrédulo. Segurava as mãos de Wanda, sentindo a pele dela gelada.

Não entendia ao certo como seu processo de cura funcionava, mas era inegável que pensavam um no outro. Sentiam um pelo outro. E eram momentos genuínos de conexão que deixaram mais próximos, que faziam as palavras da sequência da lavagem cerebral adquirirem novos significados, novas cores.

Zhelaniye.

Quando jazia como Soldado Invernal, sofria pela falta de identidade, espaço, lar e laços. Usava línguas que não eram suas, quando falava. Não tinha um nome, só um título e objetivos a serem cumpridos e catalogados. Sem amigos, somente aliados descartáveis de missão. E, em momentos entre uma árdua tarefa e outra, a ferramenta sem autonomia que ele era sentia a dor de não possuir todas essas coisas.

Agora, naquele momento… A saudade poderia ser mais leve, menos visceral. Bucky tinha trocado o pesado significado daquela palavra - saudade de si, saudade de um mundo que tinha mudado, saudade de quem já havia sido enterrado - pela falta doce que sentia de mãos seguras e místicas segurando seus cabelos, seu coração.

— Confuso. — Ele admitiu. — Como se tivesse acabado de me teletransportar durante meu lanche da tarde. Mas bem.

— É só o que importa, afinal.

Outro sorriso.

— Mas ainda não explica como vim parar aqui em…

Bucky encarou a floresta ao redor dos dois, sua expressão cautelosa pela escuridão da mata. Tentava descobrir onde os dois estavam, mas antes de verbalizar sua conclusão, Wanda respondeu:

— Aqui em Wundagore.

Ele entortou a boca como se tivesse acabado de provar algo azedo e a feiticeira não pôde deixar de rir, mesmo que soubesse o quanto tinha sido bizarro para Bucky vir a Wundagore naquela outra ocasião. Gatos falantes, sombras e balas de prata.

E ele estava certo. Mesmo que a sincronia entre os dois pudesse esclarecer a forma que ele tinha se livrado da manipulação doentia da HYDRA, não havia razões para simplesmente aparecer ali, sem nem um artefato mágico.

Ebony, em silêncio até então, soltou um miado manso, porém expressivo. Seus olhos amarelos pareciam querer dizer algo cuja infelizmente sua boca já não era mais capaz de verbalizar. Isso não impediu que Wanda deixasse de tatear o significado daquele miado.

Uma lembrança atingiu-lhe como um raio. Uma memória doce e cheia de vento, pois naquela cena Wanda e Bucky estavam no convés de Outer Heaven. Na época, ela não sabia que tal momento era tão carregado de magia assim.

“Quando precisei, a cor escarlate veio até mim. Então, quando precisar de mim, é só seguir o uivo no breu.”

“Isso é um feitiço, senhor Barnes?”

“Talvez seja.”

— Foi o feitiço, James! A sua promessa.

Ele parou mais uma vez, pensando. E enfim se lembrou do mesmo momento que a feiticeira.

O uivo no breu.

— Isso não faz sentido. Não sou um bruxo.

Wanda deu de ombros.

— Você me ensinou o truque da moeda. — Argumentou, arrancando um riso morno dele. Wanda não resistiu se aninhar mais ainda em seu abraço, sedenta por aquele toque brando. Era engraçado estar ali, toda paramentada com suas vestes de feiticeira enquanto o soldado, tão sempre preparado, trajava roupas macias, domésticas. Ela o encarou de soslaio, um gracejo tolo escapando de seus lábios. — E “há mais coisas entre o céu e a terra do que pode imaginar nossa vã filosofia”.

— Shakespeare, huh? — Ergueu uma única sobrancelha. Pegou-a suavemente pelo queixo, deixando-o próxima de si. Em sua cabeça, outra frase do mesmo autor, mas da obra Henrique V, Ato 5, cena 2: “Você tem bruxaria em seus lábios…”, mas ele não disse isso. Só encarou sua boca, desejoso, e afirmou: — O nível de nossos flertes melhorou desde a nossa última vez aqui. Você é perigosa.

Ela riu, ele também. Beijaram-se longamente, saciando todos os beijos que não puderam dar em semanas. Sorveram daquela sensação morna, palpitante e que espantava todos os demônios que carregavam, mesmo que por apenas breves segundos. Bucky sorriu quando tiraram uma pausa para respirar, ainda um tanto ébrio pelo sabor e pelo aroma de Wanda. Armou-se da sua melhor expressão, aquela que usava de forma tola quando queria fingir que era só um rapazote cheio de flerte do Brooklyn, e acariciou a linha do queixo de sua tão adorável e feroz boneca.

— E então… Você tá encrencada com alguma coisa?

— Não. — Ela tinha pequenas lágrimas acumuladas na beirada dos olhos, a cor de suas íris muito acesa ao luar. Sua face, apesar do choro, agora era alegre. — Não mais.

Ficaram abraçados por alguns minutos, em silêncio com a Lua de testemunha. Nada diziam, não era necessário.

Era só outra não-conversa deles.

*

Bucky gostou da casa de Agatha Harkness.

Era um lugar aconchegante, espaçoso. Era fácil imaginar o porquê Wanda tinha gostado tanto de ficar ali, coisa que até chegou a comentar com ela - a despeito da súbita ansiedade que tal fato lhe provocaram. Ela moraria ali? Cheirava a incenso, chá. Tinha livros, plantas, pedras bonitas e magia. Sabia que a sokoviana gostava de tudo isso.

A Feiticeira só apertou sua mão com delicadeza e disse que para não se atolar em preocupações, pois lá não era seu lar definitivo. Afinal… Os dois também tinham um apartamento adorável em Bucareste, não?

Ah. Ele havia esquecido por um momento o quanto era interessante a sua boneca sorrir e ler os sentimentos do seu coração. Sorriu e a seguiu até a sala, onde encontraram Agatha e uma mulher desconhecida ao seu lado, vestida em mantos largos e vermelhos. O aroma de chá de camomila vinha dali, pois quatro canecas fumegantes jaziam acima da mesa de centro. Bucky tentou não ficar muito surpreso por ver que a mentora de Wanda já o esperava e fez o possível para agir com naturalidade, pois também tivera sua própria cota de momentos estranhos que deveriam, ao menos em teoria, deixá-lo menos chocado com feitiçaria. Ebony, por sua vez, já tinha corrido até aquele cômodo, ajeitando-se entre as almofadas do sofá.

E tentou não ficar mais surpreso ainda quando soube que o chá restaurava, literalmente, as forças. Uma poção de cura disfarçada de um pacote inofensivo de chá, que Agatha jurou não fazer mal àqueles que não eram bruxos e nem estavam feridos - como Barnes, na ocasião. Mas as três realmente precisavam de tal coisa naquela noite.

 

Ainda na clareira, Wanda havia contado brevemente para o soldado o propósito de sua missão na Montanha Wundagore, pouco antes de se teletransportarem. Explicou sobre sua dor, sobre a sensação de fogo em suas veias e sobre quem era Natalya. Ela não pediu que lhe acompanhasse para o que vinha em seguida, uma conversa difícil com sua tia, mas era grata por ele lhe ouvir com serenidade e atenção.

Bucky estivera ao seu lado quando ela precisou só de entendimento e silêncio. Também estava lá quando precisava de palavras. E ele era sensível o suficiente para compreender o quanto aquilo pesaria em seus ombros. Então, bastou uma ligação à Outer Heaven através da pulseira de Wanda, pois o soldado não tinha nada em mãos, para que a ausência de James Barnes não fosse motivo de desespero na base.

Todos sabiam do escândalo que o Capitão América podia fazer se Bucky não estivesse em segurança.

Sam Wilson agradeceu. Steve achou a conversa esquisita, mas pouco questionou. Natasha soltou uma risada ácida no outro lado da linha, murmurando coisas sobre fondues.

Wanda desconversou tudo e logo encerrou a chamada - antes que Steve surtasse, ainda bem - e jazia mais corada que o normal. É claro que Bucky não podia ouvir seus pensamentos assim como ela fazia, mas podia sacar quais memórias se passavam em sua cabeça e achava que sua boneca ficava uma graça assim, tão ruborizada.

 

Eles se apresentaram na sala. Agatha e James já se conheciam por uma conversa rápida em Genosha, mas Natalya ainda precisaria conhecer muitas pessoas. As duas não fizeram perguntas sobre como ou o porquê o sargento Barnes estava lá. A medida que os assuntos iam e vinham, o chá esfriando e o vento lá fora uivando inconstante, as mãos da Feiticeira Escarlate ficavam agitadas. Brincava com a própria roupa, com a alça da caneca.

Não podia esconder à sua tia as terríveis coisas que aconteceram nos anos que ficaram separadas. Além de não ser a coisa certa a se fazer, era inevitável que a verdade lhe alcançasse cedo ou tarde. Adiar tais notícias era só uma forma de fingir que a dor não existia. E Wanda… Bem, Wanda havia saboreado suas inúmeras variações. A dor existia e não eram raros os instantes que emergia do fundo de seus devaneios, em seus sonhos. Só ainda era incomum ser a portadora de informações capazes de partir aquela felicidade em frangalhos.

Ela podia perceber também certa antecipação por parte de Natalya. A rom captou algo errado no ar no instante em que suas perguntas sobre a casa dos Maximoff e sobre Pietro não foram respondidas. O diálogo entre eles a distraia, mas ela estava nervosa.

Então a Feiticeira Escarlate decidiu poupá-la daquele adiamento, daquela tortura. Levantou-se de seu lugar ao lado de Bucky no sofá e ajoelhou-se diante de Natalya, pegando as mãos dela com carinho. Por alguns segundos, nada disse e não conseguia encara-la.

Agatha foi perspicaz em simplesmente saber o que vinha em sequência. De maneira casual e despreocupada, disse que iria preparar algo bom para os quatro jantarem.

— Acho que eu posso precisar de um par de mãos extra, senhor Barnes. Venha, — A idosa fez um gesto com a mão direita, intimando o soldado a lhe acompanhar. Seus olhos faiscavam seriedade, embora sua face permanecesse afável. — Sei que é bom na cozinha.

Bucky nem questionou. Seguiu-a com o bichano preto ao seu lado.

Wanda assistiu-os deixarem a sala, grata pela privacidade que os três - bruxa, soldado e gato - lhe providenciaram. Voltou sua atenção a Natalya, em seu semblante maduro e sua aura vermelha e translúcida, como um tecido muito leve. Ela aguardava, um tanto tensa.

— Tia… Eu preciso de contar muitas coisas. Coisas horríveis.

— Imaginei, querida.

Começou do começo.

Do jantar durante o shabat. Como o teto foi perfurado por um míssil, depois por outro. Como...Como o chão se abriu e ela deixou de escutar o chamado dos pais, Django e Marya. Os anos que se seguiram no orfanato, depois… No laboratório.

Ela não queria chorar. Precisava ser forte para sua tia, pois ela estava descobrindo naquele exato momento que havia perdido o irmão, a cunhada. Talvez outras pessoas mais que conhecia na comunidade romani da periferia de Sokovia. No entanto, ela não foi capaz de segurar mais lágrimas que desceram em sua face, nem a garganta que doía e esganiçava sua voz, principalmente quando ela viu a luz do rosto de Natalya diminuir cada vez mais, o sofrimento esculpido em sua expressão dura.

O que ela pôde fazer foi tentar usar seus poderes para… Para amenizar o que a outra sentia. Não tinha tanto sucesso, na verdade. Aquela dor costumava ser só sua, mas agora era dela também. Natalya puxou um pouco suas mãos, tentando confortá-la de volta, ao passo que escutava sobre os experimentos, sobre a fome e a tortura. Aos poucos, Wanda despejava sua história para sua tia, sobre como tinha chegado até aquele ponto, até ela.

Agora estava na parte em que seus lábios tremeram, balbuciando e tropeçando em sílabas fáceis, mas tão cortantes. Sentiu se tola, vulnerável. Acima de tudo, triste. Eram memórias de 2015, e dentre elas havia a pior de sua vida, talvez. Como tinha conhecido os Vingadores. A decisão que tomou quando brincou com a mente de cada um deles, motivada por ira e vingança. Depois, a recordação que arrancou o órgão que bombeava seu sangue quente e lhe deixava viva:

— E Pietro… Pietro…

A noite foi longa e Wanda se sentiu uma criança pequena, assustada e chorosa. Sempre lhe sobrou tão pouco tempo para ser uma criança assim, pois se preocupava primeiro em sobreviver e se manter junto com o irmão, que toda necessidade de colo e amparo pareciam desejar ser saciadas naquele segundo, junto com Natalya. A outra chorou também, agora atualizada em todas aquelas notícias. Foram anos espinhosos.

As duas se abraçaram, derrubaram lágrimas e disseram coisas ininteligíveis uma à outra. Só aos poucos se acalmaram, de modo que a Feiticeira apoiou sua tiara na mesa de centro e deitou-se ao lado de Natalya, com a cabeça em seu colo. Tinha lhe contado tudo, tudo, e estava exausta. Tentava não pensar na intensidade que seus joelhos latejavam, feridos por tantas quedas. Uma, em 2015. A mais recente, naquela noite depois de exorcizar Chthon de seu corpo.

Sua tia também tinha pensamentos pesados, e ainda assim velozes em sua mente, enquanto acariciava os longos cabelos da sobrinha de forma distraída. Ela precisaria de tempo para se recuperar e processar o ardor do luto, embora houvesse algo em seu semblante que se traduzia em calma, solidez. Quem sabe os anos naquele feitiço na maldita Montanha tenham cansado sua alma. Quem sabe, de algum modo, ela soubesse ou esperasse por uma tragédia.

Natalya parecia um cristal vermelho. Refratava luz em tonalidades vermelhas e sua beleza sóbria tinha sido forjada pela pressão de anos e anos abaixo da Montanha Wundagore. Havia seriedade nela, embora Wanda lembrasse de seu humor em cartas.

— Tem algo bom cheirando na cozinha. — Natalya disse, de repente. — Algo com alecrim.

Wanda inspirou fundo, permitindo o aroma invadir seus dois pulmões. Na cozinha, além dos elegantes eletrodomésticos de inox, existiam peças de ervas como alecrim e tomilho pendurados, o que conferia uma atmosfera interessante ao ambiente.

— É. É sim.

Uma pausa. Uma alteração no tom, agora mais leve, de sua tia. Divertimento.

— E seu namorado bonitão sabe cozinhar com paprikash?

— Sabe, tia. — Wanda não a corrigiu, mas a palavra “amante” vinha à sua cabeça. James Barnes era seu amante e ela era sua boneca. — Do jeito que eu gosto.

As duas riram.

— É bom assim. — Ela cutucou a testa dela, brincando. Wanda gostava da sensação da mão quente nela, um toque ameno de uma familiar. E gostava também de sua risada leve, livre. — Nada pior do que um homem que não acerta no tempero.

Uma fisgada no peito da Feiticeira a fez ficar em silêncio por alguns instantes. Sua mente vagou por memórias não tão longínquas assim - não tanto quanto aquelas que narrou para sua tia - saídas direto no Norte do estado de Nova York. Tentou não pensar em Visão e naquela tentativa dele cozinhar durante no período de discussão do Acordo de Sokovia, para depois dizer que temia não pela sua segurança, mas pela dos outros. Civis que podiam se ferir na presença de Wanda e seu descontrole emocional.

Fazia tempo, já meses. Às vezes ela ainda sentia o peso daquela coleira em seu pescoço, na prisão abaixo d´água.

— Eu posso escrever uma lista com coisas piores do que isso.

— Ora, me deixe brincar com você. Já basta aquele… Aquele seu pai sério, pelo visto. Magneto.

Ela tinha contado sobre ele também. Sobre sua eloquência, sua expressão dura e que simultaneamente transbordava sentimento.

— Pode chamar de Erik.

— Sinto que você pode chamar de Erik.

— Na verdade, ele queria que… Que eu o chamasse mais de pai.

Natalya ficou em silêncio por alguns instantes, o rosto de Magda em seus pensamentos. Tinha a mesma conclusão que Erik, Wanda percebia com seu tato telepatético, pois a tia comparava o verde dos olhos da sobrinha com a cor das íris assustadas da estranha que ajudou na Montanha.

— Só conheci sua mãe biológica, você sabe disso. Uma mulher linda, gentil. Senti isso e duvido que tenha se envolvido com alguém ruim.

— Ele não é… Mal. Só sofreu muito. Sente muito ódio.

Natalya considerou as semelhanças entre o que ele e a filha. Wanda concordava, agora sem dor ou choque, só fascínio. Os dois eram tão parecidos.

— Uma dia vou fazer uma visita a este homem. Ele pode ser seu pai, mas ainda vai precisar da minha aprovação.

A jovem girou seu corpo para encará-la, um sorriso torto e mudo colorindo sua face. Se antes Wanda não tinha nenhum parente vivo, agora lhe sobrara um pai e uma tia superprotetores.

— Tá parecendo ele falando.

— Bom, — A tia riu. — Você disse que ele tem poderes magnéticos… E foi justamente arrumar um namorado com braço metálico. Esse pai ciumento não tem muito o que reclamar.

Uma única sobrancelha de Wanda ergueu-se, numa expressão que ela fizera de modo inconsciente, mas que era justamente uma coisa tão característica de Erik Lensherr.

— Vou deixar você tirar suas próprias conclusões quando formos pra Genosha.

Não houve tempo para Natalya retrucar ou questionar com mais detalhes como afinal era aquela ilha de mutantes, pois Agatha e Bucky chegaram com pratos e travessas de comida caseira e quente. O cheiro do alecrim vinha das batatas amanteigadas e salpicadas com aquele tempero. Enquanto o sargento lhe passava um copo com o grosso suco de morangos - colhidos do quintal de Agatha - perguntou um tanto reticente:

— Nós… Vamos pra Genosha?

Talvez não fosse só Natalya um tanto tensa por Genosha e Magneto.

— Não, não... Agora.

O tórax dele se afundou com um suspiro de alívio, já Agatha entrou no meio e começou a servi-los em porções generosas.

— Sim, agora nós vamos jantar.

A comida estava tão boa quanto cheirava, fato que fez Wanda refletir o quanto sua velha mentora de roupas roxas sabia sempre o que fazer em situações difíceis. Geralmente a resposta vinha de formas absurdas e comida. Doces, também. E nada como um banquete para comemorar a ocasião de matarem um deus.

A senhora elogiou o desempenho de Barnes na cozinha, pois ele era observador e aprendia rápido, e tal coisa obrigou-o a sorrir para baixo, num tom tímido e com a desculpa que aprendera alguns truques no exército.

Ele também fez questão de mencionar que era fácil cozinhar com facas e outros utensílios domésticos encantados.

Bucky só estranhou o silêncio do gato preto e ficou arrasado quando a Feiticeira lhe contou sobre o sacrifício que ele tinha feito na Montanha. Comentou que uma vez, há semanas e lá em Bucareste, Ebony havia lhe dito o quanto falar lhe fizera falta em algum momento do passado… E por conta disso, o gatinho gostava tanto de falar.

Tanto ele quanto Wanda prometeram ajudar o felino, se bem que… A jovem sokoviana conseguia captar lapsos de intenções, talvez até palavras ao redor da cabeça felpuda de Ebony. Talvez ele “falasse com o coração”, assim como Ameena tinha dito ser possível na loja de lamparinas em Marrocos. Talvez o gato voltasse a só falar em sua cabeça.

Desenrolaram-se conversas mais leves sobre o clima na Romênia, lugar que Bucky parecia conhecer tanto e que Natalya gostava também; Depois vieram comentários sobre o belo desempenho da Feiticeira Escarlate em seu treinamento, suas etapas. Nigredo, Albedo, Citrinitas e Rubedo. Labirintos e poções. Bucky não entendia muito daquilo, mas era divertido assistir as três conversarem sobre assuntos tão hereges.

— Então… — Natalya sacudiu o fundo de seu copo, misturando mais o açúcar. — Você é a Feiticeira Escarlate agora.

Ah. A primeira vez que se encontraram naquela visão, Natalya mencionou que ela era a Feiticeira Escarlate e que seu nome era um sussurro na Europa. Fazia serviços ocultos, sobrenaturais. A fama de Wanda era um pouco mais… Alarmante. Bom, ao menos antes de Genosha. Agora não sabia se sua atuação contra Arnim Zola tinha lhe garantido um pouco mais de amor do público.

— A menos que queira…

— Não, não. Isso foi uma afirmação. Não quero trocar nada. Você está se saindo muito bem eu não poderia estar mais orgulhosa. Posso ser a Feiticeira… Não sei, Carmesim.

Ela riu e voltou a mastigar.

Ao fim, Agatha conduziu sua nova visitante a um quarto recém conjurado em sua casa, um novo aposento para hóspedes, e em seguida as duas logo se despediram para desfrutar um longo de merecido repouso. A magia no ar lavou a louça, mas os espíritos se recusaram a secar pratos e talheres. Enquanto Wanda se ocupava das últimas peças, Bucky já tinha acabado sua parte e se encontrava um tanto hesitante, encarando livros estranhos de culinária e cartas de tarot no balcão.

— Então… Vai me levar até Outer Heaven?

— Oh. Sim, se quiser ir… — Wanda abaixou-se para guardar uma das peças no gabinete. — Se já quiser descansar, é só subir as escadas. Meu quarto fica lá em cima, no sótão. Leve já minha tiara pra lá, enquanto apago as luzes aqui embaixo.

Ele engoliu seco. Era isso mesmo que ela tinha falado? Seu coração tinha pulado uma batida de um jeito bobo e adolescente ao entender que passaria mais uma noite com ela. Não era exatamente incomum, pois passaram noites juntos em Bucareste, mas… Ah, deixava todos os músculos relaxados de ternura enquanto seu sangue corria veloz.

Wanda interpretou seu silêncio errado, pois se apressou-se em explicar que o quarto era confortável demais para ser chamado só de sótão. Bucky lhe deu um longo beijo e subiu as escadas do jeito que ela indicara.

O quarto era espaçoso, com uma cama grande e tapetes vermelhos. A estrutura tinha vigas de madeira no teto de pé direito alto, também projetava uma sacada emoldurada por uma janela veneziana. Ele não pode também deixar de notar a escrivaninha cheia de anotações e um conhecido caderno de capa roxa, além dos livros na prateleira. Em destaque, Chapeuzinho Vermelho.

Sorriu enquanto lembrava-se dela andando em seu quarto em Outer Heaven, enrolada num lençol e maravilhada com as lembranças que cada objeto trazia. Ele observou o desenho de Steve, uma estranha foto com Natasha. No móvel ao lado da cama, o lobo entalhado de Piotr. Bucky deixou a tiara dela ali, depois voltou-se a sacada e esperou pela Feiticeira, encarando o horizonte iluminado pela Lua e escutando o vento.

Wanda veio, lhe deu um aceno breve e adentrou uma das portas do quarto. O banheiro, Bucky concluiu, pois logo ouviu o barulho da ducha. Quando ela voltou, já estava vestida num pijama confortável de mangas compridas, de um tecido mole e rosado, e em seguida deitou-se rápido, puxando a manta para si.

Fez um gesto para que ele deitasse ao seu lado e James Barnes ficou mais do que feliz em obedecer.

Ela o abraçou forte como se ele fosse um travesseiro gigante, enterrando seu rosto no peitoral do soldado. Disse que gostava de seu perfume e do seu toque. Respirava de forma calma, cadenciada. Ele, por sua vez, beijou seus cabelos, seu rosto, sua boca. Também apertou-a contra o próprio tórax, para quem sabe fundi-la ao seu coração e nunca mais perdê-la.

Algo dizia que isso não mais aconteceria, porém.

Então ele riu baixo, algo que a fez esquecer por um momento de todas as palavras que Chthon sussurrou em seu ouvido.

— Eu pensei que ficava nervosa com… Com toda essa história.

Queria falar sobre eles. Sobre estarem ali, deitados e colados um no outro numa cama, enquanto ela ainda ficava corada em falar sobre o assunto numa ligação.

Romance? Ah, um pouco. Mas não quero mais sentir culpa por sentir o que sinto, ainda mais quando é tão bonito. — Wanda disse, muito simples, muito direta. Fez o soldado derreter em seus braços. — Eu me sinto bem.

— Nós estamos bem.

O sono veio logo e eles dormiram abraçados. Wanda pôde esquecer do inferno que habitara seu coração, Bucky não sonhou com choques ou facas, tiros e frio. Descansaram.

Dias se passaram ali na casa de Agatha Harkness, quem sabe uma semana, para que Natalya se acostumasse de novo com o mundo e para que todos também pudessem desfrutar um pouco de paz em meio a feitiços, jardinagem e culinária. Bucky lidava bem com tudo isso, na verdade. Cada manhã era uma aventura inesperada.

Mas chegou o momento que Wanda quis partir, ou melhor, voltar. Ver seus amigos, ao contrário dos hologramas nas ligações. E ver o mundo, desta vez sem amarras. Natalya permaneceria na casa de Agatha Harkness. As duas tinham se dado bem e alguém mais precisava ajudar na Loja, não é mesmo?

A Feiticeira Escarlate sempre poderia retornar. Se teletransportava também, então a distância não seria um problema. Tinha a chave, um quarto e pessoas que esperavam por ela. Além de um gato, é claro.

Aquela última manhã foi folgada, leve. Wanda colocou alguns pertences na bolsa surrada que usava - como a tiara e o lobo de madeira - tomou um daqueles seus longos banhos, embora desta vez fosse acompanhada de seu amante. Ele não cansou de dizer o quanto era engraçadinho a feiticeira gostar de tantos cosméticos e sais de banho; falou do cheiro das velas e reclamou um pouco que a banheira era apertada demais para que os dois coubessem nela, mas seus protestos logo cessaram quando ele alcançou sua boca e seu corpo, fazendo Wanda estremecer, esquentar e derreter em seus braços.

No balcão da cozinha, Wanda escolheu cartas de tarot antes de ir. Estava ao lado de Ebony e Bucky observava com interesse todo aquele jogo de figuras estranhas e nomes pomposos. A Feiticeira queria um presságio para sua partida.

E tirou logo uma imagem de um homem caracterizado como bobo da corte carregando uma trouxa de pertences na costas, numa caminhada em direção ao desconhecido com um bichano ao seu lado. A carta zero, um novo início e fim de outro ciclo, quem sabe.

O Louco.

Era considerada uma carta coringa e poderia ser interpretada, de um jeito positivo, como o começo de novos horizontes, oportunidades e riscos que lhe traziam coisas boas. Ao menos seu coração sentia isso, embora quisesse uma segunda opinião de certo gato preto.

Ebony só a encarava com aquele seu adorável par de olhos amarelos, mas algo sussurrasse na mente da jovem:

“Bruxa boba”

Despediu-se tia e da mentora, da casa, das flores no fundo do terreno e do gato. Chorou só um pouquinho, não porque ficaria muito tempo fora ou algo mais grave, mas por tudo aquilo que sua nova viagem significava. Bucky apertou de leve sua mão e perguntou quando ela estava pronta para o teletransporte:

— Onde agora?

— Sokovia. Onde tudo começou.

A primeira parada foi o cemitério próximo a Novi Grad. Depois iriam para a Romênia, Outer Heaven; se beijariam na Wonder Wheel em Coney Island, partiriam para Wakanda ou qualquer outro lugar que desejassem. Estavam livres. Apenas teriam que ir até Genosha em algum momento, pois Wanda devia isso ao seu pai. E desejava também lhe fazer tal visita.

Os dois caminharam com tranquilidade pelo terreno sokoviano, pois os dois já sabiam o caminho e não existia mais um grupo de terroristas caçando-os. Levaram pedrinhas e deixaram sob o túmulo de Pietro, como sugeria a tradição judaica. Wanda contou as novidades ao irmão, apresentou Bucky formalmente como seu namorado. Evitou a palavra “amante”, pois isso evocava uma impressão mais lasciva e passional do que seu gêmeo poderia suportar.

Bucky conversou um pouco com o vento, como se falasse também com Pietro. Foi meio hesitante e breve, mas sabia que isso era importante e solene para Wanda. Elogiou o gosto musical dele. Disse que, assim como o outro Maximoff, gostava de doces. E que iria cuidar bem da irmã dele, sua boneca.

Depois, o casal ofereceu uma breve visita a Piotr, que os recebeu com os biscoitos que o filho dele - tão parecido com James Barnes! - costumava gostar.

E, por fim, a cratera. Aquele vazio onde costumava existir a capital do país, ainda abalado pelo o que houve em 2015. Ultron, explosões, terra no céu. Ainda existiam destroços, armações de ferro torcido e enferrujado.

Wanda, que até o momento segurava a mão metálica de Bucky, pressionou-a de leve e a soltou, dando mais passos a frente, perto da borda. Apenas pediu que ele segurasse sua bolsa. Já era de tarde, o horizonte começando a tingir-se de púrpura, rosa e carmesim pelo fim de mais um dia. De algum modo, ela ainda podia enxergar o passado ali, as construções e pessoas.

Não alteraria a realidade.

Mesmo que… Que colocasse a cidade tijolo por tijolo no local, não poderia apagar o passado. Ou até poderia, mas… Isso era o certo? O natural, o correto? Se caso fizesse isso, a cidade seria então uma cidade fantasma, uma carcaça oca para fantasmas habitarem e os vivos serem assombrados.

Ela faria mais pelas as pessoas de sua terra no futuro, mas faria isso do jeito certo. Estava pensando nisso e trabalhou para melhorar a si mesma primeiro. Naquele momento, só conseguia pensar na ausência de ajuda humanitária, na ausência de um monumento, um memorial digno ou lembrança.

O caos fluiu pela sua pele, por seu sangue e tingiu seus olhos com aquele brilho cálido. A Feiticeira Escarlate levitou, usando seus poderes de forma branda assim como fez em Genosha, junto a sua mentora Agatha. Era revigorante permitir sua cor, sua essência, derramar em si mesma… E era ainda mais doce saber que a névoa escarlate já não somente destruía o que tocava, partindo metal e sufocando carne. Não, não. Ela não era mais movida pela ira, vingança e aniquilação.

Não estava mais se destruindo.

Os destroços abaixo se moviam, o concreto quebrado desaparecia. Os encanamentos não rangeram quando foram desentortados, nem quando sumiram delicadamente no ar. O verde voltou a tomar conta do local, o estado verdadeiro e da natureza delicada daquele país.

Cor original também dos olhos de Wanda Maximoff.

O local agora estava recuperado, intacto. Uma campina verdejante, onde as pessoas poderiam começar de novo, como quisessem.

Wanda suspirou, quase satisfeita enquanto cintilava em vermelho morno, aceso. Encarou o sorriso de James Barnes lá embaixo e lembrou-se que poderia fazer um pouco mais. Gesticulou de novo, invocando um cheiro doce e cores belas ao vento. Bucky soltou um xingamento empolgado quando viu o que estava acontecendo diante de seus olhos.

Ela encheu a cratera de flores azuis e vermelhas, as rosas caninas e gêmeas. Tratava-se mesma espécie que brotou no terreno de Agatha Harkness, após tanto empenho e esforço. Aquele seria seu monumento, algo a preencher o vazio.

A Feiticeira Escarlate e o Soldado Invernal, quando o acaso os aproximou, estavam vazios e, ao mesmo tempo, estilhaçados. Se encontraram. E viram um no outro mais do que uma lacuna, um vácuo.

Algo dentro de Wanda florescera, desabrochara em meio ao solo amargo, assim como algo dentro de James Barnes. Ela era mais que uma feiticeira e todos os títulos maldosos que recebeu; ele era mais do que um soldado e instrumento de guerra, uma assassino. Tal momento, o florescer, chegava para todas as pessoas - até soldados e feiticeiras - e todas as coisas, inclusive Sokovia.

Mais estações viriam, é claro. Outono, Inverno, Verão. Agora...

 

Era Primavera.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

* Assim como conversei com algumas de vocês, enfim o fim. É surreal. Eu não sei quais eram minhas expectativas há 4 anos, ao escrever e publicar essa fic, sobre como seria o final. Acho que não planejei o sentimento e agora não sei bem o que sinto. Sei que as coisas terminam e muitas outras começam. Me pergunto quais sãos inícios que estão acontecendo agora e que não planejei. Independente de tudo, fica aqui meu agradecimento por vocês terem feito parte dessa jornada não só da Wanda ou do Bucky, mas minha também.
Eu aprendi que os inúmeros vazios em mim podem ser preenchidos por muitas coisas, como flores que nascem e secam. E que nascem de novo. Sempre haverá inverno e sempre haverá primavera.
Agora que olho para trás, vejo certos pontos que eu gostaria de ter feito diferente. Acho que esse tipo de reflexão é feita pra tudo, não? Pretendo deixar mais explicado nos disclaimers da página inicial da fic, mas no fim sobra sabedoria.
Espero que esse final tenha ficado a altura do amor que sinto por vocês, pela história e pelos personagens.

*O capítulo foi revisado, mas existe a possibilidade deste arquivo ser sabotado pela HYDRA. Caso encontre algum erro, favor reporte à Shalashaska

* Pretendo continuar escrevendo e todos vocês estão convidados a acompanhar meu trabalho! Escrevo em mais de um fandom e também sobre personagens que acho tão apaixonantes quanto esses que encontramos nesta fic, mas como alguns são menos conhecidos, sempre faço o melhor pra expor o contexto para que qualquer um possa ler sem nenhuma referência anterior. Querem mais da Marvel? Tenho! É só conferir meu perfil :)

*Podem entrar em contato comigo! Amo conversar. Apenas não recebi notificações das MPs que me mandaram esse mês (ocorreu algum bug), mas já respondi tudo e espero manter as amizades que fiz aqui.

* Feiticeira Escarlate & Soldado Invernal retornarão em "Cinzas".