Vazios escrita por Shalashaska


Capítulo 49
XLIX


Notas iniciais do capítulo

Depois de uma longa pausa, trago um capítulo gigante e - espero - bombástico! Eu quero agradecer novamente as minhas leitoras e leitores, pessoas fantásticas que se tornaram minhas amigas ao decorrer dos capítulos. Bia, Dana, Paparazzi, Nath, Lili, minha super coach Loeine ♥ Se eu esqueci alguém, me dá uma surra por MP porque vocês sabem que eu sou esquecida mesmo.

Convido o resto dos leitores a se manifestarem ♥ Adoraria saber o que estão achando! Sem falar que estou montando uma playlist só de sugestões dos leitores, ideia da MadieJasper! Me mandem MPs de sugestões e ouçam a playlist, o link estará nos disclaimers iniciais.

Bora ler?



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A pasta de papel pardo e um grande “M” vermelho foi jogada sobre a madeira da escrivaninha, o som estalado mal chegando aos ouvidos de Erik Lensherr. Seus olhos estavam fixos num ponto morto, suas mãos tremeram bem como o ritmo de sua respiração. Seu corpo estava instável por conta das palavras que lera nos arquivos, arquivos estes que roubara na base em Sokovia depois de ruir todos os helicópteros inimigos mandados para matar seu grupo e o grupo de Wanda Maximoff.

Foi duro escapar de lá. Ele não se lamentou por destruir os equipamentos e tudo o que viu pela frente, não poupou tempo ao retorcer cada estrutura de metal ali naquele maldito lugar. Preocupou-se apenas em recuperar tais arquivos importantes, item que a menina mutante também foi procurar. Ela era forte, suas habilidades psíquicas eram consideráveis assim como a telecinese e a projeção de energia rubra. Era diferente de como Psylocke fazia seus truques violetas. Das mãos delicadas de Wanda, fluía a cor escarlate e o mundo e a realidade se curvavam ao seus gestos.

E Zola quis matá-la, aquele… Não havia nome para o que era. Não tinha alma antes mesmo de não ter um corpo, mas isso não impediria Magneto de feri-lo, muito menos de desintegrar cada ponto da existência do cientista suíço.

Aquela garota. Aquele rosto.

Então era verdade o que ele sentia. Ela não era Maximoff. Era Lehnsherr, assim como seu nome pós-guerra, Erik Magnus Lehnsher. Ou então Eisenhardt, como ele se chamava antes de sua família e todos os judeus serem perseguidos naquela insanidade. Ela era dele, ela e seu irmão Pietro. Gemeos, romanis como Magda, mutantes como ele e judeus como os pais.

Wanda e Pietro eram filhos dele.

Os arquivos não eram claros, nem tinham como ser. Só datavam o nascimento deles de acordo com a certidão oficial de Sokovia, tipo sanguíneo e quais genótipos eram alterados por conta do gene-X. Nomes dos supostos pais, Marya e Django Maximoff.

A HYDRA, um grupo nazista, ainda tinha registros interessantes sobre experimentos mutantes ao longo dos anos, portanto não demorou que alguém notasse a semelhança entre o novo voluntário e Magneto. Havia uma foto de Pietro Maximoff nos arquivos, a linha de seu queixo e mandíbula firmes, o nariz igual e os olhos frios. Um rapaz. E assim fizeram as comparações do código genético dos gêmeos Maximoff e cópia antiga do dna de Magneto.

Era semelhante demais para serem meros descendentes, sem falar que não existiam parentes vivos de Magneto, como a irmã ou primos. Todos mortos na década de 40. O teste confirmou a paternidade - Mas como fugir da questão de que o corpo de Magneto foi perdido em 1999, ainda em criogenia, e os gêmeos nasceram em 1994? Seriam frutos de algum experimento, alguma recombinação genética ou fruto do acaso, de algum parente deveras distante que tivera descendentes? A HYDRA não fazia ideia e continuava pesquisando. Se era verdade que os dois voluntários eram filhos de uma ilustre figura mutante dos anos 60, fariam de tudo para lapidá-los ao seu favor.

Magnus também não entendia como. Então significava que… Que Magda, naquela noite que desaparecera, naquela terrível noite em que Anya foi morta pelo fogo, estava grávida? Ele mal conteve um lamento, a eletricidade das luzes do quarto falharam por conta das ondas magnéticas. Magda estava grávida e em algum momento precisou de sua ajuda e ele, ao invés de procurá-la com o mesmo fervor com o qual buscara seus algozes do campo de concentração, deixou-a sozinha. Seus filhos.

Ele tentou não explodir como fez na fábrica ao saber da morte de sua garotinha, Lorna. Tremendo, sentou-se na poltrona do quarto do hotel e soltou mais um grunhido, entre um xingamento e a dor da luta contra os Sentinelas. Já tomara um longo banho quente, cobrira seus ferimentos superficiais. Graças aos poderes telepáticos de Emma e de Psylocke, o hotel ofereceu os melhores cômodos e os melhores serviços sem descontar a diária e perguntar dia de check-in, aliás...Sem perguntar nada. Os outros mutantes daquele estranho grupo estavam divididos em partes ainda menores e qualquer um poderia pensar que tratavam-se de turistas.

“Eu sinto muito pela sua perda”

Magnus franziu o cenho. Aquela voz… Ele conhecia aquela voz, embora estivesse um tanto desgastada pelo tempo. Era familiar também seu eco em sua cabeça, com palavras compassivas, ou mesmo alertas preocupados. Uma voz que, no momento, somente Magnus podia ouvir.

Charles, velho amigo.”

Houve uma longa pausa.

“Eu estava me perguntando quando o ilustre professor Xavier viria visitar meus pensamentos. Um hábito teu, não? Emma disse que seus poderes ficaram ainda mais afiados, deve ter sido assim que me encontrou. Que tem uma escola. E que os mutantes ainda são tratados como uma segunda classe e você nada fez.”

“Eu gostaria que viesse me ver, Erik.” Charles Xavier tinha cuidado com suas palavras. “Encontrei-o por conta de seu estado e… Realmente é um momento muito difícil. Sinto que precisamos conversar.”

“Estive ocupado.”

“Eu notei”

Magnus sorriu para o nada, sua expressão ácida.

Meninos com mutações físicas são hostilizados, perseguidos e mortos. Isso se não são obrigados a entrar no exército. Eu fiquei… Cinquenta e cinco anos em uma maldita câmara criogênica. O futuro não está tão diferente assim do passado que abomino. Sentinelas, Charles. Tudo de novo. Pior.”

“Sentinelas? Oh, Deus.” Magneto pensou ter ouvido-o engolir seco. “Eu e meus alunos lidamos com isso antes. Por favor, venha até meu Instituto. Podemos pensar no que fazer e...”

“Destruí tudo. Cada pedaço da fábrica. Talvez escute algo assim no noticiário das próximas horas, se é que ja nao ouviu.”

“Erik…”

“Charles, sua escola já foi atacada? Pelo governo, por pessoas que nos consideram restos? Seja honesto.”

“Eu não poderia mentir pra você.”

“Sim ou não, Charles?”

Hesitação. Derrota. Cansaço.

“Sim.”

“E esse não era pra ser o lugar seguro para seus alunos?”

“Sim, mas… Fazemos o que podemos.” Professor Xavier não tinha como esboçar anos e anos protegendo seus alunos, protegendo também a humanidade de males que nem sabiam que existiam. Tudo parecia ainda tão pouco. O cemitério dentro do Instituto parecia tão grande. “Faço o possível”

“Não tenho dúvidas disso, mas não é o suficiente. Eles continuam nos matando.”

“Você não pode destruir cada um deles.”

“Não, eu não posso.”

“E violência não é a resposta.”

“Discordo. Paz nunca foi uma opção.”

Lá estavam eles de novo. Milhas e milhas o separavam naquele momento, bem como a distância entre suas opiniões. Tiveram essa conversa anos atrás, porém a vida que levavam sempre os obrigava a voltar no mesmo ponto. Nenhum tivera sucesso. Xavier suspirou dentro e fora de sua projeção mental.

O que está planejando?”

“Por mais que a oferta de ir até seu Instituto para jogar xadrez enquanto tomamos uísque seja tentadora, tenho mais o que fazer.”

“O mundo está numa situação muito delicada depois do que houve em Sokovia.” Mas Xavier não tinha certeza de que ele soubesse exatamente o que tinha acontecido, ou que se importasse tanto com as consequências tirando o fato de ter perdido um filho. Sentiu-se então na necessidade de explicar ao menos por cima, pois Erik também não estava com humor para ouvir histórias.  “Estão votando legalização de forças-tarefas. Não complique as coisas.”

“Sokovia, Sentinelas, forças-tarefas! Não me fale para tomar cuidado! Você sabe o que perdi.”

“Eu… sinto muito, Erik. Pelo o que houve com Lorna. Pelo o que houve com Pietro.”

Ele tentou não pensar o quanto Lorna era pequena quando a encontrou pela primeira vez, tentou não pensar o quanto Pietro tinha seus traços e o quanto Wanda era parecida com Magda. Todos os seus filhos era alvos e sua ira era tão infinita quanto seu luto.

É claro que tive um filho.” Ele refletiu consigo mesmo, uma lágrima escorrendo sua face. “E é claro que ele morreu.”

“Nem tudo está perdido.”

“Você sabia?”

“Não.”

“Como acha que…” Ele perguntaria sobre quais seriam as chances de que os gêmeos tivessem alguma mutação que envolvesse envelhecimento tardio, mas parecia improvável. A verdade deveria ser mais estranha e sombria que isso. “Esqueça. Não importa. Ele tentou matá-la, Charles, e teria conseguido se ela não fosse forte. Vai pagar por isso. Por cada ano de minha vida que foi roubada. Por meus filhos. Pelo mundo que ela merece.”

Xavier então soube que acontecera mais do que imaginava na tal fábrica. Steve e T’Challa haviam contado o que descobriram em Sokovia, sobre a construção de robôs com pedaços de Ultron e conhecimento vindo de engenharia reversa de tecnologia Chitauri, porém não se recordava de ter uma figura central responsável por tudo. Erik dissera “ele”, “ele tentou matá-la”. Quem seria?

Isso foi antes de partirem em missão e agora Steve e o resto do grupo estavam desaparecidos, mas por algum motivo nem mesmo o Cérebro foi capaz de encontrá-los. Tal fato trazia temor ao coração do telepata, que havia recebido um pedido de ajuda de Wakanda para localizar os Vingadores Secretos. Sem sucesso, embora tenha ao menos conseguido encontrar seu amigo de anos, Erik.

“Do que está falando?”

“Você é um telepata. Deveria saber.”

“As coisas sempre foram mais complicadas com você e Raven.”

“Eu lamento que tenha falhado, velho amigo. Queria que o mundo fosse tão ingênuo e bom quanto você acreditava que era.”

“Eu não falhei com meus alunos.”

“Eu não vou grosseiro em dizer que nem todos os mutantes são seus alunos e que mesmo assim todos merecessem proteção. Não somos livres até todos serem livres. Serei, então, grosseiro em perguntar sobre Lorna. Você não falhou com ela?”

“Ela morreu fazendo o que acreditava, como achávamos que você tinha morrido. E eu chorei pelos dois.”

Magneto assentiu para o nada, a voz em sua cabeça muito branda e ofendida. Ele entendeu seu luto.

Exato. Ela morreu de forma violenta. Pietro… Pietro também. Todos eles, Charles. Você teve todas as oportunidades de fazer com que o mundo nos visse como iguais. Teve oportunidade de moldar o novo milênio para nós, mutantes. Todos os anos que não tive.”

“E apenas um homem pode salvar o mundo?”

“Talvez. Você me acusa como se somente eu pudesse destruí-lo.”

“Erik…”

“Eu não vou falhar com a minha filha. Só me resta ela, só ela.”

Magneto levantou-se da poltrona de forma vagarosa, dando passos firmes até a mesa da pequena ante sala do quarto de hotel. Em cima da mesa de centro estava seu capacete rubro e tudo aquilo que significava, seus anos de luta e de dor. Pegou-o com as duas mãos, admirando seu peso e seus traços.

“E ela vai sobreviver. Vou fazer um lugar seguro para Wanda e para todos nós. Sua escola não será mais atacada, nem os mutantes tipo Gamma ou Epsilon serão mortos por apenas serem o que são. Estou de volta. Você teve a chance de mostrar que nós éramos iguais aos humanos, Charles. Eu vou mostrar que somos superiores.”

“Venha até aqui.” Professor repetiu a proposta, já um tanto alarmado. Podia sentir os pensamentos pesados do outro, sua determinação firme e cortante  “Podemos pensar em algo juntos, como nos velhos tempos.”

“Não sinto falta de perder, Charles, e é um acerto de contas um tanto pessoal. Espere visitas no futuro. Agora… Agora tenho uma viagem marcada para encontrar um cientista suíço.”

“Erik-

Magneto colocou o capacete, bloqueando a voz de professor Xavier de ressoar em meio aos seus planos.

 

Ainda naquela noite ele chamou suas aliadas, Raven, Emma e Psylocke. Ele tinha um plano que demoraria a ser concluído, mas que seria realizado com precisão e de forma perfeita. Não lhe importava mais a razão por qual Arnim Zola queria seu corpo, e sim que tal criatura ainda estivesse viva - se é que poderia chamar aquilo como algo a mais do que uma existência vazia. Cessaria tal existência, tal aberração sombria e cruel, e para isso tinha que contar com o auxílio de suas aliadas e o grupo que reuniram para a causa.

 

* * *

Wanda se deu por satisfeita ao perceber que onde estava não era um lugar real, por mais estranho que tal pensamento fosse. Era um sonho, semelhante àquele que nunca dera maior atenção: a montanha enevoada e o clima pesado, escuro. Sentiu-se estúpida por nunca lhe ocorrer - de forma consciente e racional - que a tal montanha poderia ser o eco das lendas que escutara sobre Wungadore e seus mistérios terríveis, talvez porque os sonhos justamente geralmente parassem aí: a silhueta enorme e rochosa, nevoeiro, frio. Uma vez ou outra sentia o calor de uma lareira, chegou a ver um rosto bovino, e uma única ocasião escutara uma música, uma cantiga.

Uma maldita canção de ninar polonesa.

Franziu a testa para tal pensamento. Teimou em não pensar no homem sério e de queixo anguloso, mutante, judeu, revolucionário e um tanto perigoso. Parecido com ela em tantos aspectos, talvez apenas não muito no queixo. Polonês. Então Wanda Maximoff sentiu uma pontada na cabeça, rangeu os dentes e recordou-se de gritos.

Antes… Antes de ir para a missão. A noite após o treinamento de Agatha, ela deitou-se e dormiu bem, para no dia seguinte se despedir de Natasha Romanoff. E naquela noite tivera pesadelos com a Montanha Wungadore, coníferas no cenário e gritos de fundo musical. Gritos de mulheres.

Então além do pesadelo e de gritos, Wanda recordou-se da história que Piotr, o lenhador, contou. Coisas estranhas, um acidente de caminhão. Ninguém nunca sabia o que de fato acontecia em Wungadore.

Ela não conseguia se mover, seus braços e pernas doíam exaustos, ainda que sua pele se enregelasse pelo vento. Abrir as pálpebras era um esforço árduo, tanto que a Feiticeira chegou a cogitar que somente não lembrava de seus sonhos anteriores por estar sempre de olhos fechados neles, segura em ignorância. Esperou que acordasse logo. Esperou que fosse mais um dos sonhos indistintos.

Mas o céu se partiu em luz.

Sua boca se abriu para formar um grito, porém de sua garganta não veio som. A montanha para qual era tanto encarava foi tomada por uma aura vermelho sangue, luz saindo de sua fronte como um portal aberto do inferno. Gritos alcançaram seus tímpanos e ela assistiu pedra se desfazer e duas mulheres tentarem sair de dentro da montanha, num lugar onde certamente não existia uma abertura ou caverna antes.

Elas não tentavam apenas sair, e sim escapar. De algo, de algum lugar. De alguém. E não foi claro de quem exatamente, pois além de gritos, puxões, choro e luz rubra, Wanda não conseguia ver mais nada e nem conseguia ajudar, tampouco se movia. Notou apenas que era tarde demais e, assim como numa memória que não era sua, ouviu despedidas. Ao invés de “Yelena” e “Natalia” murmurados ao vento,

 

“Natalya”, um choro veio de dentro do portal, que aos poucos se fechava. A mulher que proferiu tais palavras estava banhada em lágrimas, mas sua mão parou no ar, desenlacou-se do pedaço da roupa em que se segurava na aliada. A garganta da Feiticeira Escarlate se apertou ao vê-la desistindo da própria vida, da chance de fugir. Pior ainda era ver sua face tentando sorrir, tentando dizer que estava tudo bem. Ela aceitava. E por quê seus traços eram tão semelhantes a imagem que Wanda via no espelho?

“Magda”, a resposta veio sofrida. A outra tentou voltar, embora seu passo fosse dificultado pelas barras do vestido rubro, um ferimento na perna, e duas figuras menores que carregava nos dois braços. Não havia mais tempo. O portal que se abrira na superfície dura e ingrata da montanha agora não era maior que o tamanho de um retrato, separando-as.

“Deixe-me vê-los”, a primeira pediu e a segunda obedeceu. Ergueu as duas figuras menores, dois bebês com poucos dias de vida, um pouco acima da altura do peito para que Magda, do outro lado, pudesse enxergar seus rostos pequenos, um tanto escondidos entre a manta que os cobria. Um deles, o que nascera antes, começou a chorar alto. “Oh, Pietro. Por favor.”

“A menina, tão quietinha.”

“Por favor. Cuide deles.”

“Eu vou voltar por você.”

“Não volte. Você viu o que fizeram, o que queriam fazer com ela.”

“Eu não vou te deixar morrer.”

Magda sorriu tão triste. Então abaixou os olhos para seus filhos uma última vez, esticando um pouco a mão, atravessando o portal para tocar a face de um deles.

“Eu os amo.”

Sua voz foi baixa, enquanto Natalya fungou alto e entre lamentos ininteligíveis. Magda começou a cantar a canção de ninar em sua língua materna, a canção que ela e seu esposo cantavam para a filha que tiveram antes. Foi nesse instante que o portal se fechou com um estrondo e um clarão súbito, lançando a figura da mulher diretamente com as costas no asfalto, do lado de fora do portal.

Houve o som de pneus derrapando no chão, o barulho mastigado do veículo colidindo com um pinheiro.

Natalya ergueu-se, mal viu o acidente com um caminhão que tentara desviar dela. Seu foco estava nos bebês. Não tinha deixado nada acontecer com eles, pois os envolvera com magia. Estava cansada, ferida e desolada por deixar Magda para trás, porém foi ainda capaz de se concentrar o suficiente para protegê-los. Estavam ainda em seu colo, o mais velho choramingando baixinho e a pequena quieta, seus olhos atentos.

Natalya, feiticeira que era, soube que havia algo mais nos gêmeos e algo ainda mais peculiar na menina. Era impossível dizer exatamente o que, mas foi por esta razão que forças sombrias se interessaram nela logo tão cedo em sua vida e isto custou a vida de Magda. Piscou, sentindo uma energia estranha. Uma presença. Virou-se devagar, para o outro lado da estrada.

Wanda encarou de volta, tremendo. Não sabia se seu corpo seria visível, se mais uma se transportara de corpo e alma entre o espaço e tempo, diretamente para a história que Piotr contou sobre a Montanha Wungadore. De repente se arrependeu de fazer o tal truque da moeda. Seus lábios projetavam palavras mudas, perguntas que não ousaria dizer. Wanda Maximoff caiu de joelhos.

Por que a mulher que vestia vermelho e que carregava duas crianças tinha o nome de sua tia? Por que a mulher que foi engolida pelo portal tinha o nome citado por Xavier, quando questionou o nome de sua mãe?

E por que diabos… Por que diabos eram duas crianças? Gêmeos, um menino e uma menina.

 O cenário começou a se desvanecer, sendo substituído por árvores de raízes altas e escuridão, cogumelos que cintilavam. A Travessia da Bruxa. Natalya deu um passo a frente, de repente sem as crianças no colo, apenas suas roupas largas e vermelhas, um capuz sobre os cabelos fartos e castanhos. Seu rosto permanecia com a expressão chocada, sem desaparecer junto com a Montanha. Seus traços belos pareciam tingidos pela passagem do tempo, como se envelhecesse dez anos em somente alguns segundos. Seu queixo afinara-se, suas bochechas perderam o ar juvenil. Enxergava a jovem de joelhos no chão, a metros de distância e com o peso do mundo sobre os ombros. 

Magda?” Ela disse, trazendo um calafrio aos ossos da Vingadora, que nada respondeu. Somente negou com um gesto na cabeça, negou que tudo aquilo estivesse acontecendo. “Eu te conheço? Você é tão familiar.” 

Toda o chão e toda a realidade de Wanda parecia se desfazer sob seus pés. Aquela pergunta era recorrente na cabeça dela. James Barnes perguntara em sua própria mente, e ela também questionava isso ao ver rostos que deveriam ser estranhos. Memórias que não eram suas. Memórias que deveria ser suas. Tudo escorria de suas mãos.

 Agatha Harkness surgiu ao seu lado, estalando a língua. Seu corpo nada mais era do que uma imagem opaca com contornos fantasmagóricos, assim como da primeira vez que Wanda a encontrou. Seu rosto idoso estava desprovido do humor sarcástico. Cada vinco em sua face era preocupação, um tanto de ira.

— Não era para você estar aqui. Não era para ser possível você estar aqui. O que fez?

— Eu não… — Wanda tentou responder.

— Sempre tão descuidada, tola. E já não sei mais se é culpa sua. O destino gosta de brincar contigo. Cuidado com o que fala.

— Ela não pode te ouvir?

— Não consegue sequer sentir minha presença há meses… Meses em que tenho tentado libertá-la. Mas consigo entender o porquê é capaz de te ver e ouvir.

— Agatha… Do quê está falando? Eu estou tão…

— Responda com cautela. Jamais diga seu nome completo, não dê poder para aqueles que escutam, embora ela não represente ameaça.

Wanda limpou a garganta e virou seu rosto para a estranha, que aproximou-se uma dúzia de passos. Raízes e arbustos ainda a separavam, pois a floresta era fechada e mal havia trilha naquela parte. Sentiu-se sozinha numa noite sem lua.

 “Eu sou… Wanda.”

“Sou conhecida por muitos nomes… O mais notável deles é Feiticeira Escarlate.”

 A jovem quase expirou sua alma para fora do corpo quando ouviu isso. A mulher a sua frente, Natalya, tinha sua alcunha. Wanda lançou um olhar assustado para sua mestra.

— Agatha?

— Sim, Wanda. Ela é a sua tia.

— Ela é tão linda.

— Sim, com uma alma dourada.

— Oh, Agatha! Por que não me disse?

— É bem simples, querida. Não era hora de saber.

 “Eu sou Natalya Maximoff.”

 — Oh, isso não era esperado. — A anciã disse consigo. — Ela é uma bruxa. Não deveria sair por aí dizendo o próprio nome.

— Você me disse o seu quando me trouxe aqui na Travessia da Bruxa.

— Hm, só porque eu sabia que podia confiar em você.

— Talvez ela sinta a mesma coisa. Ela pode nos ouvir? Digo, minha conversa com você?

— Deixei de entender assim que você apareceu. Já não era claro se Natalya é apenas alma ou se está perdida também com seu corpo mortal aqui nessa parte nefasta da Travessia. É uma area bloqueada. Não sei se estou tentando salvar sua tia inteira ou só seu espírito de um destino terrível. Mas parece que não, ela não pode nos ouvir. Acho que só ouve quando você se dirige a ela.

 Wanda considerou que não era momento apropriado para questioná-la demais, embora necessitasse de muitas explicações. Levantou-se, tirou a sujeira dos joelhos. Trajava roupas casuais, aquelas que vestia ao cair no sono.

 “Natalya...Você disse que eu pareço familiar. Você sabe quem eu sou?”

 Agatha levitou mais a frente, suas vestes ondulando tal qual seu nervosismo.

— Cuidado, querida. O tempo é uma coisa vaga aqui na Travessia da Bruxa. Se é sua tia em tempos passados, conhecimento prévio pode alterar fatos futuros. Caso seja um fantasma, chocá-la com a verdade pode lhe fazer muito mal. Trate-a como uma estranha.

“Eu sou sua…”

— Wanda, não.

Parente, eu acho.” Evitou a palavra sobrinha. “Uma parente distante. Eu sou romani também e nosso povo viaja. Então acredito que talvez… há muito tempo nós fomos uma família.”

Natalya concordou, pois também era romani. Wanda não entendia como estava vendo-a e como ela não reconhecera-a como a filha de seu irmão Django, embora certamente seu primeiro nome tenha causado impacto. Wanda, Wanda. Ela reconhecia o nome, talvez só não acreditasse quem era.

Ela mandou presentes em seu aniversário e o de Pietro, amuletos estranhos e engraçados. Cartões com sua escrita elegante. Muito tempo se passara, e mesmo que sua tia fosse mais nova que seu pai, ela não parecia ter mais do que trinta e poucos anos de idade. Um lapso no tempo. Não soubera mais nada dela depois da bomba atingir sua casa. Assumira que estava morta.

Eu não sei por quê estou aqui e nem exatamente que você é. Tenho uma ideia de quem seja e até mesmo te acho parecida com uma… Amiga. Mas sei que tenho que te proteger de um mal que você não conseguiria sozinha.”

 — Agatha…

Wanda odiou sua voz tão chorosa, seu coração tão vazio. Afinal conhecia sua tia, entretanto as condições em que isso acontecia eram terríveis. Elas estavam ligadas pela a alcunha de Feiticeira Escarlate e pelo amor que a tia sentia pela sobrinha, mas Wanda começou a ter a sensação que não existiam elos de sangue. E isso a assustava tremendamente.

Agatha, em sua forma espectral luminosa e um tanto lilás, sentiu sua dor. Não era hora de responder todas as perguntas, talvez fosse até melhor que nada soubesse. Porém, o acaso e o caos a trouxe para aquele lugar e ela se viu obrigada a compartilhar algumas informações:

— Ela… Bom, você merece saber. Natalya já sabia que tu eras uma bruxa ainda pequena e queria te proteger de um mal que ainda não compreendi por completo. Um mal que iria atrás de ti. E nisso, ficou aqui desde então. Presa na eternidade, lutando.

— Que mal?

— Nunca fui capaz de vê-lo. A cada vez que chega, os efeitos da magia de Natalya me expulsam daqui. Não me considero uma feiticeira fraca, tampouco inexperiente… Mas ela com certeza tem boa técnica.

 “Natalya...O mundo sabe sobre você? Eu nunca ouvi falar de outra Feiticeira Escarlate antes.”

A expressão dela mudou um pouco ao ouvir “outra” na frase, mas quaisquer que fossem seus pensamentos sobre isso, deixou passar.

Estou surpresa com a pergunta, na verdade. Você é romani como eu, então sabe como confiam tão pouco em nós. Como bruxas, somos duplamente temidas. Eu trabalho nas sombras. Existem poucos que me conhecem… Mas para a maior parte da Europa, onde atuo, não passo de um mito. De um sussurro. Diga-me, Wanda, por que sinto tamanho sentimento sobre você? Até disse meu nome.”

“Eu também fico feliz de te conhecer…”

 Houve um som que não era humano, nem mesmo mecânico. Era algo que os ouvidos de Wanda não puderam compreender, embora seu espírito soubesse que deveria ter medo. Algo que o caos dentro de si reconhecia e temia profundamente. Seus olhos se arregalaram em pura cor escarlate ao assistir Natalya tomar uma posição defensiva, luz rubra saindo de suas mãos.

Agatha fechou as pálpebras.

— Começou.

 “Wanda, para trás!”

 Ao inverso de como ocorrera no começo daquele sonho, daquela visão, Wanda sentiu suas pálpebras fecharem lentamente. Enquanto o corpo de Wanda se desfazia para a realidade absurda da Travessia da Bruxa, a presença demoníaca aproximava-se e o gritos de Natalya Maximoff preenchiam seus tímpanos.

 


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Notas finais do capítulo

Como já avisei em capítulos anteriores, estou misturando o MCU com as origens clássicas da personagem e como não é todo mundo que sabe de alguns detalhes, vou tentar explicá-los aqui:

*Nomes do Magneto: Ele nasceu como Max Eisenhardt e depois da Guerra, ele adotou o nome de Erik "Magnus" Lehnsherr. Geralmente me refiro a ele durante a narrativa como Erik ou Magnus.

*Vocês devem ter percebido que também misturo coisas dos filmes da Fox, principalmente as frases ditas pelo daddy Magneto: "Paz nunca foi uma opção."

*Na cena do diálogo, alternei um pouco para o ponto de vista de Charles Xavier. Se ficou confuso, por favor me digam.

*A canção de ninar é aquela que Magneto canta para a filha em "X-Men: Apocalipse". É uma canção de ninar polonesa, que Magda também cantou para seus filhos no contexto da minha fic. Eles cantaram para Anya, a primeira filha deles.

*No reboot das HQs, Natalya Maximoff se tornou a verdadeira mãe dos gêmeos e na HQ solo da Feiticeira Escarlate foi revelado que ela também era uma bruxa. Aqui, mantenho-a como tia de Wanda e Pietro, irmã de Django Maximoff. Ela tentou ajudar Magda a sair da Montanha Wungadore um tempo após o parto, pois quem mora na Montanha não é lá uma entidade muito benevolente.
Os diálogos que coloquei no encontro entre Wanda e Natalya são encontrados na Edição 3 da "Feiticeira Escarlate".

*Os diálogos entre Wanda e Natalya são compostos por aspas e entre Wanda e Agatha, por travessões. Fiz dessa forma para diferenciar cada conversa como algo separado.

*Em resumo, nesse capítulo eu quis mostrar que Magneto descobriu que é pai dos gêmeos, mas Wanda ainda não está muito certa do que aconteceu - ou melhor, está em negação. A cena também explica o porque Agatha estava na Montanha Wungadore = tentando libertar o espírito de Natalya Maximoff.

*O capítulo foi revisado, mas existe a possibilidade deste arquivo ser sabotado pela HYDRA. Caso encontre algum erro, favor reporte à Shalashaska